Arquivo da tag: tradição

Lembrancinha para todos

Tradicional brincadeira do “amigo secreto” é forma de democratizar presentes

(Foto: Divulgação).
Origem do clássico jogo é desconhecida (Foto: Divulgação).

Tem quem diga que tudo começou como uma forma de homenagem dos povos nórdicos aos deuses pagãos. Há quem defenda que foi na época da Grande Depressão, em 1929, que o hábito se popularizou, em função do aperto nas finanças. O certo é que hoje, pelo menos no Brasil, a brincadeira do amigo secreto – ou oculto – é tradição em grupos de amigos, colegas de trabalho e escola e até nas grandes famílias. Um jeito criativo de ninguém ficar sem presente não apenas no Natal, mas em diversas ocasiões ao longo do ano, como a Páscoa ou reuniões aleatórias.

Para a enfermeira Andressa Calheiros, 22, por exemplo, a brincadeira é interessante pelo aspecto do entrosamento. “Os prós são os momentos de risadas e maior interação entre os participantes, além da descontração”. Quanto aos contras… “Sabe aquelas pessoas que sempre dão presentes bons e ganham presentes muito inferiores ao que deram? Pronto, sou uma dessas!”, comentou, às gargalhadas. “E quando ganho! Já aconteceram, umas duas ou três vezes, de eu dar o presente e não receber, ou por a pessoa estar ausente ou por esquecer de levá-lo… Péssimo!”.

A jornalista Josiele Godinho, 29, participa sempre dos amigos secretos que ocorrem em seu local de trabalho. “É uma maneira de unir mais a equipe e de confraternizar”, opinou. Mas, o ambiente não é exclusivo: em família – que soma mais de 20 membros – a comunicadora também entra na brincadeira. “Na verdade, é uma tradição, uma forma de se divertir em família e entre amigos”, disse ela, que já tem até suas táticas para agradar ao presenteado. “Na família, já conheço bem os gostos de cada um. No trabalho, procuro conhecer mais a pessoa. Entre uma conversa e outra, entre um almoço e outro, a gente vai ‘pescando’ algumas coisas”, confessou.

Variações

"Inimigo secreto" também virou moda (Foto: Divulgação)
“Inimigo secreto” também virou moda (Foto: Divulgação)

O básico é o clássico pacotinho com vários papeis dobrados, cada um contendo o nome de um participante. O nome que se tira corresponde à pessoa que irá ganhar um presente seu no tão esperado dia da revelação, que deve ser feita com dicas para que os outros tentem acertar quem é o felizardo da vez. Entretanto, embora tradicional, a brincadeira do amigo secreto não fica só nisso. Atualmente, há sites que organizam o troca-troca e, também, versões mais divertidas do jogo, como o chamado “inimigo secreto” ou “amigo da onça”, quando cada um escolhe dar um presente inútil ou contrário ao gosto do presenteado.

Taís Brem
*Curta nossa página no Facebook e siga-nos no Twitter #NóisGostaDeFeedback 😉

Meus parentes, meus vizinhos

Famílias que decidem morar juntas desenvolvem tradição que se perpetua por décadas

Parte da família Silveira reunida (Foto: Daniel Avellar)
Parte da família Silveira reunida (Foto: Daniel Avellar)


A irmã da funcionária pública Cristina Lameirão, 48, tinha um lote que media 12 por 30 metros no bairro Obelisco, em Pelotas. Sua família, então, resolveu comprar mais um, ao lado, do mesmo tamanho, e vender a metade para o irmão. Ele, por sua vez, vendeu parte do terreno para outra irmã. E a mãe, Erondina, 73, que morava no Areal, vendeu a casa para ficar mais perto dos filhos. O resultado de todas essas transações é que, atualmente, boa parte dos parentes de Cristina mora praticamente junta. São dez pessoas divididas em quatro casas, uma ao lado da outra.

A colaboração cultivada no ambiente familiar é citada como um dos prós dessa habitação coletiva, já que, embora sejam quatro residências, a família vive como se fosse uma só. “O bom é a segurança e a tranquilidade de saber que sempre tem alguém de confiança por perto, com quem se pode contar”, disse Cristina, que cursa o quinto semestre de Geografia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). E as situações que pedem ajuda dos parentes são as mais diversas: desde dar uma “olhadinha” para que a roupa que ficou estendida não molhe com uma chuva inesperada até emprestar um pouco de erva-mate quando acabou a matéria-prima para fazer o chimarrão doce que ela tanto gosta. E os contras? “Bom, a parte negativa, é que, às vezes, as crianças se ‘estranham’, mas, fora isso, família é tranqulio”, afirmou.

Uma ninhada de “lingoodles”
A residência dos Lameirão é grande. Tão grande que não tem apenas espaço para os seres humanos: os bichos também se beneficiam do local onde sempre cabe mais um. Entre os animais de estimação da família estão, pelo menos, as oito galhinhas e um garnizé que fazem companhia a dona Erondina, a gata Ágata (que, segundo Cristina, está em idade reprodutiva e “trabalha muito”), a tartaruga Zezinho, nove gatos, duas chinchilas, uma cocota e doze cachorros. A esses, Cristina atribuiu até um nome bem peculiar, a fim de identificar a raça que surgiu do cruzamento entre poodles e dachshunds, popularmente conhecidos como linguicinhas. “Chamo eles de ‘lingoodles’”, disse, orgulhosa. Todos os animais da família são amados, mas os lingoodles são especiais. A criação começou quando a filha de Cristina, ainda criança, sugeriu que a mãe recebesse um cãozinho em casa. E ela, que só tinha gatos até então, aceitou. Dali para diante, não parou mais. Um episódio curioso ocorreu na última virada de ano, quando, assustado por causa dos fogos de artifício, o cachorro Larguinho acabou se perdendo pela vizinhança. “Só fui notar que ele tinha sumido no outro dia, na hora da refeição, quando todos se juntaram para comer”, relembrou Cristina. Foi quando começou uma verdadeira saga pelos arredores, em busca do animalzinho. Quando encontrou, não conteve a emoção. “Os vizinhos devem ter achado que eu estava louca, gritando o nome dele, de tanta alegria”, disse. “Mas, não era loucura! Era uma mãe que tinha reencontrado seu filho”.

Condomínio familiar

Nilza e Maurício demonstram satisfação em ter a família por perto (Foto: Arquivo Pessoal)
Nilza e Maurício demonstram satisfação em ter a família por perto (Foto: Arquivo Pessoal)

Quem avista a casa de Maurício, 89, e Nilza Silveira, 87, pelo lado de fora, não imagina quantas peças tem, verdadeiramente, o terreno localizado no bairro Simões Lopes. Nem quantas pessoas ele abriga. Afinal, mesmo que a residência adquirida nos anos 1980 não seja moradia atual de todos os filhos, netos e demais frutos da árvore genealógica do casal – o que inclui sobrinhos, genros, noras –, ao longo de toda a história da casa na posse da família, já passaram por lá nada mais nada menos que 18 pessoas. Hoje, sobram oito: além de Maurício e Nilza, três filhas do casal, dois netos e um genro.

Entrando pelo corredor principal, é possível avistar as janelas que dão para o quarto do casal, para o quarto da filha mais nova, a assistente de lares, Margaret, e para o cômodo de hóspedes, fora a sala de visitas. Logo acima da cozinha, da sala de jantar, do banheiro e da área de serviço, há as três peças que fazem as vezes de casa para a outra filha, a funcionária pública, Luiza. E, mais ao fundo, o lar da filha mais velha, a costureira Maria Carmen, de seu marido, o pedreiro Itamar, e dos dois filhos, o militar Lucas e a fiscal de caixa, Jaqueline. Os “Silveira Garcia” ocupam, portanto, sete peças divididas em dois andares. O terreno ainda acomoda um pátio, onde fica o cachorro da raça cocker Rafú, e o chamado “quartinho”, local em que a família costuma colocar aquilo que já não serve para estar dentro de casa, mas, também, não está totalmente preparado para ir pro lixo.

Jaqueline (D), com a mãe e o cunhado, na frente de casa (Foto: Arquivo Pessoal)
Jaqueline (D), com a mãe e o cunhado, na frente de casa (Foto: Arquivo Pessoal)

A opinião dos patriarcas da família é semelhante à de dona Erondina: para eles, estar com os filhos, netos e demais parentes por perto é um privilégio. Para eles… “O ponto negativo é que, morando juntas, as pessoas acabam se metendo umas na vida das outras. Mas, o positivo é que, para qualquer imprevisto que aconteça, há um suporte. Família é insubstituível”, comentou Jaqueline, ao acrescentar que pretende, assim que possível, ter a sua casa própria. “Se eu tiver essa opção, prefiro ter a minha independência”.

Pode ser que não seja tão privativo o espaço de Jaqueline na casa de seus avós. Mas, dentre os prós e contras das famílias que moram juntas num só pátio está o fato da responsabilidade social na construção civil. Afinal, em vez de consumir mais matéria-prima e construir diversas casas, muitos brasileiros optam por esticar um pouco aqui, outro pouco acolá e aproveitar cada centímetro quadrado de seus terrenos, reduzindo o impacto ambiental. É quase a mesma lógica da diminuição de carros nas ruas para conter a poluição. É fato que a maioria gostaria de ter seu automóvel próprio. Entretanto, se as pessoas passarem a utilizar outros meios de transporte – como a bicicleta, por exemplo – ou andarem mais de carona, a quantidade de veículos nas ruas cai e o meio ambiente agradece. No caso das residências, se os chamados “puxadinhos” não forem irregulares, de acordo com os padrões ditados pela Engenharia, quem ganha é a sustentabilidade e, por conseguinte, toda a população.

Recentemente, inclusive, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) passou a disponibilizar em seu site a cartilha Construções e Reformas Particulares Sustentáveis, onde podem ser encontradas dicas para que qualquer cidadão possa aplicar em sua obra materiais, serviços e processos construtivos alinhados com a ótica das soluções sustentáveis, também conhecidas como “eficientes” ou “inteligentes”. Ao contrário do que muita gente pensa, essa não é uma realidade distante e pode, muito bem, ser aplicada em moradias populares.

Para qualificar profissionais
Em Salvador, Bahia, considerada a “capital nacional dos puxadinhos”, a Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (Sucom) chegou a sugerir que instituições de Ensino Superior que possuem cursos de Engenharia pudessem dar assistência técnica aos cidadãos menos favorecidos, uma vez que a intervenção do engenheiro é fundamental para que o projeto – ou a expansão dele – seja bem-sucedido.

Por aqui, na semana que passou, a Universidade Católica de Pelotas (UCPel) lançou novas graduações, que já estarão disponíveis aos estudantes no próximo Vestibular de Verão. Uma delas atende pelo nome de Engenharia Ambiental. O novo curso terá como foco formar um profissional apto na resolução de problemas pontuais envolvendo obras e na correção de impactos ambientais, com habilidades e competências características de um projetista. O engenheiro ambiental formado pela UCPel também terá a capacidade de dar orientação ecológica na elaboração e execução de projetos de engenharia. Com certeza, as atribuições desse profissional não se resumirão à fiscalização de obras como as citadas nessa reportagem. Mas, certamente, os simpatizantes dos puxadinhos terão um apoio a mais para cultivar a tradição da melhor forma.

Taís Brem

Pelotismos e pelotices

Quem é pelotense nato, como eu, ou mora aqui há certo tempo deve estar se divertindo bastante ao acompanhar a campanha publicitária de um empreendimento que está em vias de inauguração na cidade. Feita no Facebook, a série de propagandas mostra o jeito peculiar que Pelotas tem de se comunicar. Claro que muito do que está ali pode ser confundido com o que é dito no resto do Rio Grande do Sul (como o “cacetinho”, o “guisado” e o “negrinho”). Mas, temos, sim, expressões que bem podiam ser apelidadas de “pelotismos” ou “pelotices”, que o digam o “partiu o Guabiroba”, o “te desse”, o “merece” e o “bem capaz”.

Além de provocar boas recordações, a iniciativa traz um sem número de expressões semelhantes à memória. Me peguei com bloco e caneta na mão dia desses anotando o que poderia caber exatamente na ideia daquelas propagandas. A torneira que chamamos de “pena”, o armazém que apelidamos de “venda”, o glacê que denominamos “merengue”, o rabo-de-cavalo que, pra nós, é “colinha”.

Há uns dez anos, uma amiga carioca, recém-chegada na cidade, se surpreendeu ao ouvir o elogio de uma pelotense à sua filha que tinha cerca de dois aninhos: “Que nojo!”, disse a mulher. A expressão dela, no entanto, não era de asco, mas de quem acabava de achar a guriazinha fofa demais, lindinha, quase uma bonequinha. Minha amiga deduziu, portanto que, para os pelotenses, “que nojo” também pode ser sinônimo de “que amor”, “que graça” ou coisa que valha.

Sim, ela estava chegando à terra em que ponto de ônibus é “paragem”, geada é “cerração” e inseticida é “flit” ou “xispa”. O que o resto do Brasil chama de manta, para nós é “coberta” ou, até, “sono leve”. E a nossa “manta”, para eles é cachecol.

Pelotas tem dessas coisas. Lembro do tempo em que 07 de setembro era data mais que certa no calendário para reunir as famílias para assistir à Parada da Juventude na Avenida. A atração mais esperada? “A Banda da Escola”. Ninguém precisava perguntar a que avenida, a que banda ou a que escola nos referíamos. Estava subentendido: a “avenida” era a Bento Gonçalves e a “banda”, a marcial da “escola”, a Escola Técnica Federal de Pelotas – que já foi CEFET e hoje atende pelo nome de IF-Sul. Conheço, inclusive, quem, ao completar a maioridade, se surpreendeu ao saber que Pelotas tinha, sim, outras avenidas e que a Bento não era exclusiva.

Só quem é daqui entende o que queremos dizer quando falamos de “Curva da Morte”, “Bairro Cidade”, “Guabi”, “Bonja”, “Donja” ou “Avenida Interbairros”. E aquela rua que lá na capital, Porto Alegre, chamam de “Marechal”, pra nós é apenas “Deodoro”. Deve ser porque nos sentimos mais íntimos.

Taís Brem

Texto publicado também no site Reportchê.

Então, é Natal?

 

Ok, ok. O que vou falar hoje não deve ser mais uma grande novidade, mas, adivinhem: o Natal que quase todo mundo comemora em 25 de dezembro não tem nada a ver com o nascimento de Jesus Cristo. E não pensem que esta é só mais uma teoria de crente. Tá na edição “natalina” da revista Superinteressante a origem verdadeira – e pagã – do Natal. Quer saber mais? Siga lendo e testifique.

 

 

A verdadeira história do Natal

A humanidade comemora essa data desde bem antes do nascimento de Jesus.

Conheça o bolo de tradições que deram origem à Noite Feliz

 

Roma, século 2, dia 25 de dezembro. A população está em festa, em homenagem ao nascimento daquele que veio para trazer benevolência, sabedoria e solidariedade aos homens. Cultos religiosos celebram o ícone, nessa que é a data mais sagrada do ano. Enquanto isso, as famílias apreciam os presentes trocados dias antes e se recuperam de uma longa comilança.

 

Mas não. Essa comemoração não é o Natal. Trata-se de uma homenagem à data de “nascimento” do deus persa Mitra, que representa a luz e, ao longo do século 2, tornou-se uma das divindades mais respeitadas entre os romanos. Qualquer semelhança com o feriado cristão, no entanto, não é mera coincidência.

 

A história do Natal começa, na verdade, pelo menos 7 mil anos antes do nascimento de Jesus. É tão antiga quanto a civilização e tem um motivo bem prático: celebrar o solstício de inverno, a noite mais longa do ano no hemisfério norte, que acontece no final de dezembro. Dessa madrugada em diante, o sol fica cada vez mais tempo no céu, até o auge do verão. É o ponto de virada das trevas para luz: o “renascimento” do Sol. Num tempo em que o homem deixava de ser um caçador errante e começava a dominar a agricultura, a volta dos dias mais longos significava a certeza de colheitas no ano seguinte. E então era só festa. Na Mesopotâmia, a celebração durava 12 dias. Já os gregos aproveitavam o solstício para cultuar Dionísio, o deus do vinho e da vida mansa, enquanto os egípcios relembravam a passagem do deus Osíris para o mundo dos mortos. Na China, as homenagens eram (e ainda são) para o símbolo do yin-yang, que representa a harmonia da natureza. Até povos antigos da Grã-Bretanha, mais primitivos que seus contemporâneos do Oriente, comemoravam: o forrobodó era em volta de Stonehenge, monumento que começou a ser erguido em 3100 a.C. para marcar a trajetória do Sol ao longo do ano.

 

A comemoração em Roma, então, era só mais um reflexo de tudo isso. Cultuar Mitra, o deus da luz, no 25 de dezembro era nada mais do que festejar o velho solstício de inverno – pelo calendário atual, diferente daquele dos romanos, o fenômeno na verdade acontece no dia 20 ou 21, dependendo do ano. Seja como for, esse culto é o que daria origem ao nosso Natal. Ele chegou à Europa lá pelo século 4 a.C., quando Alexandre, o Grande, conquistou o Oriente Médio. Centenas de anos depois, soldados romanos viraram devotos da divindade. E ela foi parar no centro do Império.

 

Mitra, então, ganhou uma celebração exclusiva: o Festival do Sol Invicto. Esse evento passou a fechar outra farra dedicada ao solstício. Era a Saturnália, que durava uma semana e servia para homenagear Saturno, senhor da agricultura. “O ponto inicial dessa comemoração eram os sacrifícios ao deus. Enquanto isso, dentro das casas, todos se felicitavam, comiam e trocavam presentes”, dizem os historiadores Mary Beard e John North no livro Religions of Rome (“Religiões de Roma”, sem tradução para o português). Os mais animados se entregavam a orgias – mas isso os romanos faziam o tempo todo. Bom, enquanto isso, uma religião nanica que não dava bola para essas coisas crescia em Roma: o cristianismo.

 

Solstício cristão

As datas religiosas mais importantes para os primeiros seguidores de Jesus só tinham a ver com o martírio dele: a Sexta-Feira Santa (crucificação) e a Páscoa (ressurreição). O costume, afinal, era lembrar apenas a morte de personagens importantes. Líderes da Igreja achavam que não fazia sentido comemorar o nascimento de um santo ou de um mártir – já que ele só se torna uma coisa ou outra depois de morrer. Sem falar que ninguém fazia idéia da data em que Cristo veio ao mundo – o Novo Testamento não diz nada a respeito. Só que tinha uma coisa: os fiéis de Roma queriam arranjar algo para fazer frente às comemorações pelo solstício. E colocar uma celebração cristã bem nessa época viria a calhar – principalmente para os chefes da Igreja, que teriam mais facilidade em amealhar novos fiéis. Aí, em 221 d.C., o historiador cristão Sextus Julius Africanus teve a sacada: cravou o aniversário de Jesus no dia 25 de dezembro, nascimento de Mitra.

 

A Igreja aceitou a proposta e, a partir do século 4, quando o cristianismo virou a religião oficial do Império, o Festival do Sol Invicto começou a mudar de homenageado. “Associado ao deus-sol, Jesus assumiu a forma da luz que traria a salvação para a humanidade”, diz o historiador Pedro Paulo Funari, da Unicamp.

Assim, a invenção católica herdava tradições anteriores. “Ao contrário do que se pensa, os cristãos nem sempre destruíam as outras percepções de mundo como rolos compressores. Nesse caso, o que ocorreu foi uma troca cultural”, afirma outro historiador especialista em Antiguidade, André Chevitarese, da UFRJ.

 

Não dá para dizer ao certo como eram os primeiros Natais cristãos, mas é fato que hábitos como a troca de presentes e as refeições suntuosas permaneceram. E a coisa não parou por aí. Ao longo da Idade Média, enquanto missionários espalhavam o cristianismo pela Europa, costumes de outros povos foram entrando para a tradição natalina. A que deixou um legado mais forte foi o Yule, a festa que os nórdicos faziam em homenagem ao solstício. O presunto da ceia, a decoração toda colorida das casas e a árvore de Natal vêm de lá. Só isso.

 

Outra contribuição do norte foi a idéia de um ser sobrenatural que dá presentes para as criancinhas durante o Yule. Em algumas tradições escandinavas, era (e ainda é) um gnomo quem cumpre esse papel. Mas essa figura logo ganharia traços mais humanos.

 

Nasce o Papai Noel

Ásia Menor, século 4. Três moças da cidade de Myra (onde hoje fica a Turquia) estavam na pior. O pai delas não tinha um gato para puxar pelo rabo, e as garotas só viam um jeito de sair da miséria: entrar para o ramo da prostituição. Foi então que, numa noite de inverno, um homem misterioso jogou um saquinho cheio de ouro pela janela (alguns dizem que foi pela chaminé) e sumiu. Na noite seguinte, atirou outro; depois, mais outro. Um para cada moça. Aí as meninas usaram o ouro como dotes de casamento – não dava para arranjar um bom marido na época sem pagar por isso. E viveram felizes para sempre, sem o fantasma de entrar para a vida, digamos, “profissional”. Tudo graças ao sujeito dos saquinhos. O nome dele? Papai Noel.

 

Bom, mais ou menos. O tal benfeitor era um homem de carne e osso conhecido como Nicolau de Myra, o bispo da cidade. Não existem registros históricos sobre a vida dele, mas lenda é o que não falta. Nicolau seria um ricaço que passou a vida dando presentes para os pobres. Histórias sobre a generosidade do bispo, como essa das moças que escaparam do bordel, ganharam status de mito. Logo atribuíram toda sorte de milagres a ele. E um século após sua morte, o bispo foi canonizado pela Igreja Católica. Virou são Nicolau.

 

Um santo multiuso: padroeiro das crianças, dos mercadores e dos marinheiros, que levaram sua fama de bonzinho para todos os cantos do Velho Continente. Na Rússia e na Grécia Nicolau virou o santo nº1, a Nossa Senhora Aparecida deles. No resto da Europa, a imagem benevolente do bispo de Myra se fundiu com as tradições do Natal. E ele virou o presenteador oficial da data. Na Grã-Bretanha, passaram a chamá-lo de Father Christmas (Papai Natal). Os franceses cunharam Pére Nöel, que quer dizer a mesma coisa e deu origem ao nome que usamos aqui. Na Holanda, o santo Nicolau teve o nome encurtado para Sinterklaas. E o povo dos Países Baixos levou essa versão para a colônia holandesa de Nova Amsterdã (atual Nova York) no século 17 – daí o Santa Claus que os ianques adotariam depois. Assim o Natal que a gente conhece ia ganhando o mundo, mas nem todos gostaram da idéia.

 

Natal fora-da-lei

Inglaterra, década de 1640. Em meio a uma sangrenta guerra civil, o rei Charles 1º digladiava com os cristãos puritanos – os filhotes mais radicais da Reforma Protestante, que dividiu o cristianismo em várias facções no século 16.

 

Os puritanos queriam quebrar todos os laços que outras igrejas protestantes, como a anglicana, dos nobres ingleses, ainda mantinham com o catolicismo. A idéia de comemorar o Natal, veja só, era um desses laços. Então precisava ser extirpada.

 

Primeiro, eles tentaram mudar o nome da data de “Christmas” (Christ’s mass, ou Missa de Cristo) para Christide (Tempo de Cristo) – já que “missa” é um termo católico. Não satisfeitos, decidiram extinguir o Natal numa canetada: em 1645, o Parlamento, de maioria puritana, proibiu as comemorações pelo nascimento de Cristo. As justificativas eram que, além de não estar mencionada na Bíblia, a festa ainda dava início a 12 dias de gula, preguiça e mais um punhado de outros pecados.

 

A população não quis nem saber e continuou a cair na gandaia às escondidas. Em 1649, Charles 1º foi executado e o líder do exército puritano Oliver Cromwell assumiu o poder. As intrigas sobre a comemoração se acirraram, e chegaram a pancadaria e repressões violentas. A situação, no entanto, durou pouco. Em 1658 Cromwell morreu e a restauração da monarquia trouxe a festa de volta. Mas o Natal não estava completamente a salvo. Alguns puritanos do outro lado do oceano logo proibiriam a comemoração em suas bandas. Foi na então colônia inglesa de Boston, onde festejar o 25 de dezembro virou uma prática ilegal entre 1659 e 1681. O lugar que se tornaria os EUA, afinal, tinha sido colonizado por puritanos ainda mais linha-dura que os seguidores de Cromwell. Tanto que o Natal só virou feriado nacional por lá em 1870, quando uma nova realidade já falava mais alto que cismas religiosas.

 

Tio Patinhas

Londres, 1846, auge da Revolução Industrial. O rico Ebenezer Scrooge passa seus Natais sozinho e quer que os pobres se explodam “para acabar com o crescimento da população”, dizia. Mas aí ele recebe a visita de 3 espíritos que representam o Natal. Eles lhe ensinam que essa é a data para esquecer diferenças sociais, abrir o coração, compartilhar riquezas. E o pão-duro se transforma num homem generoso.

 

Eis o enredo de Um Conto de Natal, do britânico Charles Dickens. O escritor vivia em uma Londres caótica, suja e superpopulada – o número de habitantes tinha saltado de 1 milhão para 2,3 milhões na 1a metade do século 19. Dickens, então, carregou nas tintas para evocar o Natal como um momento de redenção contra esse estresse todo, um intervalo de fraternidade em meio à competição do capitalismo industrial. Depois, inúmeros escritores seguiram a mesma linha – o nome original do Tio Patinhas, por exemplo, é Uncle Scrooge, e a primeira história do pato avarento, feita em 1947, faz paródia a Um Conto de Natal. Tudo isso, no fim das contas, consolidou a imagem do “espírito natalino” que hoje retumba na mídia. Quer dizer: quando começar o próximo especial de Natal da Xuxa, pode ter certeza de que o fantasma de Dickens vai estar ali.

 

Outra contribuição da Revolução Industrial, bem mais óbvia, foi a produção em massa. Ela turbinou a indústria dos presentes, fez nascer a publicidade natalina e acabou transformando o bispo Nicolau no garoto-propaganda mais requisitado do planeta. Até meados do século 19, a imagem mais comum dele era a de um bispo mesmo, com manto vermelho e mitra – aquele chapéu comprido que as autoridades católicas usam. Para se enquadrar nos novos tempos, então, o homem passou por uma plástica. O cirurgião foi o desenhista americano Thomas Nast, que em 1862, tirou as referências religiosas, adicionou uns quilinhos a mais, remodelou o figurino vermelho e estabeleceu a residência dele no Pólo Norte – para que o velhinho não pertencesse a país nenhum. Nascia o Papai Noel de hoje. Mas a figura do bom velhinho só bombaria mesmo no mundo todo depois de 1931, quando ele virou estrela de uma série de anúncios da Coca-Cola. A campanha foi sucesso imediato. Tão grande que, nas décadas seguintes, o gorducho se tornou a coisa mais associada ao Natal. Mais até que o verdadeiro homenageado da comemoração. Ele mesmo: o Sol.

 
 Texto Thiago Minami e Alexandre Versignassi

www.superinteressante.com.br

 

 

 

 

Sede abençoada

guarana_jesus

 

Esta é velha, mas eu ainda não sabia. Ouvi falar que no Maranhão existe um tal guaraná chamado Jesus que vende mais que Coca-Cola. Mais curioso que isso só a matéria do site midiaindependente.org, com o título “Coca-Cola quer ser dona de Jesus”, escrita em 2001. Pode? Hilário! E tem mais: lendo a tal reportagem, descobri que o refri não foi batizado deste jeito por ser de um cristão. Muito pelo contrário. Era o inventor da coisa que se chamava Jesus. E ele era ateu…

Leia abaixo alguns trechos da matéria. É meio grandinha, mas vale a pena.

 

 

“Me vê um Jesus, aí!”

 

É desse jeito que o maranhense pede o seu refrigerante preferido. Tão típico quanto a cultura do bumba-meu-boi no Estado, o emblemático guaraná Jesus tem coloração cor-de-rosa, gosto de canela e cravo e é muito, muito doce.

 

Fenômeno de vendas sem ter praticamente nenhuma verba publicitária (a bebida só é distribuída no Maranhão), desafia os conceitos de marketing e, agora, está fazendo até a toda-poderosa Coca-Cola, que negocia a compra do produto, se render aos seus encantos. O refrigerante tem um slogan que a acompanha há décadas e que até hoje é estampado nos rótulos: “Guaraná Jesus, o sonho cor-de-rosa”.

 

“As discussões estão avançadas, é questão de algumas semanas”, afirma Hector Nuñes, diretor-geral da Companhia Maranhense de Refrigerantes, da Família Lago, que comprou a marca Jesus em 1980 e também detém a licença para produzir e distribuir Coca-Cola no Maranhão. Está em discussão desde uma licença para fabricação e distribuição do produto em outros Estados até a aquisição dos direitos da marca.

 

Mas que refrigerante é esse, que chega a ser motivo de orgulho para os maranhenses e todo visitante é sempre convidado a provar? Para quem não é do Maranhão, o que mais chama a atenção é a cor. Se não estivesse em uma garrafa de refrigerante, poucos diriam que se trata de uma bebida. O nome também pode soar inconveniente. Mas, no Maranhão, quem gosta de refrigerante não troca um copo de guaraná Jesus nem por dois litros de Coca-Cola bem gelada.

 

“O produto é bom, saudável, natural e extremamente saboroso”, afirma Nuñes. “Não é algo que bebo todo dia, mas é um produto diferente, que não tem similares no mercado e com padrão de qualidade internacional.”

 

Mesma fórmula há 80 anos e 17 ingredientes

 

A fórmula do refrigerante, com sua coloração rosa e garrafa retrô, é a mesma criada em 1920 num laboratório de fundo de quintal em São Luís, pelo farmacêutico Norberto Gomes, que acabara de importar uma máquina de gazeificação.

 

Inicialmente, o objetivo era produzir uma espécie de magnésia fluída, um remédio que estava na moda, mas o negócio não deu certo e ele resolveu fazer uma bebida para os netos, a partir de 17 ingredientes básicos, entre eles ervas e produtos que descobria em suas viagens pela Amazônia. O gostinho de canela adocicada e a cor diferente agradaram a criançada de toda a vizinhança e, com o tempo, Jesus (o guaraná) foi caindo no gosto popular.

 

“O pessoal do Maranhão é louco por Jesus. Não é exagero dizer que aqui quando se fala em Jesus se pensa primeiro no guaraná do que no Cristo”, afirma o publicitário Fábio Gomes, de 45 anos, autor do novo design do rótulo, da primeira campanha publicitária do produto e neto do criador do Jesus, o farmacêutico Jesus Norberto Gomes.

 

A família Jesus manteve fábrica própria até o início de 1960. Vinte anos depois foi vendido para a Companhia Maranhense de Refrigerantes, que já tinha licença para fabricar e distribuir a Coca-Cola no Estado. Os dois refrigerantes, portanto, são engarrafados no mesmo local e saem juntinhos para os supermercados. Outro detalhe: é vendido em mercearias, supermercados ou em qualquer outro estabelecimento pelo mesmo preço da Coca-Cola.

 

Jesus na mamadeira

 

Gomes conta que seu pai, que chegou a administrar a fábrica de refrigerantes, levava o xarope puro sem gás de Jesus e dava para o filho tomar na mamadeira. “Eu não tinha nem quatro meses, não estava desmamado e já tomava Jesus”, diz. “O mais surpreendente é que descobri que aquilo que meu pai fazia, as mães de hoje ainda fazem. Elas batem o Jesus no liquidificador para sair o gás e depois colocam na geladeira.”

 

O publicitário acredita que a tradição está ligada à idéia de produto natural. “Quando as crianças passam a tomar Coca-Cola já estão viciadas em Jesus. Não é um processo racional. A criança pede Coca-Cola e a mãe diz: toma Jesus, meu filho!”.

 

Segundo a família Jesus, a cor do guaraná foi um dos fatores que levaram também a apresentadora Xuxa, por intermédio de sua então produtora Marlene Matos (que por sinal é maranhense), a tentar adquirir os direitos do refrigerante. Não vingou.

 

Jesus era ateu

 

O criador do Jesus (quem diria?) era ateu e foi excomungado pela Igreja Católica. Jesus Norberto Gomes nasceu no interior do Maranhão e chegou a São Luís com 19 anos. Analfabeto, começou a trabalhar em uma farmácia. Foi praticamente adotado pelo casal proprietário do negócio que não tinha filhos e aprendeu a ler e escrever. Aos 40 anos, transformou-se efetivamente em um farmacêutico e criou o refrigerante que herdou o seu nome.

 

“Meu pai era uma genialidade, mas era uma personalidade muito controversa. Ateu e tido como comunista, ele foi esconjurado pelo Papa depois que deu uma surra no padre, e alimentava uma lenda que tinha feito pacto com o diabo”, afirma o neto Gomes, filho de Jesus Norberto Gomes Filho, um dos sete filhos do farmacêutico.

 

Depois de ser exorcizado, Jesus mandou trazer da Alemanha uma série de caras de Fausto (personagem de Goethe que vende a alma ao demônio) e as colocou nas entradas da farmácia, somente para alimentar a lenda.

 

“Ele era uma pessoa meio neurótica para desespero da minha avó, que era muito carola e passou a vida determinada em salvar a alma do marido.” Jesus morreu em 1963, sem retornar à Igreja.

 

Enquanto a distribuição de Jesus continua restrita aos limites maranhenses, pelo menos os paulistanos podem matar a curiosidade experimentando o produto num restaurante chamado Raízes do Maranhão. Na Terra da Garoa, a lata de Jesus é vendida a R$ 2.

 

Taís Brem