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O meme do ano que mal começou

Página Diferentona passa de meio milhão de curtidas e vira febre na Internet
Página Diferentona passa de meio milhão de curtidas e vira febre na Internet


Caso 2016 terminasse neste exato momento, ao falar em retrospectiva, seria indispensável mencionar a página Diferentona como o meme do ano. Ela pode até soar chata e repetitiva depois de algumas postagens, mas o fato é que, agradando ou desagradando os internautas, não se fala noutra coisa na rede nos últimos dias. Trata-se de um deboche à exclusividade que algumas pessoas acham que têm em determinado assunto. “Só eu que faço papel de trouxa?”, “Só eu que nunca acampei?”, “Só eu que sofro nesta vida?” e “Só eu que amo frio?” são alguns exemplos das questões levantadas pela página e respondidas com muito bom humor. “Sim, só você. Diferentona. A rainha do gelo. A coração frio. Frozen. Toma aqui seu certificado de amante do gelo”, arrematou a postagem do dia 03 de janeiro.

Postagens ironizam supostas exclusividades (Foto: Divulgação)
Postagens ironizam supostas exclusividades (Foto: Divulgação)

Diferentona é uma página de humor, embora esteja definida como “Artes e espetáculos” no Facebook. Sua ilustração principal mostra uma versão da famosa deusa Vênus pintada por Botticelli, revirando os olhos, como tipicamente se faz quando se acha algo bizarro. A origem exata da brincadeira é desconhecida, mas é possível que tudo tenha começado no Twitter, quando a usuária @nicesthing, em novembro do ano passado, irritada com os comentários do tipo “será que eu sou a única pessoa que…”, respondeu: “Sim. Só tu. Just you. Pioneira. Inovadora. Vanguardista. 7 bilhão de pessoa [sic] no mundo mas VC”. O tuíte se espalhou e a brincadeira se expandiu, gerando a tal página do Face (que, enquanto este texto era escrito tinha mais de 700 mil curtidas), um perfil no Twitter (com 24,4 mil seguidores) e um no Snapchat, entre outras cópias, como as páginas Diferentona Indelicada e Esquisitona, para não citar as homônimas que seguem o mesmo padrão de posts. “A questão dos virais é sempre complicada, é muito difícil apontar os elementos que o constituem. Justamente por isso, tantas empresas falham tentando produzi-los”, explicou a jornalista e mestre em Letras, Taiane Volcan, 27. “Os virais são influenciados por um alinhamento de fatores, como momento histórico, padrões consideravelmente estáveis no ambiente da rede social e uma sacada que não pode ser nem simples demais, nem complexa demais, pois precisa se popularizar entre os diferentes grupos que constituem a rede”.

Embora faça tanto sucesso, tem quem esteja achando que Diferentona não durará muito mais, afinal as postagens já estariam soando enjoativas. Taiane, que atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e desenvolve pesquisas sobre discurso, humor e política em ambientes virtuais, considera que o fenômeno está seguindo um curso natural. “Um meme é um viral e sua tendência é não ter vida muito longa mesmo. Ele representa os quinze minutos de fama nas redes sociais. Todos atingem o seu ápice e depois tendem a enfraquecer. A página Diferentona está fadada a ter uma queda de popularidade, atingindo o seu ponto de estabilidade, que é quando uma página produz conteúdos interessantes, as pessoas acompanham e alguns [desses conteúdos], mais eventualmente, se destacam”, pontuou, ao citar que o mesmo processo ocorreu com outras páginas famosas, como Gina Indelicada, Dilma Bolada, Diva Depressão, entre outras.

Aproveitando a onda
Grande parte do público que curte e segue Diferentona não apenas aprecia as postagens, como interage, criando memes parecidos e ganhando, também, alguma notoriedade. Foi o que ocorreu quando a página brincou com a questão “Só eu não tenho celulite?”. Nos comentários, a usuária Fernanda Aquino fez a pergunta inversa, foi criativa na resposta e recebeu 104 curtidas. “Só eu que tenho celulite? Sim, só você. Miss queijo suíço. Xodó da Coca-Cola. Cratera lunar. A peneira humana. Brocada. Casa de cupim”. A atriz global Camila Pitanga confessou, em sua conta no Twitter, que até já entendeu como funciona a brincadeira, mas considera não ter a mesma habilidade. Os internautas não perdoaram. “Chegou a diferentona. Que não sabe fazer meme. A deslocada. Adultona”, disse um. “Só você, Camila. A pitanga estragada da pitangueira. A falsiane do Twitter. O palitinho premiado. A sensação do momento”, exagerou outro.

UFPel também valeu-se do meme (Foto: Divulgação)
UFPel também valeu-se do meme (Foto: Divulgação)

Além de reles mortais e celebridades, empresas e instituições
públicas também estão fazendo questão de aproveitar a deixa – a exemplo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), da Prefeitura de Olinda, do Governo do Rio Grande do Sul, do canal de TV paga Multishow, da marca de automóveis Jeep e da rede de varejo Ricardo Eletro. “No caso da Diferentona, existe uma estabilidade do uso de humor como forma de comunicação nas redes sociais que se apropria da capacidade do humor de comunicar e de tornar o que é comunicado mais palatável, pois permite brincar com essa questão da diferença de opinião e suaviza esse ambiente

Peça encomendada pela Prefeitura de Olinda (Foto: Divulgação)
Peça encomendada pela Prefeitura de Olinda (Foto: Divulgação)

de disputa que vinha pesando cada vez mais na rede, especialmente em função de discursos políticos e religiosos, bastante controversos e populares”, comentou Taiane. “Considero o Diferentona um viral extremamente importante, especialmente em um contexto de disputas discursivas tão ríspidas como tenho observado nas redes sociais. É um sopro de humor na nuvem de discursos de ódio da rede, que surge para nos lembrar que não somos os únicos que pensamos diferente, que sempre irão existir opiniões opostas e que, muitas vezes, é possível se divertir com isso sem necessariamente fazer um novo inimigo”.

Taís Brem
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*Texto publicado também no Observatório da Imprensa.

Entre o consumismo e o desapego

Moda dos brechós on-line é uma das maneiras de incentivar o consumo sustentável

(Foto: Divulgação).
Artigos são vendidos pela Internet a preços simbólicos (Foto: Divulgação).

A bem da verdade, ela considera que colaboraria bem mais para o fim do consumismo – ou para uma diminuição significativa dele em sua esfera de convivência – se promovesse um troca-troca de roupas, calçados e acessórios com seus conhecidos. Mas, como um dinheirinho extra é sempre bem-vindo, a opção foi mesmo por organizar um brechó on-line. Na roda, entraram peças que a jornalista Nathalia King, 28, não usava mais e estavam ocupando o espaço que ela precisava esvaziar, em função da mudança para um imóvel menor. A quantidade de bens era grande, assim como foi a coragem de colocar em prática o tal do desapego, conceito que tem viralizado dentro e fora das redes sociais.

Jéssica trabalha com moda e sustentabilidade (Foto: Arquivo Pessoal).
Jéssica trabalha com moda e sustentabilidade (Foto: Arquivo Pessoal).

A estudante do terceiro semestre do curso de Design de Moda da Universidade Católica (UCPel) Jéssica Madruga acompanhou a onda dos brechós virtuais desde o começo em Pelotas, há uns dois anos, e acha iniciativas do tipo super positivas. Funciona assim: pelo Facebook ou outros canais semelhantes as pessoas expõem fotos de coisas que não utilizam mais – seja porque deixaram de servir ou não agradam mais – e colocam os objetos à venda. “No início, havia quem quisesse ganhar dinheiro mesmo com isso. Mas, depois, as pessoas passaram a se desfazer de suas roupas por um preço simbólico, apenas para fazer circular essas peças de um jeito não-agressivo para elas e para o meio ambiente”, disse ela que, além de trabalhar com projetos que aliam moda e sustentabilidade, é cliente assídua de brechós físicos, também. “Esses artigos, de certa forma, terão seu período de vida útil aumentado, não serão jogados fora, serão reaproveitados. E, enquanto isso, as pessoas continuam consumindo, mas de um jeito mais inteligente do que só focado no acúmulo desnecessário”.

Nathalia King (Foto: Arquivo Pessoal).
Nathalia King (Foto: Arquivo Pessoal).

Na calculadora de Nathalia, o “preço simbólico” a que Jéssica se refere varia de R$ 10,00 a R$ 30,00, não muito além disso. “Primeiro, doei muita coisa. Depois, o  objetivo foi vender as roupas para que elas fossem usadas por pessoas que realmente as apreciariam. Pelo menos, os preços são bem menores [que no comércio convencional] e ninguém se endivida”, disse, divertindo-se. “Admito que comprar dá uma sensação maravilhosa, mas, hoje em dia, não me considero mais uma pessoa consumista, como já fui – e muito!. A gente vai crescendo, amadurecendo e tendo novas prioridades. Aprendi que, economizando, posso ter conquistas bem maiores do que a compra de uma peça de roupa, por exemplo. E essa é a mentalidade. O primeiro passo é se livrar dos inúmeros cartões de crédito. Depois, passar a valorizar o que realmente é importante, sem esquecer de fazer aquela perguntinha: ‘Eu preciso disso mesmo?'”.

Blusa foi vendida no Brechó da Nath por R$ 15,00 (Foto: Arquivo Pessoal).
Blusa foi vendida no “Brechó da Nath” por R$ 15,00 (Foto: Arquivo Pessoal).

Consumo equilibrado
A também jornalista Yéssica Lopes, 23, diz não se considerar alguém consumista quando se trata do que ela chama de “bens materiais mais práticos”, como roupas e acessórios. “A maioria das minhas roupas é presente de família, que ganhei no aniversário, Natal…”, explicou. “Atualmente, só compro quando realmente não tenho outra escolha. Muitas peças da minha mãe me servem e isso facilita na hora de eventos mais formais. Já no sentido de ‘prazeres do dia a dia’, sim, me considero consumista. Prefiro andar a pé e de ônibus e poder beber uma cerveja todo dia a ficar pagando prestação de carro ou algo do gênero”.

Yéssica Lopes (Foto: Arquivo Pessoal).
Yéssica Lopes (Foto: Arquivo Pessoal).

Todo esse desprendimento deu um bom incentivo para que Yéssica também fizesse uso do Facebook para “comercializar” alguns itens que estavam sobrando em seu armário. Ou melhor: armários, no plural mesmo. “Morei cinco anos em Pelotas e, quando retornei a minha cidade natal, Rio Grande, estava praticamente com dois guarda-roupas completos. Então, separei umas cinco malas de roupa e doei quase tudo! Com algumas peças, eu tinha algum apego, como o vestido que usei na minha formatura de Ensino Médio, por exemplo. E fui enrolando”. Até que, há aproximadamente um ano, Yéssica atingiu seu limite de estresse por causa da dedicação extrema à carreira profissional. “Chegava a ser superior ao que eu dedicava a mim mesma. Então, comecei a encarar a vida de outra forma. A forma que encontrei de conseguir entregar peças bacanas às pessoas e receber um valor quase que simbólico pela troca foi a maneira que consegui desapegar de roupas que, em muitos casos, nem havia utilizado. Daí surgiu a ideia do brechó”, relatou.

Calça jeans foi um dos itens comercializados no brechó "Praticando o desapego" (Foto: Arquivo Pessoal).
Calça jeans foi um dos itens comercializados no brechó “Praticando o desapego” (Foto: Arquivo Pessoal).

Obviamente, sua atitude acabou beneficiando a ela mesma e, as economias que fez, geraram uma poupança em que ela deposita verba para viajar de vez em quando e aproveitar a vida. “O mundo anda uma loucura sem fim. Acredito que toda e qualquer ação que tente reduzir o consumo seja válida, do copo plástico ao sapato. Não serei demagoga a ponto de querer que todos se vistam da mesma forma todos os dias. Eu não faria isso. Mas, algumas ações caminham para o equilíbrio e isto sempre será benéfico, disse Yéssica. “Tenho uma linha de pensamento bem simples: tudo em excesso faz mal. Resta saber qual é o limite de cada excesso que carregamos”.

A voz das estatísticas
Se levarmos em conta o que diz a pesquisa de mercado divulgada pelo Instituto Euromonitor International, não dá para colocar o consumismo de um lado e o desapego de outro, taxativamente, por mais contraditório que pareça. Um relatório chamado As dez tendências globais de consumo para 2014, que veio a público no início do ano, mostra, entre outros dados, que as pessoas continuam em busca da boa e velha sensação de saciedade que acompanha a aquisição de um novo produto. Por causa disso, as tais compras por compulsão ainda não viraram comportamentos extintos. Entretanto, já é possível observar que esses mesmos consumidores estão muito mais atentos ao impacto que suas compras podem gerar na sociedade e no meio ambiente. A divulgação de notícias de marcas internacionais que fabricam suas peças às custas de trabalho escravo em países subdesenvolvidos, por exemplo, tem colaborado para que as pessoas revejam suas ações e busquem apoiar causas política e ecologicamente corretas.

Brincadeira sustentável

Suélen, Alonzo e Valquíria (Foto: Edyd Junges).
Suélen, Alonzo e Valquíria (Foto: Edyd Junges).

Os irmãos Alonzo, 8, e Valquíria, 6, estavam empolgadíssimos com a chegada do Dia das Crianças semanas antes de o calendário de 2014 marcar, de fato, o 12 de outubro. Por outro lado, os dois já tinham a consciência de que, assim como ganhariam presentes na data comemorativa, tinham a missão de separar alguns itens usados para trocar pelos novos integrantes de sua brinquedoteca particular. Há cerca de dois anos, esse é um trato que eles têm com os pais, o casal de comunicadores Edyd, 28, e Suélen Junges, 29. “Nós dois conversamos e achamos que a melhor forma de ensinarmos eles a não acumular coisas em vão era incentivar a doar”, disse o publicitário. “Não só no Dia das Crianças, mas no Natal ou nos aniversários deles, vamos até o baú de madeira onde eles guardam os brinquedos e, se vemos que há um acúmulo muito grande, separamos aqueles que ainda estão em boas condições para ‘passar para a frente'”, comentou. “De tempos em tempos, damos uma esvaziada no baú”. E todos saem ganhando.

Taís Brem
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Cansei de ter chefe

Preferência pelo empreendedorismo continua crescendo, mas nem tudo são flores

Ideal de independência profissional é um dos principais atrativos para a abertura do próprio negócio (Foto: Divulgação)
Ideal de independência profissional é um dos principais atrativos para a abertura da própria empresa (Foto: Divulgação)

De cada quatro brasileiros, três querem abrir o próprio negócio. É o que mostra uma pesquisa feita pela Endeavor Brasil, com o apoio da Ibope Inteligência, em fevereiro do ano passado. O dado pode ser relativamente antigo, mas continua a expressar a relação da população com o fenômeno do empreendedorismo. Cada vez mais pessoas, qualificadas ou não, desejam se libertar do padrão tradicional de emprego para serem chefes de si mesmas. Na empolgação, tem quem se surpreenda ao perceber que a experiência demanda muito trabalho – não raro, mais do que quando se trabalhava como empregado. E isso torna cada vez mais claro o fato de que ser dono da própria empresa está longe de ser brincadeira.

Martins fundou a própria empresa em 2009 (Foto: Arquivo Pessoal)
Martins fundou a própria empresa em 2009 (Foto: Arquivo Pessoal)

O jornalista Miguel Martins, 39, tinha certa noção disso desde o começo. Mas, depois de trabalhar em diversos setores – de supermercado a imobiliária, passando pela telefonia móvel -, desde os 17 anos, ele se deu conta de que poderia exercer melhor sua atual profissão na condição de empreendedor. “Após me formar em Jornalismo em 2007, observei que eu poderia fazer muito mais pela comunidade local com uma empresa própria do que somente como colaborador”, disse Martins, que é egresso da Universidade Católica de Pelotas (UCPel).

A empresa própria a que ele se refere é a revista Vida Saudável, que objetiva levar aos leitores informações sobre qualidade de vida e bem-estar. A publicação foi lançada em novembro de 2009 e é distribuída gratuitamente em toda a zona Sul do estado. A competitividade local, principalmente no que tange aos patrocínios comerciais, é colocada pelo jornalista como uma das principais dificuldades de levar adiante o negócio. Entretanto, quando questionado se faria tudo de novo, caso pudesse voltar atrás, ele é taxativo: “Sim, com certeza! Mas, teria tentado melhorar ainda mais o início de tudo”.

Cunha também decidiu trabalhar por conta própria (Foto: Arquivo Pessoal)
Cunha também decidiu trabalhar por conta própria (Foto: Arquivo Pessoal)

Arrependimento também não é o lema do analista de sistemas Guilherme Cunha, 27. De 2006 a 2013, ele passou por duas empresas diferentes e era bem remunerado pelo seu trabalho. “Mas, me sentia preso e nem sempre as minhas opiniões eram aceitas”, afirmou, ao explicar que a busca por liberdade profissional foi o que lhe impulsionou a pedir demissão e tornar-se seu próprio patrão.

O começo como proprietário da Data Extreme Consultoria em TI [Tecnologia da Informação] foi difícil e seu projeto ainda não alcançou os 100% de satisfação. “Há muita dificuldade para conseguir novos clientes, mas, aos poucos, tenho conseguido conquistar a confiança do meu público-alvo”, disse Cunha.

Além dos espinhos
Que seguir carreira como empreendedor é um desafio, isso já deu para entender. Porém, não há só problemas. Para Martins, a melhor coisa em ser chefe de si mesmo é a sensação diferenciada de dever cumprido. “Poder chegar em casa no fim do dia e sentir orgulho de fazer um trabalho que leva qualidade de vida para uma considerável fatia da população e saber que pessoas mudaram seus hábitos, deixando o sedentarismo de lado, após lerem a revista, é o melhor de tudo”. Cunha, por sua vez, destaca a conquista de independência. “Não ter que aturar desaforo e má educação por parte dos chefes é uma das melhores recompensas. Acredito que esse seja o motivo pelo qual tantas pessoas optam por seguir esse caminho, principalmente os jovens”.

Inspiração e transpiração

Empreendedorismo exige muito trabalho (Foto: Divulgação)
Empreendedorismo exige muito trabalho (Foto: Divulgação)

Para ser um empreendedor de sucesso algumas habilidades específicas são indispensáveis, como organização, liderança, flexibilidade e perseverança. De acordo com as dicas do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), além disso, ter senso de planejamento é extremamente necessário para que a empresa não apenas seja criada, mas permaneça no mercado e sobreviva frente à concorrência.

Taís Brem
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No topo das preferências

Curso de Medicina permanece como mais disputado nos vestibulares

(Foto: Wilson Lima)
Índice de vestibulandos que escolhe a graduação é sempre alto (Foto: Wilson Lima)

Todo santo ano é a mesma coisa: é só verificar as listas dos cursos escolhidos pelos vestibulandos para testificar a imensa quantidade de pessoas que opta por cursar Medicina. Há quem, inclusive, faça um verdadeiro tour pelo Brasil, prestando provas do Oiapoque ao Chuí, na esperança de conseguir vaga em alguma instituição de Ensino Superior e, assim, realizar o sonho de exercer uma das profissões mais cobiçadas do mercado. Qual a motivação de tanto esforço? Pressão familiar? Busca por status? Retorno financeiro? Ou, puramente, vontade de ajudar as pessoas?

Maira concluiu a graduação em 1991 (Foto: Arquivo Pessoal)
Maira concluiu a graduação em 1991 (Foto: Arquivo Pessoal)

A diretora do Hospital Miguel Piltcher (HMP), Maira Piltcher, 47, é otimista. Para ela, que formou-se em 1991 pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel), a maioria das pessoas que busca a área médica como profissão o faz por vocação. “Infelizmente, temos aqueles que realmente procuram a Medicina pela questão financeira ou por imposição da família. O que é algo problemático, pois posso garantir que ninguém é feliz ou faz bem aquilo que não faz por amor. No caso da Medicina, isso não só acarreta problemas pessoais como pode atingir o paciente”, disse.

A vontade de poder ajudar o próximo, entender e aliviar seus problemas, unida à necessidade de levar adiante o negócio da família também acabou por guiar Maira ao caminho que segue até hoje. O lado positivo é que sua escolha não foi abafada por uma visão fantasiosa da profissão. Ter crescido no ambiente característico, vendo seu pai, o também médico Miguel Piltcher, trabalhar muito e viver a intensa correria de plantões e urgências, a preparou naturalmente para a movimentação cotidiana que viria a enfrentar. “Aquilo já me fascinava”, relembrou ela, que acabou escolhendo uma especialidade que não lhe permite muito
descanso: ginecologia e obstetrícia.

Partos são atividade rotineira no dia a dia de Maira (Foto: Arquivo Pessoal)
Partos são atividade rotineira no dia a dia de Maira (Foto: Arquivo Pessoal)
Etiene conclui curso no fim do ano (Foto: Arquivo Pessoal)
Etiene conclui curso no fim do ano (Foto: Arquivo Pessoal)

Curiosamente, foi, também, o lado movimentado da profissão – academicamente falando – que estimulou Etiene Dias, 28, a querer seguir carreira como médica. Ela se forma no próximo mês, pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg), e desde o início do Ensino Médio ficou fascinada pela possibilidade de trabalhar numa área que exige constante atualização. “Isso me atraia muito. Sei que muitas pessoas escolhem a área médica por esperar um bom retorno financeiro e algum status perante a sociedade. No meu caso, não pensei diretamente nisso, pois acredito que, quando se é um bom profissional, dedicado e competente, essas duas questões são uma consequência direta”, opinou.

Mudança de planos
Se Maira e Etiene sempre tiveram uma inclinação clara para a área da Medicina, com Carolina Malhão, 26, as coisas não foram definidas de forma tão simples desde o começo. Embora ingressar no curso mais disputado das faculdades fosse um sonho antigo, a vontade esbarrava no medo do vestibular e na ideia de que não conseguiria passar pela concorrência. Então, Carolina seguiu a profissão do pai: o jornalista Jorge Malhão. Depois de formada e tendo exercitado o talento genético tanto pelas ondas do rádio quanto pelas páginas do jornal, decidiu abandonar tudo e arriscar no seu sonho. “Ainda estou lutando para ter uma vaga na universidade, por isso não tenho muitos planos para depois de formada”, afirmou. Quando questionada sobre a possível razão para que a profissão de Medicina seja tão almejada pelos vestibulandos, Carolina comentou: “Claro que muitos são guiados pela vontade de fazer dinheiro. Mas, acredito que não há nada de errado disso, desde que não se abandone o humanismo tão necessário na profissão”.

Carolina deixou o Jornalismo para investir em seu sonho (Foto: Arquivo Pessoal)
Carolina deixou o Jornalismo para investir em seu sonho (Foto: Arquivo Pessoal)

Números
Raramente os altos índices de procura pelos cursos de Medicina nas instituições de Ensino Superior mostram alguma surpresa. De um modo geral, em várias regiões do país, do interior às capitais, o fenômeno observado é o mesmo: muita gente lutando pelas mesmas vagas. No início desse ano, por exemplo, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, registrou 451 candidatos inscritos para cada uma das vagas disponibilizadas para a graduação. Para 2014, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o índice é de 104 candidatos por vaga. Na Universidade Federal do Ceará, que tem a
sugestiva sigla “UFC”, a disputa também é acirrada: são 9.748 inscritos para 140 vagas. Já no processo que selecionará os novos alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para o próximo ano, há 57 candidatos disputando cada uma das vagas disponíveis para Medicina.

Em Pelotas não é diferente: nas duas universidades que oferecem o curso – UFPel e UCPel, a procura é bastante grande, tanto por estudantes daqui quanto por candidatos de outras partes do Brasil. Na Católica, por exemplo, que disponibiliza 90 vagas ao ano para a graduação, o índice de candidatos por vaga que era 22 em 2010 subiu para 36 em 2012.

Sonho familiar
Quando se fala em vida profissional dos filhos, para a maioria dos pais, o mais importante é que eles exerçam uma carreira que lhes deixe felizes. Mas, o desejo de um emprego que remunere bem também é um anseio. É o que mostra uma pesquisa feita recentemente pela rede social corporativa Linkedin. O levantamento, que colheu a opinião de 1.001 pessoas, mostra, ainda, que 35% dos entrevistados sonham em ver os filhos atuando como médicos ou como empreendedores, dirigindo o próprio negócio.

Taís Brem

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“A discriminação como regra e a igualdade como exceção”

Tese sobre falta de educadores negros em Pelotas discute desigualdade racial

Pesquisa comprova falta de docentes negros na cidade (Foto: Divulgação)
Pesquisa comprova falta de docentes negros na cidade (Foto: Divulgação)

“Uma análise sobre o discurso da desracialização da docência negra em Instituições de Ensino da Cidade de Pelotas-RS”. Esse é o título da pesquisa realizada pela doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Católica de Pelotas (PPGL/UCPel) Olga Maria Lima Pereira. Nessa entrevista ao Blog Quemany, Olga explica como sua pesquisa pode ajudar a trazer à tona reflexões sobre a situação dos negros no contexto educacional pelotense, não apenas como professores, mas, também, como alunos.

Blog Quemany – Do que trata o seu trabalho, especificamente?
Olga Maria Pereira – O projeto nasceu de uma certa inquietude e de uma busca constante por desconstruir certas histórias que, de tão sedimentadas, tendem a construir, em relação aos negros e seus descendentes, uma única e distorcida história. Por isso, quando escolhi, como tema principal da pesquisa, refletir sobre o discurso da desracialização da docência negra em algumas instituições de ensino da cidade de Pelotas, o fiz por compreender que o mito da democracia e harmonia racial entre negros e brancos, tão aclamado em nosso país, representa apenas uma forma confortável de negação do negro como cidadão de fato e de direito. Por mais que seja angustiante constatar certas verdades que permeiam as relações raciais na cidade de Pelotas, não podemos entrar no conformismo do velho ditado que sempre nos diz que “as coisas sempre foram assim”, que “até têm negros que são encontrados em alguns cargos de chefia, direção etc” e que “em nossas escolas (como não?) há professores negros, sim, senhor!”. No entanto, sabemos que a realidade que nos é apresentada no cotidiano é muito diferente das sutis afirmações de confraternidade e oportunidade entre negros e brancos. Como negar que em nossas instituições de ensino a ausência de docentes negros é um fato e não uma utopia? Como fingir que em nossas escolas o contingente de alunos e professores brancos ,de forma desproporcional, anula a pequena parcela de alunos e docentes negros ? Como desconsiderar a realidade socioeconômica dos negros em nossa cidade e continuar negando um racismo e uma discriminação velada, porém, facilmente identificada? A ausência e a invisibilidade de negros em nossas escolas são realidades escancaradas e jogadas a zonas de total silenciamento. Temos pouquíssimos professores negros em nossa cidade. E daí? Muitas vezes foi isso que ouvi! E o mais grave, na minha opinião, é que essa realidade tenha se naturalizado de tal forma que a impressão que se tem é que ninguém, ou poucos, procuram questionar os porquês dessas ausências justamente nos locais onde a educação e a reflexão deveriam ser sinônimos! Refletir sobre isso é mais do que um dever como pesquisadora: é uma atitude racional e humanizada. A sociedade precisa compreender que as sequelas deixadas em nossos irmãos africanos não podem mais ficar condenadas a uma fala distante, desprovida de atitudes transformadoras.

BQ – Como surgiu a ideia de abordar essa temática?
Olga – Desde minha adolescência, sempre participei de concursos literários sobre a abolição da escravatura realizados na cidade de Pelotas. Por isso, posso dizer que minha pesquisa começou antes mesmo que eu pudesse compreender que um dia ela se tornaria um instrumento reflexivo e de repúdio ao preconceito racial, tema tão caro e tão carente de políticas, verdadeiramente, reparatórias. Aliás, nunca consegui compreender porque o branco precisou anular tanto o negro para fazer sobressair sua vazia vaidade e soberania. Nas escolas, infelizmente, o que aprendemos foi a história do colonizador e, jamais, a história do colonizado – ou escravo, como queiram. Ensinaram-nos que um dia o país precisou ter escravos para escancarar seu desenvolvimento, porém, não nos fizeram refletir que esses escravos tinham uma cor e que essa cor serviu para justificar a desumanidade, fruto de um comércio farto de africanos sequestrados da África e jogados em solo brasileiro. O pigmento de uma pele foi a justificativa mais frágil que o branco arranjou para transformar o negro em escravo e rotulá-lo de ser desprovido de alma e de intelectualidade. No livro de Franz Fanon, “Pele negra, máscaras brancas”, o autor sintetiza essa realidade vivenciada por todos os negros: “Quando me amam, dizem que o fazem apesar da minha cor. Quando me detestam, acrescentam que não é minha cor. Aqui ou ali, sou prisioneiro do círculo infernal”. Essas inquietações foram me acompanhando e fortalecendo dentro de mim a incessante busca por tudo aquilo que me negaram tanto nas escolas como na própria academia: a verdadeira aprendizagem reflexiva sobre a outra história tão ausente nos livros didáticos e nos currículos escolares. Por isso, pensei: “Por que não aprofundar a pesquisa sobre essa ausência de alunos negros em nossos cursos de tecnologias? Por que não usar o mestrado como ferramenta reflexiva para me auxiliar a compreender como, de fato, se deu a trajetória desses alunos desde o seu ingresso até a colação de grau?

Poucos alunos negros chegaram à formatura (Foto: Taís Brem)
Poucos alunos negros chegaram à formatura (Foto: Taís Brem)

BQ – Como foi realizada essa pesquisa?
Olga – Fiz um recorte, de 2000 a 2008, de todos os alunos negros dos cursos de tecnologias do Campus Pelotas do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IF-SUL), traçando estatísticas sobre desistência, trancamento, reprovação, cancelamento e colação de grau. Nesses oito anos analisados, fiquei decepcionada e indignada ao perceber que o direito de todos à educação sinaliza apenas uma frase bonita que não condiz com a prática e o quanto a educação continua sendo traduzida pela cor e pela negação do outro que tornei diferente. Apenas oito alunos negros chegaram à colação de grau. Os demais ficaram dispersos nas estatísticas de reprovação, desistência, trancamento e cancelamento de matrículas por motivos de trabalho. Seria por que a intelectualidade é só dos brancos? Ou seria porque a maioria dos alunos negros precisavam dividir a escola com a família e o trabalho? Muitos diziam para mim (afinal, trabalhei por 28 anos no Departamento de Registros Escolares da instituição): “Gostaria muito de continuar o curso, ele é tudo de bom! Chego a me ver como um grande e notável profissional” ou “Seria legal ter um diploma e trabalhar numa grande empresa, mas tenho família e preciso levar o sustento pra casa. Chego tarde da escola e cedo tenho que ir trabalhar. Meu cansaço é tanto, que não estou conseguindo acompanhar as lições do curso”. Ouvindo certos depoimentos ficava me questionando por que temos que conviver com sutilezas de determinadas leis que, desde a escravidão, tendem a legalizar amparos desamparando os negros e seus descendentes. Essas reflexões foram se agigantando dentro de mim e foi aí que resolvi usar o doutorado para pesquisar sobre a significativa ausência de docentes negros nos espaços escolares.

BQ – Mesmo não sendo negra, de que forma você percebe o preconceito racial na área da docência em Pelotas?
Olga – O fato de eu não ser negra, de certa forma, me faz perceber melhor o quanto é significante esse preconceito. Aprofundando um pouquinho mais nossos olhares sobre o preconceito racial numa cidade cujas marcas da escravidão são identificadas pelo período charqueadense, podemos entender, ainda que nos custe, o quanto o negro foi abandonado às margens de periferias e bairros e o quanto o acesso à educação sempre foi privilégio de poucos e não direitos de todos, como rege a Constituição Federal. A ausência de alunos negros nas redes de ensino de Pelotas é o reflexo e a consequência de suas ausências como docentes nesses mesmos espaços que serviram para excluí-los.

Olga estuda na UCPel e trabalha no IF-Sul (Foto: Arquivo Pessoal)
Olga estuda na UCPel e trabalha no IF-Sul (Foto: Arquivo Pessoal)

BQ – Como sua pesquisa poderá contribuir para a comunidade pelotense na educação e na cultura?
Olga – Em primeiro lugar, como bem sinalizado pela escritora nigeriana Chimamanda Adchie, é importante que não tenhamos sobre os outros a versão de uma única história. Lamentavelmente, somos cônscios que os ensinamentos repassados tanto na escola como na academia sobre o negro e sua contribuição cultural ficaram à mercê de zonas de total silenciamento. Diria mais: o que desaprendemos sobre o negro foi tão forte que preexiste uma falsa concepção sobre sua cor que através dos séculos fragilizou e fragmentou sua identidade. O negro não se enxerga na história como ator portador de uma voz que o identifique. Ele foi e continua abandonado e relegado a povo sem memória. Meu propósito é instigar reflexões sobre temas tão caros que foram silenciados pela ganância e pelo poder desmedido. Ainda que a pesquisa seja apenas um grão de areia num imenso deserto chamado “consciência humana”, creio que, como um todo, ela trará interrogações a serem debatidas e aprofundadas sobre os diversos porquês que insistem em delimitar oportunidades tão estreitas ao exercício da docência negra em Pelotas. Espero, acima de tudo, que ao ingressarmos nesses espaços escolares, nossa sensibilidade aflore a indignação e, através desse desconforto, possamos refletir sobre o papel dessas instituições que naturalizando a ausência dos negros em suas cadeiras fortalecem sua cumplicidade e passividade discriminatória e racista. Se a educação tem como objetivo principal um olhar de acolhimento coletivo, onde estão nossos alunos e professores negros? Até quando os avanços das tecnologias serão maiores que as relações com o outro? Será que é tão difícil compreender que somos todos diferentes, independente do pigmento de uma pele, e isso jamais pode se transformar em motivo torpe capaz de magoar, ignorar e negar ao outro os direitos que dizem ser de todos? Até quando o negro precisará recorrer a todo tipo de lei que os ampare se, desde do período pré-abolição, nenhuma lei foi cumprida em sua integralidade? Como conceber que diante de uma imensa legislação o negro continue sendo discriminado pela cor e, também, por recorrer a tais amparos? Nossa cidade historicamente foi marcada pelo longo período charqueadense, onde o negro foi explorado e humilhado em troca de uma desumana jornada trabalho. No entanto, os casarões dos grandes charqueadores da época hoje servem de pontos turísticos que, ao ressaltar a preciosidade de nossa arquitetura, de forma adversa, silenciam as dores de centenas de negros que deram seu sangue em troca de uma vida miserável. Não temos como quantificar o sofrimento desses negros porque, na história, eles foram transformados em peças,mulas e coisificações múltiplas. A luta por uma igualdade de direitos continua maculando nossa sociedade que , de tantos preconceitos, acaba ratificando a discriminação como regra e a igualdade como exceção.

BQ – Os resultados da pesquisa já estão fechados? O que já pode ser divulgado até esse momento?
Olga – Os resultados ainda não estão fechados, porque utilizei a técnica dos questionários e os mesmos estão chegando a todo o momento. Posso sinalizar que as análises finais não serão capazes de amenizar o preconceito pela cor em nossa cidade que, de forma velada, mas identificada, continua fortalecendo a sensação de um “não-lugar” para negros e negras, sejam eles docentes ou não. A invisibilidade da cor sofrida pelo educador negro continua, tal como num passado não muito distante, a sequelar sua identidade, através de situações constrangedoras vivenciadas no exercício de sua docência. Infelizmente, a mentalidade que simboliza nossa cidade, carrega consigo uma educação fundamentada pela permanência de um branqueamento que ainda persiste em achar que negro numa instituição possa assumir qualquer cargo, menos o de professor. Essa mentalidade, por sua vez, reforça, também, no seu quadro discente um desrespeito por educadores negros. No entanto, tenho percebido que os intelectuais negros estão dispostos a reverter esse quadro lamentável. Esse desconforto está desencadeando uma reação de reversão à imagem depreciativa que sempre lhe impuseram e, isso, em minha opinião, será um grande momento que marcará para sempre a história da educação em nossa cidade.

Taís Brem

Nova seção

Você já deve ter percebido que o Blog Quemany mudou. Se em 2008, esse espaço virtual havia sido criado para ser praticamente um diário particular online, com textos carregados de opiniões e postagens bastante pessoais, há alguns meses ele assumiu uma nova faceta: a de um veículo jornalístico, que traz ao público reportagens, artigos, crônicas e compilações de frases sobre temas diversos, com a intenção de mostrar o que Pelotas tem de melhor. E isso numa via de mão dupla. O que a gente fala por aqui não é apenas notícia ligada ao cotidiano pelotense. Mas, pretende fazer com que o povo de Pelotas possa enxergar no que acontece no resto do mundo um link com a sua própria realidade, bem como proporcionar que o resto do mundo enxergue e valorize uma Pelotas que tem potencial para ir cada vez mais longe.

Hoje, dia 12 de outubro, inauguramos uma nova seção neste projeto. A cada sábado, se o Senhor permitir, postaremos um bate-papo direto e objetivo sobre assuntos variados. Na estreia, convidamos a pediatra do Hospital Universitário São Francisco de Paula da Universidade Católica de Pelotas (HUSFP/UCPel) Luiza Helena Vinholes Siqueira Novaes para falar sobre esperteza das crianças de hoje. #VemVer #NóisGostaDeFeedback

Taís Brem

Cala-te, boca!

Evoluindo de xingamento a elogio, palavrões estão na boca do povo, mas ainda são mal vistos

Foto: Divulgação
Popularidade não aliviou má fama dos “nomes feios” (Foto: Divulgação)

Se antes era senha para um bom tapa na boca, hoje já não é tão feio assim. Falar palavrão está na moda. E nessa moda, nomes que acumularam má fama ao longo da história já não são utilizados apenas para descarregar a língua em xingamentos. Eles viraram sinônimo de adjetivos comuns, usados no dia a dia. E estão mais populares do que a gente costuma perceber.

Exemplos? Dizer que você foi a uma p*t* festa, significa que sua saída do fim de semana foi, a nada menos, que a um baita evento. Falar que aquele autor que você adora escreve bem pra c*r*lho, é elogiá-lo por sua capacidade ímpar de colocar as palavras no papel. E o tal do “ligue o f*d*-se” não passa de um conselho para levar a vida de forma mais light e desencanada. A maior prova de que isso não é balela, é que grandes são as chances de você ter lido essas expressões em seu sentido completo, como se os asteriscos não existissem.

Mãe de dois filhos – um de 17 e um de 20 –, a funcionária pública Mariza Cruz, 35, diz acreditar que esse “vocabulário pop” tem a ver com a inversão de valores da sociedade moderna. “Tudo o que circula na mídia, se torna ‘moda’”, disse. “As músicas, entre outros meios, estimulam o uso desse tipo de palavras, assim como o uso de drogas e outras coisas mais graves. Espero que meus filhos não se contaminem, mas não é fácil. Às vezes, ouço conversas dos meus primos, por exemplo, que têm entre 14 e 18 anos, e é assustador”.

Bruna Soares (Foto: Arquivo Pessoal)
Bruna costuma policiar o hábito (Foto: Arquivo Pessoal)

Pelo discurso, é possível que Mariza também ficasse incomodada se ouvisse uma conversa da vestibulanda Bruna Soares, 19, com sua turma. Bruna diz achar normal falar palavrão. “Mas, depende com quem, porque tem uns que eu acho meio pesados para se falar e, de vez em quando, dependendo do ambiente ou das pessoas que estão comigo, eu cuido pra não falar”, ponderou. Os pais de Bruna – o publicitário Paulo e a bancária Marta – estão entre as pessoas que ela considera inadequadas para ouvirem seu palavreado liberal, embora não lembre de ter recebido nenhuma correção deles nesse sentido. “Não lembro de me corrigirem, mas, também, não fico me cuidando. É normal não falar para eles”.

O analista e desenvolvedor de sistemas Robson Hellebrandt, 24, assume, numa boa, que fala palavrão em seu dia a dia, entretanto, como Bruna, ele também estipula restrições. “Não uso para ofender ninguém. Geralmente, é para intensificar alguma novidade, um fato que me emociona ou conquista. Muitas vezes, nos meus encontros com amigos, usamos bastante essa linguagem, mas sempre no intuito de intensificar a emoção do momento. Faz parte, infelizmente”, disse. Ao ser questionado sobre o porquê da palavra “infelizmente” para justificar seu hábito, Hellebrandt explicou: “Acho que posso parecer pouco confiável por, às vezes, me valer de palavrões para expressar algo. Considero que seja uma forma um pouco ‘suja’ de se expressar, que não passa credibilidade”.

"O que é ofensa para uns, não é para outros", disse Daniela (Foto: Taís Brem)
“O que é ofensa para uns, não é para outros”, disse Daniela (Foto: Taís Brem)

Embora tenham adquirido uma aparência mais natural ao longo dos anos, os chamados “nomes feios” não conseguiram, ainda, se desfazer completamente de seu lado negativo. Porém, é provável que esse quadro esteja mudando. “O que é uma ofensa para alguns, em certo contexto, para outros, em outro contexto, é algo natural. Isso acontece, porque a palavra não possui um significado fixo; ela toma diferentes significados, por meio do uso que os falantes fazem dela”, explicou a jornalista e mestra em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Católica de Pelotas (PPGL/UCPel), Daniela Agendes, 25. “É uma questão sócio-cultural. Talvez, seja uma forma de os falantes se integrarem e se identificarem a um determinado grupo, através do uso que fazem da língua, como se o uso do palavrão de forma diferenciada fosse um requisito para fazer parte daquele grupo”.

Punição a R$ 1
Quem não admite essa mudança sócio-cultural e não quer entrar na onda, deve se policiar. E policiar, também, aos seus. Na casa do fotógrafo Nauro Júnior e da jornalista Gabriela Mazza, esse policiamento teve de partir para o lado punitivo. E pasmem: quem controla a punição, não é o pai, mas a filha do casal, a pequena Sofia, de oito anos. “A coisa surgiu meio que naturalmente. Eu sempre falei muito palavrão, faz parte de meu vocabulário. Meus pais já me cobravam muito em casa e, quando a Sofia, nasceu a Gabi pediu para eu dar uma maneirada. Quando ela começou a falar, lá pelos dois anos, notamos que, às vezes, ela repetia alguns palavrões”, contou Nauro. A tática de dizer a Sofia que “falar palavrão é feio”, por si só, não funcionou. Afinal, ela argumentava que “se o papai podia falar, ela também podia”. “Foi quando a Gabi disse que, a cada palavrão que o papai falasse, teria que pagar um real pra ela. Ela adorou e, além de não dizer palavrão, fica me controlando o tempo todo. Até nas minhas palestras, quando ela vai junto, fica anotando quantos palavrões eu falo e depois me cobra. Se eu estiver conversando com alguém, não interessa quem for, e falar algum palavrão, ela começa a anotar pra me cobrar. Aí, eu tenho que explicar para a pessoa sobre a brincadeira, então prefiro me cuidar e falar menos”, afirmou o fotógrafo.

Se o objetivo era mesmo melhorar a qualidade do vocabulário na família, pelo jeito, está funcionando. “Além de ser cobrado o tempo todo em público, ainda tenho prejuízos. Geralmente, tenho que negociar com ela, porque falo muito mais palavrões do que posso pagar. Ela tem três cofrinhos cheios e, agora, fomos para a Bahia e ela conseguiu até comprar lembrancinhas com o meu dinheiro”. Na verdade, dinheiro dela, honestamente adquirido com seu dedicado trabalho de fiscalização.


Taís Brem

Meus parentes, meus vizinhos

Famílias que decidem morar juntas desenvolvem tradição que se perpetua por décadas

Parte da família Silveira reunida (Foto: Daniel Avellar)
Parte da família Silveira reunida (Foto: Daniel Avellar)


A irmã da funcionária pública Cristina Lameirão, 48, tinha um lote que media 12 por 30 metros no bairro Obelisco, em Pelotas. Sua família, então, resolveu comprar mais um, ao lado, do mesmo tamanho, e vender a metade para o irmão. Ele, por sua vez, vendeu parte do terreno para outra irmã. E a mãe, Erondina, 73, que morava no Areal, vendeu a casa para ficar mais perto dos filhos. O resultado de todas essas transações é que, atualmente, boa parte dos parentes de Cristina mora praticamente junta. São dez pessoas divididas em quatro casas, uma ao lado da outra.

A colaboração cultivada no ambiente familiar é citada como um dos prós dessa habitação coletiva, já que, embora sejam quatro residências, a família vive como se fosse uma só. “O bom é a segurança e a tranquilidade de saber que sempre tem alguém de confiança por perto, com quem se pode contar”, disse Cristina, que cursa o quinto semestre de Geografia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). E as situações que pedem ajuda dos parentes são as mais diversas: desde dar uma “olhadinha” para que a roupa que ficou estendida não molhe com uma chuva inesperada até emprestar um pouco de erva-mate quando acabou a matéria-prima para fazer o chimarrão doce que ela tanto gosta. E os contras? “Bom, a parte negativa, é que, às vezes, as crianças se ‘estranham’, mas, fora isso, família é tranqulio”, afirmou.

Uma ninhada de “lingoodles”
A residência dos Lameirão é grande. Tão grande que não tem apenas espaço para os seres humanos: os bichos também se beneficiam do local onde sempre cabe mais um. Entre os animais de estimação da família estão, pelo menos, as oito galhinhas e um garnizé que fazem companhia a dona Erondina, a gata Ágata (que, segundo Cristina, está em idade reprodutiva e “trabalha muito”), a tartaruga Zezinho, nove gatos, duas chinchilas, uma cocota e doze cachorros. A esses, Cristina atribuiu até um nome bem peculiar, a fim de identificar a raça que surgiu do cruzamento entre poodles e dachshunds, popularmente conhecidos como linguicinhas. “Chamo eles de ‘lingoodles’”, disse, orgulhosa. Todos os animais da família são amados, mas os lingoodles são especiais. A criação começou quando a filha de Cristina, ainda criança, sugeriu que a mãe recebesse um cãozinho em casa. E ela, que só tinha gatos até então, aceitou. Dali para diante, não parou mais. Um episódio curioso ocorreu na última virada de ano, quando, assustado por causa dos fogos de artifício, o cachorro Larguinho acabou se perdendo pela vizinhança. “Só fui notar que ele tinha sumido no outro dia, na hora da refeição, quando todos se juntaram para comer”, relembrou Cristina. Foi quando começou uma verdadeira saga pelos arredores, em busca do animalzinho. Quando encontrou, não conteve a emoção. “Os vizinhos devem ter achado que eu estava louca, gritando o nome dele, de tanta alegria”, disse. “Mas, não era loucura! Era uma mãe que tinha reencontrado seu filho”.

Condomínio familiar

Nilza e Maurício demonstram satisfação em ter a família por perto (Foto: Arquivo Pessoal)
Nilza e Maurício demonstram satisfação em ter a família por perto (Foto: Arquivo Pessoal)

Quem avista a casa de Maurício, 89, e Nilza Silveira, 87, pelo lado de fora, não imagina quantas peças tem, verdadeiramente, o terreno localizado no bairro Simões Lopes. Nem quantas pessoas ele abriga. Afinal, mesmo que a residência adquirida nos anos 1980 não seja moradia atual de todos os filhos, netos e demais frutos da árvore genealógica do casal – o que inclui sobrinhos, genros, noras –, ao longo de toda a história da casa na posse da família, já passaram por lá nada mais nada menos que 18 pessoas. Hoje, sobram oito: além de Maurício e Nilza, três filhas do casal, dois netos e um genro.

Entrando pelo corredor principal, é possível avistar as janelas que dão para o quarto do casal, para o quarto da filha mais nova, a assistente de lares, Margaret, e para o cômodo de hóspedes, fora a sala de visitas. Logo acima da cozinha, da sala de jantar, do banheiro e da área de serviço, há as três peças que fazem as vezes de casa para a outra filha, a funcionária pública, Luiza. E, mais ao fundo, o lar da filha mais velha, a costureira Maria Carmen, de seu marido, o pedreiro Itamar, e dos dois filhos, o militar Lucas e a fiscal de caixa, Jaqueline. Os “Silveira Garcia” ocupam, portanto, sete peças divididas em dois andares. O terreno ainda acomoda um pátio, onde fica o cachorro da raça cocker Rafú, e o chamado “quartinho”, local em que a família costuma colocar aquilo que já não serve para estar dentro de casa, mas, também, não está totalmente preparado para ir pro lixo.

Jaqueline (D), com a mãe e o cunhado, na frente de casa (Foto: Arquivo Pessoal)
Jaqueline (D), com a mãe e o cunhado, na frente de casa (Foto: Arquivo Pessoal)

A opinião dos patriarcas da família é semelhante à de dona Erondina: para eles, estar com os filhos, netos e demais parentes por perto é um privilégio. Para eles… “O ponto negativo é que, morando juntas, as pessoas acabam se metendo umas na vida das outras. Mas, o positivo é que, para qualquer imprevisto que aconteça, há um suporte. Família é insubstituível”, comentou Jaqueline, ao acrescentar que pretende, assim que possível, ter a sua casa própria. “Se eu tiver essa opção, prefiro ter a minha independência”.

Pode ser que não seja tão privativo o espaço de Jaqueline na casa de seus avós. Mas, dentre os prós e contras das famílias que moram juntas num só pátio está o fato da responsabilidade social na construção civil. Afinal, em vez de consumir mais matéria-prima e construir diversas casas, muitos brasileiros optam por esticar um pouco aqui, outro pouco acolá e aproveitar cada centímetro quadrado de seus terrenos, reduzindo o impacto ambiental. É quase a mesma lógica da diminuição de carros nas ruas para conter a poluição. É fato que a maioria gostaria de ter seu automóvel próprio. Entretanto, se as pessoas passarem a utilizar outros meios de transporte – como a bicicleta, por exemplo – ou andarem mais de carona, a quantidade de veículos nas ruas cai e o meio ambiente agradece. No caso das residências, se os chamados “puxadinhos” não forem irregulares, de acordo com os padrões ditados pela Engenharia, quem ganha é a sustentabilidade e, por conseguinte, toda a população.

Recentemente, inclusive, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) passou a disponibilizar em seu site a cartilha Construções e Reformas Particulares Sustentáveis, onde podem ser encontradas dicas para que qualquer cidadão possa aplicar em sua obra materiais, serviços e processos construtivos alinhados com a ótica das soluções sustentáveis, também conhecidas como “eficientes” ou “inteligentes”. Ao contrário do que muita gente pensa, essa não é uma realidade distante e pode, muito bem, ser aplicada em moradias populares.

Para qualificar profissionais
Em Salvador, Bahia, considerada a “capital nacional dos puxadinhos”, a Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (Sucom) chegou a sugerir que instituições de Ensino Superior que possuem cursos de Engenharia pudessem dar assistência técnica aos cidadãos menos favorecidos, uma vez que a intervenção do engenheiro é fundamental para que o projeto – ou a expansão dele – seja bem-sucedido.

Por aqui, na semana que passou, a Universidade Católica de Pelotas (UCPel) lançou novas graduações, que já estarão disponíveis aos estudantes no próximo Vestibular de Verão. Uma delas atende pelo nome de Engenharia Ambiental. O novo curso terá como foco formar um profissional apto na resolução de problemas pontuais envolvendo obras e na correção de impactos ambientais, com habilidades e competências características de um projetista. O engenheiro ambiental formado pela UCPel também terá a capacidade de dar orientação ecológica na elaboração e execução de projetos de engenharia. Com certeza, as atribuições desse profissional não se resumirão à fiscalização de obras como as citadas nessa reportagem. Mas, certamente, os simpatizantes dos puxadinhos terão um apoio a mais para cultivar a tradição da melhor forma.

Taís Brem

Companheira do passado, do presente e do futuro

Paulo Guterres_Divulgação

O dia é dedicado aos ciclistas, mas a estrela mesmo é a bicicleta, ontem, hoje e sempre

A professora de 32 anos. O engenheiro civil, de 54. A funcionária pública, de 58. O estudante, que completará 13, no fim do ano. A administradora e a futura fisioterapeuta, que estão com 30 anos de idade. O pedreiro, que, embora bem conservado, já tem 61. E o ex-motorista marítimo, de 89. Os perfis podem ser diferentes, mas, todos eles se conectam quando o assunto é ciclismo. Os praticantes de uma das atividades que melhor equilibra esporte e lazer tem seu dia próprio no calendário nacional hoje, 19 de agosto. E, em se tratando de bicicleta, difícil encontrar quem, de alguma forma, não tenha se apaixonado por ela em alguma fase da vida.

Descobrir o motivo não é nem um pouco complicado. É só analisar uma parcela da população pelotense, por exemplo, de qualquer que seja o nível social. Não raro, se descobrirá que muitos no contexto se encaixam entre aqueles que tiveram o veículo como objeto de desejo na infância; que reconhecem, no presente, sua importância por fazer tão bem para a saúde das pessoas e do planeta; e que já percebem que a bicicleta tem tudo para ganhar o título de meio de transporte do futuro.

Muito ainda há que se fazer para melhorar a vida de quem transita de bicicleta em Pelotas, mesmo com os 27 quilômetros de estruturas cicloviárias que a cidade possui, ao todo. Que o diga o pedreiro Itamar Garcia, 61, que utiliza o veículo como principal meio de locomoção há mais de duas décadas. “Falta sinalizar melhor os trechos e aperfeiçoar as ciclofaixas para evitar acidentes”, disse, ao citar como exemplo a avenida Domingos de Almeida. “Tem algumas tampas de bueiro cruzadas no meio do caminho que podem fazer com que a roda encaixe naquelas grades e acabe gerando um tombo. Mas, está melhorando. Fora isso, é tranquilo. Eu, que dependo da bicicleta para trabalhar, acho ela muito útil. E, como gosto de esportes, andar de bicicleta é um exercício a mais. Faz muito bem para minha saúde”, afirmou.

Gláucia, em recente visita a Amsterdam, na Holanda, onde o ciclismo é uma febre (Foto: Arquivo Pessoal)
Gláucia, em recente visita a Amsterdã, Holanda, onde o ciclismo é uma febre (Foto: Arquivo Pessoal)

A administradora Gláucia Sales, 30, costuma andar de bicicleta com mais frequência no verão, quando faz passeios na Praia do Laranjal. Ela diz considerar muito positivo o movimento de incentivo que tem ocorrido nos últimos tempos em prol do ciclismo. “Faz bem à saúde, é um meio de transporte que não polui e, se as bicicletas forem mais utilizadas, tem a vantagem da diminuição da quantidade de carros nas ruas”, disse. “Porém, para que as pessoas possam fazer uso da bicicleta como meio de transporte ou lazer, deve haver políticas públicas de incentivo e de viabilidade nas cidades”, destacou.


Nostalgia sobre duas rodas
O ciclismo foi a forma adotada pela funcionária pública Luiza Soares, 58, tanto para diminuir o tempo gasto com a espera do ônibus para chegar ao serviço quanto para economizar financeiramente. “O dinheiro que eu usava para pagar a passagem, resolvi juntar para cobrir as prestações de uma bicicleta no crediário”, disse. “Isso faz mais de dez anos e, até hoje, continuo pedalando”.

Aliás, desde que se entende por gente, Luiza observava o pai, o aposentado Maurício Silveira, 89, também utilizando a bicicleta como veículo de trabalho e de passeio. Até agora, esse foi o único meio de transporte próprio que o chefe de família teve, inclusive para carregar no bagageiro os filhos, os sobrinhos e, até os netos. “Lembro até hoje do vô me levando para o colégio de bicicleta”, recordou o militar Lucas Garcia, 18. O corredor da casa da família foi, por muitos anos, utilizado como estacionamento de vários exemplares do veículo. “Praticamente todos nós tínhamos. E a família não é pequena”, comentou Luiza. “Hoje, alguns já se desfizeram das suas, mas ainda usamos bastante. Sempre tem uma bicicleta à disposição para quem precisar”.

Boas lembranças associadas às pedaladas também fazem parte da vida da professora Ana Paula Vallim, 32. Durante uma visita ao médico, quando tinha por volta de oito anos, foi questionada sobre o porquê de ser tão magra. A mãe entregou: “É que ela anda muito de bicicleta, doutor”. Menos mal. Não havia nada de grave no fato da menina estar tomando gosto pelo hábito saudável que nutriria ainda por muitos anos à frente. Na época, Ana Paula morava “pra fora”, na zona rural de Pelotas. Lá, os “cacarecos” que a família adquiria de segunda mão, serviam de transporte para todo tipo de necessidade, inclusive para ir para o colégio. “Eram cinco quilômetros até chegar à escola. Chegou o tempo em que minha mãe começou a achar que eu não tinha estrutura para suportar todo o trajeto, com sol forte no verão, em pleno meio-dia”, recordou.

Depois de algum tempo morando na cidade, com 23 anos, Ana Paula conseguiu adquirir sua primeira bicicleta direto da loja. O motivo principal também era suprir a necessidade de locomoção. Porém, a compra teve um prazer a mais: curar a frustração de nunca antes ter tido uma bicicleta para verdadeiramente chamar de sua, novinha em folha. Cada vez que usava o veículo, fazia uma verdadeira viagem ao passado, com direito a simular que dirigia um carro de verdade enquanto passava pelo meio dos automóveis, ”fingindo que ligava o pisca”, “fazendo som de buzina com a boca” e “girando o guidom, como se fosse um volante”. Há quatro anos, a professora não precisa mais fazer de conta que é motorista, porque já tem licença para dirigir e carro para aplicar suas habilidades de verdade. Mesmo assim, sente falta da companhia da bicicleta. “Pretendo ainda tornar o ciclismo uma rotina semanal. Gosto de sentir a brisa no rosto, enquanto pedalo”, comentou. E a vontade de fazer da meta uma realidade se fortalece ainda mais quando é convidada pela irmã para fazer passeios e trilhas sobre duas rodas. “Isso mexe bastante comigo. Voltar a andar de bicicleta é uma possibilidade que eu não descarto”.

Da mesma forma, embora com pouca idade, o estudante Rafael Santiago, 12, guarda na memória seus bons momentos na companhia da bicicleta. Há uns dois anos, era pedalando que ele, os irmãos e a mãe iam para a igreja que frequentam, três vezes por semana. “Aí, um dia, a mãe decidiu ir de ônibus e a gente nunca mais foi de ‘bici’”, contou, ao mencionar o apelido em diminutivo, demonstrando que tem tanto carinho quanto saudade dos passeios. Hoje, ele anda mais de skate. Mas, quando questionado sobre qual dos dois gosta mais, não consegue eleger um preferido. “Entre ônibus e bici, acho a bici muito melhor. Mas, entre skate e bici, não tem melhor. Gosto do mesmo jeito dos dois”.

Para o corpo e a mente

Pedalar faz bem para a saúde física e mental (Foto: Wilson Lima)
Pedalar faz bem para a saúde física e mental (Foto: Wilson Lima)

A acadêmica do quarto semestre do curso de Fisioterapia da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) Inês Padilha, 30, sabe que, além de ótima atividade física – por melhorar o condicionamento e a respiração, por exemplo –, andar de bicicleta contribuiu com a saúde da mente. “Ajuda a espairecer e colocar as ideias em ordem”, disse. O engenheiro civil Paulo Guterres concorda: “A vida dentro dessa visão é contagiante e muito boa. Muitos abandonam as noitadas, o álcool e o fumo. Isso é maravilhoso, pois encontramos nos amigos, na vida simples e na natureza o Deus que muitos esqueceram”.

Diretor do Centro Politécnico da UCPel, foi Guterres quem teve a ideia de realizar, em parceria com o grupo Pedal Curticeira, a pedalada em homenagem ao Dia do Trabalhador, feita pela instituição no último dia 1º de maio. A comunidade acadêmica aprovou. “Quero contagiar mais e mais pessoas para juntar o útil ao agradável, pois, além de pedalar, temos um grupo de amigos e de gente que busca vida saudável e respeito à natureza e ao ser humano. Vamos pedalando, jogando conversa fora e encontrando gente de verdade”, disse. “Hoje eu conheço muita gente do interior, simples, sem instrução, mas que tem coração, verdade nas palavras e no olhar”.

UCPel promoveu passeio ciclístico em homenagem aos funcionários (Foto: Wilson Lima)
UCPel promoveu passeio ciclístico em homenagem aos funcionários (Foto: Wilson Lima)

Os novos amigos a que Guterres se refere são os integrantes do grupo Pedal Curticeira, que ele frequenta desde 2011. A partir dos 16 anos, amantes do ciclismo se reúnem regularmente às terças-feiras, quintas e sábados. Às vezes, também, há passeios aos domingos, como nesse último (18), em que o engenheiro pedalou 110 quilômetros, indo até o município de Cerrito e voltando pelo interior do Capão do Leão.

Guterres participa do Pedal Curticeira há dois anos (Foto: Divulgação)
Guterres participa do Pedal Curticeira há dois anos (Foto: Divulgação)

Origem da data
O Dia Nacional do Ciclista é comemorado anualmente em 19 de agosto desde 2008, após proposta do então senador capixaba Gerson Camata e aprovação da Comissão de Educação, Cultura e Esporte. A data foi escolhida para homenagear o ciclista e biólogo Pedro Davison, que morreu atropelado em 19 de agosto de 2006, em Brasília. O motorista que o atropelou dirigia em velocidade excessiva e estava embriagado.

Taís Brem

Muito além da “Biritis”

Em 2014, completam-se 20 anos da morte de Mussum. Mas, ao que parece, o legítimo representante do humor negro continua mais vivo do que nunca

mussumO próximo dia 19 de agosto será marcado pelo lançamento da cerveja artesanal “Biritis”, produzida em homenagem ao humorista Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum. Um dos idealizadores e sócios da cervejaria Brassaria Ampolis, seu filho Sandro Gomes, acertou ao dizer que “com um garoto-propaganda desses, o sucesso da marca está garantido”, ainda mais nos dias atuais. Também pudera. Muito antes de a bebida sonhar em existir, várias homenagens póstumas já vinham surgindo na mídia, cativando, até mesmo, os que nem eram nascidos quando o país perdeu um de seus artistas mais engraçados.

Bastou uma enquete informal com a pergunta “Qual dos Trapalhões era o seu favorito?” para comprovar o que já estava implícito. Manfried Sant’anna sequer foi citado. O terceiro lugar ficou para o líder do grupo, Renato Aragão, com apenas um voto. Também já falecido, Mauro Faccio Gonçalves pontuou bem, graças a sua boa impressão junto aos fãs, aparecendo como segunda opção. Mas, é mesmo de Antônio Carlos o mérito do primeiro lugar. Traduzindo, não é exagero dizer que Dedé, Didi e Zacarias devem boa parte da popularidade do quarteto mais famoso da televisão brasileira ao personagem Mussum, mesmo às vésperas dos vinte anos de sua morte.

O contabilista Lázaro Ferreira simpatizava com o humorista pela identificação com a raça negra, o samba e o modo “diferente” de falar – o consagrado vocabulário com a terminologia “is”, que acabou gerando bordões como o “cacildis” e o “forévis”. “Considero que ele seria um comediante melhor que o próprio Renato Aragão, nos dias de hoje. E acho que, além de estar conhecendo o trabalho que ele fazia, a nova geração, que não o viu, somente ouviu falar, está gostando, aprovando e se identificando”, destacou.

O universitário Anderson Rodrigues, que tinha apenas sete anos à época da morte de Mussum, concorda: “Ele é ‘o cara’. Penso que é importante manter viva a memória desse humorista e é uma excelente oportunidade para as novas gerações conhecerem”, disse, sobre a faixa etária na qual ele mesmo se inclui.

Na infância do músico e fotojornalista Solano Ferreira, 37, a influência do seriado foi tão intensa que, até hoje, sempre que presencia uma cena desastrada, ele faz questão de puxar a trilha sonora que marcou a abertura do programa. “Meus domingos eram divididos entre antes e depois dos Trapalhões. Inclusive, chorei quando os dois integrantes [Zacarias, em 1990, e Mussum, em 1994] morreram, porque os quatro para mim é que faziam a diferença. Juntos, eles eram insuperáveis. É que nem separar o Gordo do Magro ou um dos Três Patetas, que eu também sou super fã!”, comentou.

Weilla considera o humor do passado mais inocente
Weilla considera o humor do passado mais inocente

Para a atriz Weilla Martha, 28, Mussum e Zacarias eram os prediletos. Porém, os jargões e as frases de expressão próprios de Antônio Carlos cativavam mais sua atenção. Motivo pelo qual ela diz considerar o artista tão querido até hoje. “Acho que muitas das brincadeiras daquele tempo eram feitas com mais inocência em relação a hoje em dia. Então, nós, ‘os mais velhos’, temos boas lembranças daquele tempo engraçado”, disse ela, que também trabalha com humor na maioria das personagens que interpreta nos espetáculos da Cia de Artes Nissi.


Caiu na rede

Paródia do presidente americano foi divulgada na rede
Paródia do presidente americano foi divulgada na rede

Além de fazer carreira na televisão e no cinema como humorista, o carioca Mussum era integrante do grupo Originais do Samba e fazia questão de ressaltar seu amor à escola carnavalesca Estação Primeira de Mangueira. Quando morreu, em julho de 1994, por complicações no coração, o acesso à Internet ainda não era nada comum. Ainda assim, hoje até ele tem seu espaço garantido por lá. Uma das iniciativas da rede que mais deu certo, brindando fãs e arrebanhando novos admiradores, foi a divulgação de uma série de montagens que mesclavam o rosto do humorista com o de diversos famosos ou em cenários característicos. A boa ideia gerou figuras engraçadas, como o “Obamis”, o “Anderson Silvis”, o “Harry Potis” e a “Ana Maria Braguis”. Um excelente viral, como são chamadas as febres que estouram no ambiente virtual. “Eu acredito que é uma tendência bem forte essa retomada de alguns ícones. As páginas do Facebook que utilizam bastante esse método são super ‘pops’ e deslancham com muita facilidade. Com esse sucesso constatado, a publicidade se apropriou e fez o mesmo com o Mussum, usando a comédia”, opinou a jornalista, pesquisadora de redes sociais e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Católica de Pelotas (PPGL/UCPel) Taiane Volcan. “Foi a velha regra da apropriação e, claro, um pouco de sorte”.

E bota sorte nisso. Na mesma época do famoso viral da Internet, em 2012, a agência de publicidade pelotense Santa Anna elaborou uma campanha de Natal para a loja Otros Aires. “A ideia era associar o Mussum, personagem-ícone dos anos 1980 e querido pelo público-alvo da marca, à data, que remete a tantas lembranças da infância. Usamos ele com touca de Papai Noel, em máscaras na vitrine e todas as peças possuíam a chamada ‘Feliz Natalis’”, relembrou, orgulhosa, a publicitária da agência, Cadija Souza. “Os consumidores gostaram tanto da ideia que muitos tiravam foto da vitrine e pediam para posar com a máscara”.

A também publicitária e sócia da Tr3s Comunicação Total, Fernanda Morales, não é muito adepta à tendência de utilizar em campanhas celebridades que já morreram, embora confesse ser fã dos Trapalhões. “Elvis Presley, mesmo, é um dos mais usados. Eu, pessoalmente, não gosto dessa estratégia, mas respeito quem usa. Realmente, o Mussum foi um ‘bum’”, opinou.

“Nada mudou”
Esse movimento todo soa, praticamente, como uma tentativa de ressurreição do ídolo nas diversas mídias. A imagem de Mussum está estampada em roupas, seu linguajar próprio na boca de todo o Brasil e sua figura cai como luva na divulgação de qualquer projeto que queira ser bem-sucedido. Talvez, como nunca antes na história desse país. Até porque, quando surgiu nas telinhas e telonas interpretando seu personagem mais famoso, Antônio Carlos enfrentou um racismo bem mais forte que o que existe atualmente. Porém, para a bancária Eva Maria Soares, graduada no curso de Licenciatura em Educação Artística, com habilitação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a valorização do personagem em nossos dias não remete a evolução racial. Negra e pelotense radicada em Porto Alegre há quase trinta anos, ela acompanhou o sucesso do quarteto de perto, toda vez que levava a afilhada aos shows no Gigantinho ou às estréias dos filmes nos cinemas. Era diversão garantida em família. Mas, as risadas não embaçavam seu olhar crítico. “Os Trapalhões eram extremamente preconceituosos com feios, negros, gordos e pobres. Acho lamentável que os três que acompanhavam o Didi compactuassem com isso (o Mussum negro, o Dedé gordo e o Zacarias feio)”, disse. “De uns tempos para cá, tivemos muitas celebridades negras aparecendo – e reaparecendo –, mas, é só para calar a nossa boca. Nada mudou. Os negros aparecem só um pouco. Não muito. O suficiente para a gente ‘achar’ que não tem preconceito e que a sociedade está nos aceitando. Na verdade, só está nos ‘engolindo’, porque sabe que qualquer deslize pode arder em seu bolso”.

In Memorian
Saúdis
biritisDo tipo Vienna Lager (caracterizado pela baixa fermentação, malte importado, cor alaranjada e aroma a lúpulo), a cerveja artesanal Biritis será comercializada no Rio e em São Paulo em embalagens de 600ml. Haverá ponto de venda até na quadra da escola de samba do coração do homenageado.

Cacildz
uiNão é a primeira vez que Mussum é lembrado em forma de canção. Um exemplo é “Cacildz” (assim mesmo, com “z”), que está no volume dois do CD Único Incomparável, do cantor de hip hop Pregador Luo. O ritmo é dançante, mas a letra não dispensa um toque de crítica social: “Cacildz, cacildz, a parada tá sinistris/ Tão tomando muito mé, exagerando na biritis/O povão tá estressado/ Quando você já não serve, metem o pé no seu forévis”.

Fusquis
fusquisMussum também é estrela na montagem feita pela Volkswagen, no início desse ano, para apresentar ao público o Novo Fusca. A campanha publicitária reconstituiu o cenário do Viaduto do Chá, em São Paulo, como na década de 1970.

Feliz Natalis
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A frase virou slogan da campanha publicitária encomendada pela loja pelotense Otros Aires à agência Santa Anna, no Natal de 2012. Os clientes aprovaram.

Taís Brem

*Reportagem publicada, também, no Diário Popular, em 11/08/13.