As capas da derrota

Capa do jornal O Dia em 09/07/14
Capa do jornal O Dia em 09/07/14

Esqueça a ética e a imparcialidade. Pode dar adeus, também, ao bom senso. Afinal, antes de tudo, você é um torcedor brasileiro. Se os editores responsáveis pela capa de grande parte dos jornais nacionais dessem uma aula de como elaborar uma primeira página no último 09 de julho, com certeza essas dicas ganhariam ênfase especial.

Não foi um dia qualquer. Como bem sugeriu o Hora de Santa Catarina, o dia seguinte à amarga derrota da Seleção brasileira para a Alemanha na Copa que sediamos poderia ser chamado de “Quarta-feira de cinzas”. Realmente, os sete gols que levamos geraram um misto de frustração, vergonha e indignação. Porém, o que se viu no dia 09 mostrou a enorme capacidade da imprensa brasileira de não conseguir separar as coisas, enfatizando a máxima de que o futebol é mesmo uma paixão nacional. O negócio acabou, realmente, indo para o lado pessoal.

Se a escolha pela cor preta define bem o sentimento de luto que a torcida brasileira sentiu naquela quarta-feira, muitos foram os jornais que optaram por ela para cobrir suas capas. Uma das mais ousadas foi a do jornal Meia Hora, do Rio, que destacou a frase “Não vai ter capa” – fazendo um trocadilho com o famoso bordão “Não vai ter copa” – e justificou que os editores estavam abalados demais para pensar noutra opção de primeira página. Na contramão, o Lance deixou a capa em branco e sugeriu que os próprios leitores escrevessem nela o que sentiam após o fracasso da Seleção brasileira. Indignação, revolta, pena e frustração foram algumas das sugestões deixadas pela publicação.

Houve quem optasse apenas por palavras únicas de impacto em letras garrafais, como fiasco, vexame, ressaca. O Diário do Nordeste ainda destacou os números que ninguém conseguirá esquecer por um bom tempo: “Humilhação, 7 x 1”. E, logo após: “Foi duro. O placar diz mais que qualquer texto”. O Correio do Povo, de Porto Alegre, resumiu: “1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 x 1. Foi isso”.

O jornal NH conseguiu ser solidário com o nosso camisa 12. Mostrando o goleiro Julio César sentado, atonitamente, o periódico estampou na capa a frase: “Dizer o quê?”. E complementou: “Coitado, não teve o que fazer”. Já o Diário Gáucho desabafou: “6 era sonho. 7 é pesadelo”.

Dentre todos os veículos que aproveitaram para chutar o balde e colocar o sentimento de revolta na frente de qualquer princípio editorial, O Dia, certamente, foi destaque. “Vá pro inferno você, Felipão”, imprimiu, com fúria, a publicação na capa. “Ele ganha cerca de R$ 1 milhão por mês, é o maior garoto-propaganda do país, não treinou, escalou mal e substituiu errado. Foi responsável pela pior humilhação da Seleção em mais de um século de história. Semana passada, questionado sobre suas atitudes, ele disse: ‘Vou fazer do meu jeito. Gostou, gostou. Quem não gostou, vá pro inferno’”, concluiu.

Jornal Extra fez referência à Copa de 1950
Jornal Extra fez referência à Copa de 1950

Mas foi justamente desmistificando a que se considerava a nossa pior derrota como país-sede de um Mundial que o Extra e o Diário de Pernambuco conseguiram se diferenciar dos colegas. As alfinetadas à atual equipe, é claro, não ficaram de lado. Entretanto, o reconhecimento à Seleção de 1950 foi uma sacada interessante e criativa, que acabou virando homenagem. “Parabéns aos vice-campeões de 1950, que sempre foram acusados de dar o maior vexame do futebol brasileiro. Ontem, conhecemos o que é vexame de verdade”, disse o Extra. O Diário de Pernambuco optou pela frase “Barbosa, descanse em paz”, uma alusão à injusta culpa que o goleiro do Brasil na ocasião, Moacir Barbosa Nascimento, carregou até mesmo depois de sua morte, em 2000, por ter tomado dois gols do Uruguai em pleno Maracanã.

No mínimo, um bom material a ser discutido nos cursos de Jornalismo país afora.

Taís Brem
*Texto publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

 

É preciso saber perder

Quarto lugar na Copa trouxe à tona decepção da torcida com a Seleção e mostrou que o povo não sabe lidar com a derrota

Foto: Divulgação
Sonho do hexacampeonato foi adiado (Foto: Jefferson Bernardes/VIPCOMM).

O Brasil pode até ter sediado a tal Copa das Copas, no que diz respeito à hospitalidade para com os turistas e o clima de festa com que realizou o Mundial por aqui. Mas,  o desempenho da Seleção Brasileira dentro de campo esteve bem aquém do que esperava a Pátria de Chuteiras. Tanto, que nem mesmo o mais pessimista dos brasileiros poderia imaginar que aquele jogo contra a Alemanha, no Mineirão, em 08 de julho, viraria a maior derrota de um time anfitrião de Copa do Mundo e a pior goleada que já sofremos em 100 anos de história. Mais trágico ainda foi perder a chance de garantir o terceiro lugar, no último sábado (12), no mínimo, como prêmio de consolação.

Que foi “apenas um campeonato de futebol perdido”, todo mundo sabe. Todavia, um sentimento de frustração, de tristeza e, até mesmo, de luto tomou conta de grande parte da população brasileira. Muita gente encarou os dois resultados negativos como algo bem mais sério que uma competição esportiva. Na opinião da psicóloga Lauren Gómez, 34, a reação dos torcedores denota que o brasileiro, em linhas gerais, não sabe perder. “O reflexo disso se viu, por exemplo, nos programas de TV, que enfatizaram a tristeza das crianças ao assistirem o fracasso da Seleção. Isso mostra o quanto os pais reproduzem para os filhos esta falsa ideia de que o Brasil tem que ser perfeito em aspectos como o futebol e o Carnaval – já que não somos exemplo em educação, saúde etc -, em vez de prepararem suas crianças para aprender a conquistar, mas, também, saber enfrentar as perdas e tolerar frustrações”, opinou. Para ela, é essencial que se saiba viver e passar para as outras gerações a importância de conceitos como a resiliência e a adaptabilidade, justamente para enfrentar as crises, que são inevitáveis, da melhor forma possível. “O mundo não é suave quando se trata de lições de vida”, sentenciou a psicóloga.

Roberta (E) torceu, mas não se iludiu (Foto: Arquivo Pessoal).

A estudante Roberta Oliveira de Souza, 18, também disse acreditar que a reação da torcida não foi das mais adequadas. “Quem sabe perder? Acho que ninguém, né? Mas, deveríamos encarar isso como uma grande experiência de vida. Nem sempre conquistamos tudo”, comentou.

Torcedores conscientes
Lauren e Roberta torceram pela Seleção Brasileira na Copa. “Mas, com os pés no chão, porque eu sabia que eles não estavam preparados”, ressaltou a psicóloga. O estudante de Jornalismo, Henrique Massaro, 22, disse ter criticado bastante a maneira como a Copa foi trazida para o Brasil. Todavia, quando a Seleção entrou em campo, ele parou para torcer. Torcida que, infelizmente, não bastou para a conquista do hexa. “Acho que o brasileiro está tendo que se conformar, afinal já é a terceira eliminação seguida em copas. Mas, perder levando sete gols é algo que ninguém está preparado. Para mim, é momento de aproveitar e voltar os olhos para o futebol brasileiro, que está jogado às traças em termos de estrutura”, opinou.

"O jeito é se conformar", disse o estudante de Jornalismo (Foto: Henrique Massaro).
“O jeito é se conformar”, disse o estudante de Jornalismo (Foto: Henrique Massaro).
Foto: Arquivo pessoal
Juliana disse acreditar que os jogadores também merecem respeito (Foto: Arquivo Pessoal).

A auxiliar contábil Juliana Zandoná de Mattos, 27, ficou chateada com a má campanha. Porém… “Torcedor de verdade está junto ganhando ou perdendo. Espero que as famílias que têm filhos pequenos utilizem isso como lição de que, na vida, nem sempre teremos vitórias. Às vezes, nós perdemos e outros ganham”, disse. E, para ela, aceitar os momentos de perda com maturidade também incluiu respeitar a dor alheia, no caso, a dos protagonistas desse espetáculo que não teve um final feliz. “Antes de jogadores milionários, eles são seres humanos. Claro que eles não queriam que isso acontecesse também. Se nós estamos decepcionados, imagina eles?”.

Taís Brem
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O milagre do respeito

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Acabei de ver um vídeo interessante que me fez refletir sobre o respeito ao próximo. É fato que vivemos numa sociedade cada vez mais egoísta em que o “faça aos outros aquilo que gostaria que fizessem por você” anda em acelerado desuso. Mas, quando nos deparamos com ações como a da Comisión Especial de Discapacidad do Congreso de la República del Perú – ou Comissão Especial sobre Deficiência do Congresso da República do Peru, em tradução livre –, o choque é inevitável.

Deve ter sido exatamente esta a intenção de quem elaborou a peça: chocar. Objetivo que foi alcançado com êxito. É uma sacada bem simples, mas muito inteligente. Trata-se de um vídeo que mostra motoristas saindo de seus carros caminhando normalmente, logo após estacionarem os automóveis em vagas destinadas a pessoas portadoras de necessidades especiais. Então, atores chegam perto dos condutores simulando uma série de cuidados e perguntando se eles se sentem bem, se não querem uma cadeira de rodas pra auxiliar na locomoção, entre outras estratégias, todas bem aplicadas com o intuito de constranger a pessoa. Afinal, se o motorista que acabou de sair de um carro estacionado numa vaga para cadeirante o faz sem apresentar nenhum sintoma de deficiência que justifique a parada no local, das três, uma: ou essa pessoa precisa de ajuda para se locomover com segurança, ou merece os parabéns por ter sido milagrosa e instantaneamente curada ou está pedindo por um bem-dado “puxão de orelhas” para aprender a respeitar o espaço alheio. Infelizmente, as reações mostradas nas imagens levam a crer que a terceira hipótese é a correta.

Seria interessante se o mesmo grupo surpreendesse o falso cadeirante torcedor da Copa que foi pego saltitando da cadeira de rodas na fila próxima ao gramado, destinada pela Fifa aos portadores de necessidades especiais.

Uns o fazem simplesmente para conseguir um lugar privilegiado na competição esportiva mais emocionante do planeta. Outros, simplesmente porque querem levar vantagem numa boa vaga de estacionamento. A unanimidade fica por conta mesmo da falta de respeito. A peça peruana traz como slogan a frase “Pedimos respeito, não milagres”. Eu diria mais: seria bom se a prática do respeito deixasse de ser milagre e se tornasse algo corriqueiro. Um dia, quem sabe celebraremos esse prodígio.

Taís Brem

*Texto publicado originalmente no Clicsul.Net.