Os dois mundos

Costumamos confiar que o motorista do ônibus em que acabamos de subir vai mesmo nos levar ao destino correto. Se o gerente do banco nos faz uma proposta animadora, nos incentivando a aplicar um bom dinheiro e prometendo lucros exorbitantes por causa disso, acreditamos, também, e investimos. Se vamos a uma lancheria, sequer passa pela nossa cabeça que o pedido que fizemos possa estar envenenado ou coisa assim. E as promoções imperdíveis daquela loja da qual lemos o encarte? Na primeira oportunidade, damos logo um jeito de passar a boa nova adiante, afinal, se aproveitamos a dica do preço mais baixo, queremos que, pelo menos mais uma pessoa, aproveite também. Passar muito tempo sem comer, não é adequado. É bom que cada um, independente da idade, respeite, os horários clássicos de alimentação (café da manhã, almoço e janta, no mínimo) para que a saúde não seja prejudicada.

Todas essas colocações, jogadas assim, parecem não fazer sentido juntas. Mas têm muito significado quando as analisamos individualmente e percebemos que todas estão presentes, de certa forma, em nossa vida cotidiana. Todas falam de coisas relativas ao nosso mundo físico, ao qual todos nós, por mais espirituais que nos consideremos, damos muito valor.

Certo dia, durante um culto, me peguei pensando no contexto que se desenrolava à minha volta. Eu balançando os braços loucamente enquanto a equipe tocava um louvor. Outro pulando feito doido, sem nem se preocupar em acompanhar o ritmo certo. Outros chorando. Outros rindo sem parar. Uns gritando. Uns deitados, ajoelhados, agradecendo, se deixando arrebatar. Eu estava vivendo aquele êxtase todo. Mas, por um momento, me parei a analisar o que pensaria alguém vendo tudo aquilo de fora. Não teria sentido nenhum! O menos cético certamente pensaria: “Eles são loucos! Vou para casa cuidar da minha vida que eu ganho mais! Amanhã é outro dia!”.

Talvez muitos de nós, que, naquele momento, estávamos extasiados com o que acreditávamos ser a presença manifesta de Deus em nosso meio tenhamos, também, deixado aquele lugar e aquele momento com o mesmo pensar de alguém de fora. Depois que passou, é possível que alguém tenha deixado o instante espiritual para lá. Afinal, a vida continua. E é aí que se encaixa a confiança no motorista do ônibus, a crença no gerente do banco, a aposta na lancheria e na loja que consideramos tanto, a necessidade de compartilhar a oferta que descobrimos, a preocupação com os horários certos de alimentação e por aí vai. Se pararmos para pensar, toda a importância que damos à nossa vida física, por menor que seja, nem se equivale à que dispensamos à nossa vida espiritual. Se confiássemos tanto no pastor que nos aconselha a seguir em frente no caminho com Cristo quanto confiamos no motorista, aproveitaríamos melhor a viagem que nos levará à vida eterna. Se acreditássemos tanto nas passagens bíblicas que falam da prosperidade que Deus reserva aos fiéis quanto acreditamos no gerente, seríamos menos estressados com os cifrões e mais confiantes na providência divina. Se absorvêssemos com prazer cada palavra liberada num culto tanto quanto ingerimos alegremente cada medida de gordura trans naquele lanche da esquina, o risco de sermos contaminados cairia a zero e, aí sim, estaríamos bem alimentados. Se falássemos com tanta euforia do amor de Cristo às pessoas quanto falamos da promoção imperdível da nossa boutique ou supermercado favorito, mais pessoas acreditariam que fariam um bom e duradouro investimento dando crédito à nossa sugestão. Se finalmente entendêssemos que alimentar o espírito lendo a Bíblia, orando, evangelizando e tendo comunhão com outros cristãos regularmente é tão ou mais importante que alimentar nosso corpinho, certamente estaríamos menos sujeitos aos altos e baixos que enfrentamos.

Será que Deus não é mais confiável do que os seres humanos a quem entregamos, a todo momento, as nossas vidas? Então, porque custamos tanto a obedecer o que Ele nos pede? Enfim, escrevi essas linhas como um convite à reflexão. Um convite para que ponderemos o fato de que, logo mais, quando a vida por aqui acabar, o que ficará para a eternidade é o investimento que fizemos em nossa vida espiritual. E aqueles momentos de êxtase que julgamos loucura ou aos quais só damos crédito quando as coisas apertam de verdade são os que vão nos sustentar para sempre.

Taís Brem