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Vida longa às gerações

 Indivíduos que têm o presente de viver a relação entre bisnetos e bisavós celebram a longevidade

Pedro, no colo do bisavô Alvorino (Foto: Arquivo Pessoal)
Pedro, no colo do bisavô Alvorino (Foto: Rodrigo Pestana)


Se a convivência entre netos e avós já é ótima, imagina quando esse quadro ganha um nível a mais. No dicionário, as palavras “bisavô” e “bisavó” são, simplesmente, a tradução para os nomes que se dá àqueles que são os pais dos avós. Mas, bem que esse significado poderia ser resumido apenas à expressão “avós duas vezes”. Infelizmente, tanto de um lado quanto de outro, não é para qualquer um o privilégio de conhecer essa relação: assim como poucos são os que chegam à idade de poder assistir ao nascimento de seus bisnetos, raros são os que conseguem desfrutar do relacionamento com seus bisavós. Porém, quando a longevidade resolve conceder esse presente, sempre é motivo de celebração.

Elvira fala com orgulho dos quatro bisnetos (Foto: Arquivo Pessoal)
Elvira fala com orgulho dos quatro bisnetos (Foto: Arquivo Pessoal)

“Quando eles são pequenos, são mais barulhentos, mas sempre trazem alegrias. A Manoela, filha do neto mais velho, quando vem me visitar, está sempre me fazendo carinho”, comentou a servidora pública aposentada, Elvira dos Santos. “É a nossa semente dando frutos”. Dona Elvira, que completou 93 anos no último dia 1°, atribui a Deus a graça de conviver com seus bisnetos. “Ele é muito bom pra mim. Me deu todos esses anos e pude ver os netos crescidos e, agora, meus bisnetos. Eu mesma não tive esse privilégio. Só lembro da madrastra da minha mãe, minha vó morreu cedo”, disse. Além de Manoela, dona Elvira é, ainda, bisavó de Isabel, Luís e Marcelo.


Turminha grande

Samuel, curtindo as férias na casa da bisavó Nilza, ao fundo (Foto: Arquivo Pessoal)
Samuel, curtindo as férias na casa da bisavó Nilza, ao fundo (Foto: Arquivo Pessoal)

Nilza Silveira é um pouco mais jovem que Elvira, tem 87 anos. Mas, ao contar todos os bisnetos que tem, enche uma mão e mais um pouco. E, também, se perde entre tantos nomes, muitas vezes misturando os filhos dos filhos com os filhos dos netos, em função da memória já falha pela idade. “É uma turminha grande, né?”, justificou, orgulhosa. Ao todo, são sete: Arthur, Kauê, Kamilly, João Esdras, Miguel, Samuel e Marina. “Eu fico muito contente de ver meus bisnetos e amo muito todos eles. Sei que Deus tem me ajudado para ‘durar’ até aqui e ter esse privilégio, que muitos não têm”, afirmou. “Isso deve ter acontecido comigo, porque, de alguma forma, eu merecia, não acha?”, questionou, com um sorriso nos lábios.


Avós, bisavós e trisavós

A professora Vanessa Pestana-Bauer, 30, se emociona ao relembrar dos momentos que teve ao lado de seus bisavós maternos – seu Generoso e dona Alvina, pais do pai de sua mãe, e seu Alberto e dona Mina, pais da mãe de sua mãe, todos produtores rurais. Quando criança, ela e a família chegaram a morar numa casa no mesmo pátio onde residiam Alberto e Mina. “Cresci vendo esse casal conversando em outra língua [o dialeto alemão pomerano]”, disse Vanessa. Com toda paciência, os bisavós ensinaram o idioma através de canções a ela e à prima, além de compartilhar as peculiaridades da vida escolar à moda antiga. “Eles contavam que escreviam na pedra com carvão e depois apagavam. Não tinha caderno naquela época”.

O convívio com Generoso e Alvina sempre foi mais dificultado, por causa da moradia em outra cidade. Todavia, a troca de experiências não foi menos importante. “Eles me deixaram, como principal marca, a lição de jamais desistir. Eles acreditaram no amparo divino quando, num momento de complicação no nascimento de sua filha caçula, onde o médico pediu para escolher entre ‘o anel e os dedos’, meu bisavô falou: ‘Quero tanto o anel quanto os dedos!’, recebendo, assim, sua vitória”, afirmou Vanessa. “Mais tarde, mesmo com câncer, minha bisavó Alvina jamais desistiu da vida, lutando, exaustivamente, contra a doença”.

Além de professora do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (If-Sul) e doutora em Ciência e Tecnologia Agroindustrial pela Universidade Federal de Pelotas (PPGCTA/UFPel), Vanessa atua como pastora do Ministério Casa de Oração (MCO). Na ocasião da comemoração do centenário de Generoso, ela teve o privilégio de homenageá-lo, conduzindo a prece de agradecimento. “É um prazer tê-lo com vida ainda hoje, aos 102 anos. Meus amados bisavós são a raiz da arvore que é minha vida e me deixaram um legado de fé, simplicidade, convicção, coragem e amor”. Detalhe: além de ter o bisavô vivo, Vanessa, que há seis meses é mãe de Pedro, tem a oportunidade de ver seu filho agraciado com a presença de um trisavô, privilégio de pouquíssimos bebês. Atualmente, ela, o marido Eduardo e o filho do casal moram na casa dos avós Vilma e Alvorino, que vêm a ser, portanto, os bisavós de Pedro. E, ao que tudo indica, a tradição da longevidade nessa família está longe de terminar.

Taís Brem

Meus parentes, meus vizinhos

Famílias que decidem morar juntas desenvolvem tradição que se perpetua por décadas

Parte da família Silveira reunida (Foto: Daniel Avellar)
Parte da família Silveira reunida (Foto: Daniel Avellar)


A irmã da funcionária pública Cristina Lameirão, 48, tinha um lote que media 12 por 30 metros no bairro Obelisco, em Pelotas. Sua família, então, resolveu comprar mais um, ao lado, do mesmo tamanho, e vender a metade para o irmão. Ele, por sua vez, vendeu parte do terreno para outra irmã. E a mãe, Erondina, 73, que morava no Areal, vendeu a casa para ficar mais perto dos filhos. O resultado de todas essas transações é que, atualmente, boa parte dos parentes de Cristina mora praticamente junta. São dez pessoas divididas em quatro casas, uma ao lado da outra.

A colaboração cultivada no ambiente familiar é citada como um dos prós dessa habitação coletiva, já que, embora sejam quatro residências, a família vive como se fosse uma só. “O bom é a segurança e a tranquilidade de saber que sempre tem alguém de confiança por perto, com quem se pode contar”, disse Cristina, que cursa o quinto semestre de Geografia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). E as situações que pedem ajuda dos parentes são as mais diversas: desde dar uma “olhadinha” para que a roupa que ficou estendida não molhe com uma chuva inesperada até emprestar um pouco de erva-mate quando acabou a matéria-prima para fazer o chimarrão doce que ela tanto gosta. E os contras? “Bom, a parte negativa, é que, às vezes, as crianças se ‘estranham’, mas, fora isso, família é tranqulio”, afirmou.

Uma ninhada de “lingoodles”
A residência dos Lameirão é grande. Tão grande que não tem apenas espaço para os seres humanos: os bichos também se beneficiam do local onde sempre cabe mais um. Entre os animais de estimação da família estão, pelo menos, as oito galhinhas e um garnizé que fazem companhia a dona Erondina, a gata Ágata (que, segundo Cristina, está em idade reprodutiva e “trabalha muito”), a tartaruga Zezinho, nove gatos, duas chinchilas, uma cocota e doze cachorros. A esses, Cristina atribuiu até um nome bem peculiar, a fim de identificar a raça que surgiu do cruzamento entre poodles e dachshunds, popularmente conhecidos como linguicinhas. “Chamo eles de ‘lingoodles’”, disse, orgulhosa. Todos os animais da família são amados, mas os lingoodles são especiais. A criação começou quando a filha de Cristina, ainda criança, sugeriu que a mãe recebesse um cãozinho em casa. E ela, que só tinha gatos até então, aceitou. Dali para diante, não parou mais. Um episódio curioso ocorreu na última virada de ano, quando, assustado por causa dos fogos de artifício, o cachorro Larguinho acabou se perdendo pela vizinhança. “Só fui notar que ele tinha sumido no outro dia, na hora da refeição, quando todos se juntaram para comer”, relembrou Cristina. Foi quando começou uma verdadeira saga pelos arredores, em busca do animalzinho. Quando encontrou, não conteve a emoção. “Os vizinhos devem ter achado que eu estava louca, gritando o nome dele, de tanta alegria”, disse. “Mas, não era loucura! Era uma mãe que tinha reencontrado seu filho”.

Condomínio familiar

Nilza e Maurício demonstram satisfação em ter a família por perto (Foto: Arquivo Pessoal)
Nilza e Maurício demonstram satisfação em ter a família por perto (Foto: Arquivo Pessoal)

Quem avista a casa de Maurício, 89, e Nilza Silveira, 87, pelo lado de fora, não imagina quantas peças tem, verdadeiramente, o terreno localizado no bairro Simões Lopes. Nem quantas pessoas ele abriga. Afinal, mesmo que a residência adquirida nos anos 1980 não seja moradia atual de todos os filhos, netos e demais frutos da árvore genealógica do casal – o que inclui sobrinhos, genros, noras –, ao longo de toda a história da casa na posse da família, já passaram por lá nada mais nada menos que 18 pessoas. Hoje, sobram oito: além de Maurício e Nilza, três filhas do casal, dois netos e um genro.

Entrando pelo corredor principal, é possível avistar as janelas que dão para o quarto do casal, para o quarto da filha mais nova, a assistente de lares, Margaret, e para o cômodo de hóspedes, fora a sala de visitas. Logo acima da cozinha, da sala de jantar, do banheiro e da área de serviço, há as três peças que fazem as vezes de casa para a outra filha, a funcionária pública, Luiza. E, mais ao fundo, o lar da filha mais velha, a costureira Maria Carmen, de seu marido, o pedreiro Itamar, e dos dois filhos, o militar Lucas e a fiscal de caixa, Jaqueline. Os “Silveira Garcia” ocupam, portanto, sete peças divididas em dois andares. O terreno ainda acomoda um pátio, onde fica o cachorro da raça cocker Rafú, e o chamado “quartinho”, local em que a família costuma colocar aquilo que já não serve para estar dentro de casa, mas, também, não está totalmente preparado para ir pro lixo.

Jaqueline (D), com a mãe e o cunhado, na frente de casa (Foto: Arquivo Pessoal)
Jaqueline (D), com a mãe e o cunhado, na frente de casa (Foto: Arquivo Pessoal)

A opinião dos patriarcas da família é semelhante à de dona Erondina: para eles, estar com os filhos, netos e demais parentes por perto é um privilégio. Para eles… “O ponto negativo é que, morando juntas, as pessoas acabam se metendo umas na vida das outras. Mas, o positivo é que, para qualquer imprevisto que aconteça, há um suporte. Família é insubstituível”, comentou Jaqueline, ao acrescentar que pretende, assim que possível, ter a sua casa própria. “Se eu tiver essa opção, prefiro ter a minha independência”.

Pode ser que não seja tão privativo o espaço de Jaqueline na casa de seus avós. Mas, dentre os prós e contras das famílias que moram juntas num só pátio está o fato da responsabilidade social na construção civil. Afinal, em vez de consumir mais matéria-prima e construir diversas casas, muitos brasileiros optam por esticar um pouco aqui, outro pouco acolá e aproveitar cada centímetro quadrado de seus terrenos, reduzindo o impacto ambiental. É quase a mesma lógica da diminuição de carros nas ruas para conter a poluição. É fato que a maioria gostaria de ter seu automóvel próprio. Entretanto, se as pessoas passarem a utilizar outros meios de transporte – como a bicicleta, por exemplo – ou andarem mais de carona, a quantidade de veículos nas ruas cai e o meio ambiente agradece. No caso das residências, se os chamados “puxadinhos” não forem irregulares, de acordo com os padrões ditados pela Engenharia, quem ganha é a sustentabilidade e, por conseguinte, toda a população.

Recentemente, inclusive, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) passou a disponibilizar em seu site a cartilha Construções e Reformas Particulares Sustentáveis, onde podem ser encontradas dicas para que qualquer cidadão possa aplicar em sua obra materiais, serviços e processos construtivos alinhados com a ótica das soluções sustentáveis, também conhecidas como “eficientes” ou “inteligentes”. Ao contrário do que muita gente pensa, essa não é uma realidade distante e pode, muito bem, ser aplicada em moradias populares.

Para qualificar profissionais
Em Salvador, Bahia, considerada a “capital nacional dos puxadinhos”, a Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (Sucom) chegou a sugerir que instituições de Ensino Superior que possuem cursos de Engenharia pudessem dar assistência técnica aos cidadãos menos favorecidos, uma vez que a intervenção do engenheiro é fundamental para que o projeto – ou a expansão dele – seja bem-sucedido.

Por aqui, na semana que passou, a Universidade Católica de Pelotas (UCPel) lançou novas graduações, que já estarão disponíveis aos estudantes no próximo Vestibular de Verão. Uma delas atende pelo nome de Engenharia Ambiental. O novo curso terá como foco formar um profissional apto na resolução de problemas pontuais envolvendo obras e na correção de impactos ambientais, com habilidades e competências características de um projetista. O engenheiro ambiental formado pela UCPel também terá a capacidade de dar orientação ecológica na elaboração e execução de projetos de engenharia. Com certeza, as atribuições desse profissional não se resumirão à fiscalização de obras como as citadas nessa reportagem. Mas, certamente, os simpatizantes dos puxadinhos terão um apoio a mais para cultivar a tradição da melhor forma.

Taís Brem