Sua majestade, o bolo

Guloseima mais esperada das festas, os bolos podem ter candidatos a substitutos, mas nunca saem de moda

Bolo foi produzido por Iris Martini (Foto Edson Beline).
Bolo foi produzido por Iris Martini (Foto Edson Beline).

“Onde já se viu casamento sem bolo?”. O questionamento indignado veio dos lábios da advogada Elaine Bierhals, 60, ao saber que a filha e o genro estavam pensando na possibilidade de economizar um pouco trocando o tradicional prato por docinhos mais modestos na festa de casamento. Isto não quer dizer, exatamente, que não haveria bolo. O planejamento até que incluía um artificial, para figurar nas fotos. Mas, com o puxão de orelhas, a jornalista Raquel Bierhals, 31, e o futuro engenheiro elétrico Alexandre Weymar, 27, refletiram e resolveram acatar o palpite de Elaine.

“Pensamos melhor e achamos que seria interessante ter o bolo, sim”, disse Raquel. “Não considero que esteja fora de moda, acho que é um simbolismo interessante. Outras coisas podem ser adaptadas, dependendo do estilo do casal, mas, em termos de casamento, há coisas que devem ser mantidas. E, afinal, consideramos que ter bolo combinaria conosco”.

É bem provável que os convidados do casamento de Raquel e Alexandre, que ocorre no início de novembro, fiquem felizes ao saber da decisão. Pelo menos, a maioria deles. A designer Elisa Cavalheiro, 30, prestigiará a cerimônia, mas não é daquelas que fazem questão de não dar adeus a uma festa antes do partir do prato principal. “Adoro chocolate, mas bolos não amo tanto assim. Prefiro um docinho, tipo brigadeiro, bem-casado, camafeu…”.

Estilos variados
Assim como Elisa (acredite!), tem quem não seja apaixonado por bolos e apele para variações, muitas vezes, até curiosas. Para além dos docinhos, como os clássicos quindins e bombons de morango, por exemplo, e os mais recentes cupcakes, há outras opções para quem investe em inovar, trazendo para o centro da mesa tendências tão curiosas, como o bolo de hambúrgueres que foi servido num casamento de americanos, há um tempo. Dizem que muita gente já copiou a ideia por aí. “Isto é porque eles ainda não provaram o bolo da dona Iris”, comentou, via Facebook, o administrador Marco Antônio Soares, 42, ao tomar conhecimento da bizarra notícia.

Iris trabalha com confeitaria há mais de 20 anos (Foto: Arquivo Pessoal).
Iris trabalha com confeitaria há mais de 20 anos (Foto: Arquivo Pessoal).

A senhora a que ele se refere é ninguém menos que dona Iris Schafer Martini, 68, uma verdadeira autoridade na arte de confeitar. Não é exagero comparar os bolos produzidos por ela a obras de arte. As doçuras que dona Iris faz não apenas servem, mas enfeitam comemorações de todos os tipos – de aniversários infantis a bodas de ouro, de chás de panela a festas de formatura. O resultado são anfitriões e convidados mais que satisfeitos. “A maioria dos meus fregueses volta sempre”, disse.

Adriano e Veridiana Bica (Foto: Arquivo Pessoal).
Adriano e Veridiana Bica (Foto: Arquivo Pessoal).

A também administradora Veridiana Bica, 39, é um exemplo disto. Ela já havia tido um bolo feito pelas mãos de dona Iris na comemoração de sua formatura, em julho de 2009. Seu então noivo, o empresário Adriano Bica, provou o doce e foi paixão à primeira mordida. Logo, quando combinaram a data do casamento, concretizado em novembro de 2011, não tiveram dúvidas. “Como fizemos uma cerimônia em casa, queríamos um bolo bem bonito. Valeu pelo carinho e pela dedicação dela”, relatou a administradora. “Ela é muito profissional, humilde e atenciosa. Seus bolos têm detalhes caprichados e sabores marcantes”.

Ele – o bolo do casamento de Adriano e Veridiana – fez uma viagem considerável: saiu de Videira, no oeste de Santa Catarina, onde reside dona Iris, em direção a Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, de ônibus. Depois, partiu pelos ares para a capital do Rio de Janeiro, local de residência do casal e de realização da cerimônia. E chegou inteiro. O trajeto foi longo. Entretanto, Veridiana e o marido sabiam que valia a pena passar certo transtorno e topar o desafio em vez de fazer a encomenda num lugar mais perto de casa.

Confeiteira-padrão
Dona Iris trabalha confeccionando bolos há mais de 25 anos. Embora esta não tenha sido sua única profissão – antes de casar, no ano de 1972, já havia trabalhado como costureira –, ela garante que não se enxerga atuando noutra área. “Adoro o que faço e gosto de todas as minhas receitas e bolos”, afirmou, orgulhosa do que ela chama de suas “obras-primas”.

Na definição de dona Iris, o segredo está na paciência e na dedicação com que executa suas receitas. Segundo ela, seu ingresso no segmento começou, praticamente, sem que ela percebesse. “Comecei fazendo bolos e cucas para uma amiga e outra e, depois, fui me dedicando, aos poucos”. Ao ser questionada sobre o que mais lhe cativa em sua rotina, ela não consegue apontar somente um fator. “Gosto de tudo, não tem o que escolher. Como trabalho sozinha, preciso fazer desde as compras, até lavar a louça e confeccionar os bolos. Sou responsável por tudo”, disse.

Clara e dona Iris (Foto: Fabiana Soares).
Clara e dona Iris (Foto: Fabiana Soares).

Mãe de duas moças e um rapaz, dona Iris, naturalmente, passou um pouco de sua experiência para os filhos. Mas, nenhum deles optou por seguir o mesmo caminho profissional. A neta Clara, de dois anos, todavia, já demonstra certo interesse em ajudar a avó. “Ela gosta de recortar e fazer florzinhas para enfeitar os bolos e admira os trabalhos, falando: ‘Que liiiiindo, vovó!’”, comentou.

O talento de dona Iris é inegável, mas ela, humildemente, garante que todos os bolos que faz não têm somente o toque de sua habilidade, são sugestões dos próprios clientes. Atualmente, o Naked Cake (bolo que dispensa cobertura), Marta Rocha e Floresta Negra são os mais aclamados. Mas, é imprescindível alertar que o leitor não se empolgue. Seria, no mínimo, frustrante a qualquer reles mortal pegar as mesmas receitas que ela utiliza, aguardando obter o mesmo resultado.

Donas Iris, ao lado de um bolo feito para Bodas de Ouro (Foto: Arquivo Pessoal).
Dona Iris, ao lado de um bolo feito para Bodas de Ouro (Foto: Arquivo Pessoal).

Para que todo o trabalho de dona Iris, além de bom e bonito, seja organizado, ela mantém cada uma de suas encomendas detalhadamente anotadas. Quantos pedidos há registrados? “Só contando na agenda. Coisa que eu nunca fiz”. Mas, são muitos. E, em muitos casos, feitos pela mesma pessoa. Quer um exemplo? Temos vários: Veridiana, que teve um bolo de dona Iris em sua formatura e outro em seu casamento; Marco, que, também, teve a guloseima feita pelas mãos da confeiteira em sua cerimônia de matrimônio e, pela propaganda, intermediou encomendas para outros casamentos da família, aniversários e, até, comemorações empresariais; e fregueses que, para confirmar a preferência, já poderiam ter recebido um cartão-fidelidade. “Já fiz até bolos de pessoas que casaram, tiveram filhos, separaram e eu fiz o bolo do segundo, do terceiro casamento e de seus filhos”, mencionou a confeiteira. É muita história regada a glacê para contar sobre estas quase três décadas de trabalho.

Algumas das "obras-primas" de dona Iris (Foto: Arquivo Pessoal).
Algumas das “obras-primas” de dona Iris (Montagem: Fotos do Arquivo Pessoal).


Pelo lado de dentro
Não, esta reportagem não desvendará o segredo dos bolos produzidos por dona Iris. Porém, baseada na receita de um bolo simples de festa – que contém, basicamente, açúcar, manteiga, ovos, extrato de baunilha, farinha de trigo, fermento em pó, leite e chocolate -, a doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Ana Paula Wally, 33, comentou um pouco das principais características de cada um destes ingredientes.

raioxbolo

Taís Brem
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O apoio das estrelas

Candidatos aproveitam a influência das celebridades para arrebatar eleitores

Foto Orlando Brito
Aécio Neves recebe reforço de Ronaldo Nazário e Fafá de Belém (Foto: Orlando Brito).

Eles podem não ter arriscado concorrer a uma vaga para ingressar na vida política. Por outro lado, se dispõem a aproveitar a visibilidade que a fama lhes propicia para apoiar seu presidenciável favorito. A mesma tática de marketing vista no primeiro turno das Eleições 2014 (que, diga-se de passagem, não é exclusividade deste ano), está ainda mais explícita, conforme se aproxima o dia de definir quem, de fato, fica com o poder a partir de 2015. Chamar personalidades para participar das campanhas eleitorais pode ser um bom norteador aos indecisos. Porém, há quem veja com cautela esta postura.

Renan Vaz (Foto: Wilson Lima).
Renan Vaz (Foto: Wilson Lima).

O advogado Rodrigo Garcia, 33, é um desses. Ele diz reconhecer que o fato de pessoas públicas abrirem seu voto influencia,
sim, a muitos, mas garante não ser o seu caso. “De acordo com as besteiras que alguns falam para colaborar com a propaganda dos candidatos, às vezes, crio até uma antipatia pela celebridade em questão”, disse. O professor de Matemática, Renan Vaz, 29, também não encara a estratégia com bons olhos. “Eles se expõem pelo dinheiro, que, por sinal, não é pouco”, sugeriu, com desconfiança. “Mesmo o sistema sendo democrático, acho que nenhum artista deveria influenciar no voto da população. Pra mim, o voto é secreto”.

Embora vá justificar sua presença nas urnas no próximo dia 26 por estar se recuperando de um acidente, Vaz afirmou que também não faz parte daqueles que se deixam levar pelas dicas das celebridades. “Antes de votar, sempre leio tudo sobre o candidato, entro no site, vejo se ele possui a ficha limpa, quais são seus projetos e o que pretende fazer para melhorar mais nosso país”, enumerou. “Penso que, como eu, existem milhares de pessoas por aí. Logo, acho que os artistas não deveriam se expor tanto”.

David Coimbra: Influência não é tão grande quanto parece (Foto: Clic RBS).
David Coimbra: Influência não é tão grande quanto parece (Foto: Clic RBS).

O jornalista e escritor David Coimbra, 52, disse não ver problema algum em qualquer pessoa declarar o seu voto, seja ela famosa ou não. Entretanto, reconhece a possibilidade de uma celebridade mudar o voto de alguém. “Mas, acho que é menos do que se acredita que mude, até porque o posicionamento de muitos já é bastante conhecido. Todo mundo sabe que o Chico Buarque é petista, mesmo que ele diga que não é. Todo mundo sabe que o Lobão e o Roger são anti-PT”, disse. “O ideal, é claro, seria que o apoio de uma celebridade não mudasse o voto de ninguém, a não ser que ela desse argumentos bons o suficiente para que isso acontecesse. Mas, aí, estamos entrando no terreno do mundo ideal, que não existe”.

Foto: Arquivo pessoal
Thaís Carvalho (Foto: Arquivo pessoal).

Ideal, aliás, é o mesmo termo que a professora da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) Thaís Carvalho, 27, utilizou para exemplificar a sociedade formada por “cidadãos conscientes da importância de seu papel, não só no período eleitoral, mas em todas as decisões concernentes a sua cidade, seu bairro e seu país”. “Este tipo de atitude não teria a influência e nem a atenção que as campanhas eleitorais e a mídia lhe conferem atualmente. A despolitização do voto no Brasil passa pelo apelo sensacionalista de xingamentos chulos, pela exploração da vida pessoal dos candidatos, pelo apoio de pessoas públicas, dentre outras maneiras que desvinculam as eleições de um pensamento voltado ao bem coletivo e à construção da cidadania. Eu, particularmente, não mudo meu voto em razão do apoio desta ou daquela celebridade. O contrário (infelizmente) talvez aconteça: de o apoio político de determinado artista me decepcionar de tal maneira que eu jamais volte a vê-lo com o mesmo encantamento”, destacou Thaís, que é graduada em História.

A assistente social Adriane Vasconcelos, 42, demonstra mais flexibilidade. “Não posso julgar quando alguém utiliza essa postura para se expressar, porque cada um tem a capacidade de analisar aquilo em que acredita”, opinou. “A melhor propaganda, como já diziam nossos avôs, é o ‘boca-a-boca’. Mas, por que não melhorar isso trazendo para a população depoimentos de pessoas famosas, cujo símbolo de beleza está estampado nas novelas e nas capas de revistas? A propaganda eleitoral tem que ser renovada, já não bastam mais os santinhos. Hoje, o eleitor quer algo mais. E quando esse ‘algo mais’ vem acompanhado da imagem do galã da novela falando que vai votar nesse ou naquele candidato, isso faz diferença para muitos eleitores”, concluiu. “E é bom para a carreira deles, porque quem não é visto não é lembrado”.

Quem apoia quem?

Foto: Assessoria Dilma Rousseff
Para Lula, obviamente, Dilma é a candidata do povo (Foto: Assessoria Dilma Rousseff).

Além dos galãs e das beldades, esportistas, intelectuais, religiosos e, é claro, outros políticos, já fizeram questão de tornar pública a decisão que poderia ficar restrita apenas à urna eletrônica. “No primeiro turno, votei na Luciana Genro. Agora, voto na Dilma. Uma questão de coerência”, resumiu a cantora Marina Lima. Já o ator Dado Dolabella, criou polêmica ao comparar os eleitores da presidente atual a quem foi contaminado com o vírus ebola. “É digno de pena e reclusão da sociedade. Um marginal”, exclamou.

De um lado, estão figuras como a dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó, o lutador Anderson Silva e o ator Milton Gonçalves. De outro, aparecem a cantora Alcione, o técnico de futebol Vanderlei Luxemburgo e a atriz Marieta Severo. Até quem não vota no Brasil, aproveitou para dar o seu palpite. O ator americano Danny Glover, que é casado com a escritora brasileira Eliane Cavalleiro, destacou, em nota, o progresso do país durante o governo petista e, por isso, disse apoiar a reeleição de Dilma Rousseff (PT). Já a revista britânica The Economist publicou, na última semana, uma matéria favorável à candidatura de Aécio Neves (PSDB), o que, obviamente, contou com a rejeição do também petista e ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, o Lula. “Essa revista é a mais importante do sistema financeiro internacional, dos bancos, dos achacadores que dizem que são de investidores, mas que são exploradores. Pois bem. Qual é a resposta que temos que dar? Que o Aécio é candidato dos banqueiros? Ótimo. A Dilma é candidata do povo brasileiro”, rebateu.

Nesta terça-feira (21), a empresa Hollywood.TV, que tem filial no Brasil e é especializada em publicidade com celebridades, mediou um pseudo-apoio da modelo britânica Naomi Campbell e da atriz americana Lindsay Lohan à candidatura tucana. Em entrevista à Folha de São Paulo, Jairo Soares, um dos sócios da empresa, admitiu que, como vai votar em Aécio, “usou sua influência para conseguir os posts”, sem, contudo, envolver dinheiro na transação.

O professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Eduardo Silveira de Menezes, 30, escreveu, em 2010, um artigo a respeito do tema, intitulado Da estética do medo ao medo da estética. Nele, Menezes e seu então orientador de mestrado, Valério Cruz Brittos, comentaram o grau de espetacularização que os responsáveis por planejar e operacionalizar as ações de marketing político conferem ao processo eleitoral. “Embora estejamos vivenciando o momento histórico de maior crise das agremiações partidárias – o que se reflete na confusão ideológica da maior parte dos eleitores –, acredito que o eleitorado que se identifica com determinados artistas o faz justamente por endossar os discursos daqueles que toma como referência política ou cultural”, disse o professor, que, também, é jornalista. “A todo o momento a postura e o compromisso de cada uma dessas personalidades agregam ou afastam o público; eles criam adesões e as repelem na mesma medida em que manifestam suas opiniões. Nesse sentido, o PSDB certamente agrega um maior número de votos despolitizados. Dificilmente alguém que vota no Aécio por ser fã de Luciano Hulk, por exemplo, tem algum envolvimento com a militância política ou uma mínima compreensão da diferença crucial entre os dois candidatos”.

Eles vão de 13

Antônio Pitanga (Foto: Assessoria Dilma Rousseff).
Antônio Pitanga (Foto: Assessoria Dilma Rousseff).

– Henri Castelli, ator
– Negra Li,
cantora
– Emicida, cantor
– Sergio Loroza, ator e cantor
– Céu, cantora
– Xico Sá, jornalista
– Marcelo Yuka, músico
– Laerte, cartunista
– Zeca Baleiro, cantor
– Fernando Morais, jornalista e escritor

Eles preferem 45

Oscar Schmidt (Foto: Assessoria Aécio Neves).
Oscar Schmidt (Foto: Assessoria Aécio Neves).

– Rosamaria Murtinho, atriz
– Marina Silva, política
– Lima Duarte, ator
– Pastor Everaldo, político
– Eduardo Jorge, político
– Fagner, cantor
– Wanessa, cantora
– Leonardo, cantor
– Luiz Fernando Guimarães, ator
– Alexandre Frota, ator

Taís Brem
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Entre o consumismo e o desapego

Moda dos brechós on-line é uma das maneiras de incentivar o consumo sustentável

(Foto: Divulgação).
Artigos são vendidos pela Internet a preços simbólicos (Foto: Divulgação).

A bem da verdade, ela considera que colaboraria bem mais para o fim do consumismo – ou para uma diminuição significativa dele em sua esfera de convivência – se promovesse um troca-troca de roupas, calçados e acessórios com seus conhecidos. Mas, como um dinheirinho extra é sempre bem-vindo, a opção foi mesmo por organizar um brechó on-line. Na roda, entraram peças que a jornalista Nathalia King, 28, não usava mais e estavam ocupando o espaço que ela precisava esvaziar, em função da mudança para um imóvel menor. A quantidade de bens era grande, assim como foi a coragem de colocar em prática o tal do desapego, conceito que tem viralizado dentro e fora das redes sociais.

Jéssica trabalha com moda e sustentabilidade (Foto: Arquivo Pessoal).
Jéssica trabalha com moda e sustentabilidade (Foto: Arquivo Pessoal).

A estudante do terceiro semestre do curso de Design de Moda da Universidade Católica (UCPel) Jéssica Madruga acompanhou a onda dos brechós virtuais desde o começo em Pelotas, há uns dois anos, e acha iniciativas do tipo super positivas. Funciona assim: pelo Facebook ou outros canais semelhantes as pessoas expõem fotos de coisas que não utilizam mais – seja porque deixaram de servir ou não agradam mais – e colocam os objetos à venda. “No início, havia quem quisesse ganhar dinheiro mesmo com isso. Mas, depois, as pessoas passaram a se desfazer de suas roupas por um preço simbólico, apenas para fazer circular essas peças de um jeito não-agressivo para elas e para o meio ambiente”, disse ela que, além de trabalhar com projetos que aliam moda e sustentabilidade, é cliente assídua de brechós físicos, também. “Esses artigos, de certa forma, terão seu período de vida útil aumentado, não serão jogados fora, serão reaproveitados. E, enquanto isso, as pessoas continuam consumindo, mas de um jeito mais inteligente do que só focado no acúmulo desnecessário”.

Nathalia King (Foto: Arquivo Pessoal).
Nathalia King (Foto: Arquivo Pessoal).

Na calculadora de Nathalia, o “preço simbólico” a que Jéssica se refere varia de R$ 10,00 a R$ 30,00, não muito além disso. “Primeiro, doei muita coisa. Depois, o  objetivo foi vender as roupas para que elas fossem usadas por pessoas que realmente as apreciariam. Pelo menos, os preços são bem menores [que no comércio convencional] e ninguém se endivida”, disse, divertindo-se. “Admito que comprar dá uma sensação maravilhosa, mas, hoje em dia, não me considero mais uma pessoa consumista, como já fui – e muito!. A gente vai crescendo, amadurecendo e tendo novas prioridades. Aprendi que, economizando, posso ter conquistas bem maiores do que a compra de uma peça de roupa, por exemplo. E essa é a mentalidade. O primeiro passo é se livrar dos inúmeros cartões de crédito. Depois, passar a valorizar o que realmente é importante, sem esquecer de fazer aquela perguntinha: ‘Eu preciso disso mesmo?'”.

Blusa foi vendida no Brechó da Nath por R$ 15,00 (Foto: Arquivo Pessoal).
Blusa foi vendida no “Brechó da Nath” por R$ 15,00 (Foto: Arquivo Pessoal).

Consumo equilibrado
A também jornalista Yéssica Lopes, 23, diz não se considerar alguém consumista quando se trata do que ela chama de “bens materiais mais práticos”, como roupas e acessórios. “A maioria das minhas roupas é presente de família, que ganhei no aniversário, Natal…”, explicou. “Atualmente, só compro quando realmente não tenho outra escolha. Muitas peças da minha mãe me servem e isso facilita na hora de eventos mais formais. Já no sentido de ‘prazeres do dia a dia’, sim, me considero consumista. Prefiro andar a pé e de ônibus e poder beber uma cerveja todo dia a ficar pagando prestação de carro ou algo do gênero”.

Yéssica Lopes (Foto: Arquivo Pessoal).
Yéssica Lopes (Foto: Arquivo Pessoal).

Todo esse desprendimento deu um bom incentivo para que Yéssica também fizesse uso do Facebook para “comercializar” alguns itens que estavam sobrando em seu armário. Ou melhor: armários, no plural mesmo. “Morei cinco anos em Pelotas e, quando retornei a minha cidade natal, Rio Grande, estava praticamente com dois guarda-roupas completos. Então, separei umas cinco malas de roupa e doei quase tudo! Com algumas peças, eu tinha algum apego, como o vestido que usei na minha formatura de Ensino Médio, por exemplo. E fui enrolando”. Até que, há aproximadamente um ano, Yéssica atingiu seu limite de estresse por causa da dedicação extrema à carreira profissional. “Chegava a ser superior ao que eu dedicava a mim mesma. Então, comecei a encarar a vida de outra forma. A forma que encontrei de conseguir entregar peças bacanas às pessoas e receber um valor quase que simbólico pela troca foi a maneira que consegui desapegar de roupas que, em muitos casos, nem havia utilizado. Daí surgiu a ideia do brechó”, relatou.

Calça jeans foi um dos itens comercializados no brechó "Praticando o desapego" (Foto: Arquivo Pessoal).
Calça jeans foi um dos itens comercializados no brechó “Praticando o desapego” (Foto: Arquivo Pessoal).

Obviamente, sua atitude acabou beneficiando a ela mesma e, as economias que fez, geraram uma poupança em que ela deposita verba para viajar de vez em quando e aproveitar a vida. “O mundo anda uma loucura sem fim. Acredito que toda e qualquer ação que tente reduzir o consumo seja válida, do copo plástico ao sapato. Não serei demagoga a ponto de querer que todos se vistam da mesma forma todos os dias. Eu não faria isso. Mas, algumas ações caminham para o equilíbrio e isto sempre será benéfico, disse Yéssica. “Tenho uma linha de pensamento bem simples: tudo em excesso faz mal. Resta saber qual é o limite de cada excesso que carregamos”.

A voz das estatísticas
Se levarmos em conta o que diz a pesquisa de mercado divulgada pelo Instituto Euromonitor International, não dá para colocar o consumismo de um lado e o desapego de outro, taxativamente, por mais contraditório que pareça. Um relatório chamado As dez tendências globais de consumo para 2014, que veio a público no início do ano, mostra, entre outros dados, que as pessoas continuam em busca da boa e velha sensação de saciedade que acompanha a aquisição de um novo produto. Por causa disso, as tais compras por compulsão ainda não viraram comportamentos extintos. Entretanto, já é possível observar que esses mesmos consumidores estão muito mais atentos ao impacto que suas compras podem gerar na sociedade e no meio ambiente. A divulgação de notícias de marcas internacionais que fabricam suas peças às custas de trabalho escravo em países subdesenvolvidos, por exemplo, tem colaborado para que as pessoas revejam suas ações e busquem apoiar causas política e ecologicamente corretas.

Brincadeira sustentável

Suélen, Alonzo e Valquíria (Foto: Edyd Junges).
Suélen, Alonzo e Valquíria (Foto: Edyd Junges).

Os irmãos Alonzo, 8, e Valquíria, 6, estavam empolgadíssimos com a chegada do Dia das Crianças semanas antes de o calendário de 2014 marcar, de fato, o 12 de outubro. Por outro lado, os dois já tinham a consciência de que, assim como ganhariam presentes na data comemorativa, tinham a missão de separar alguns itens usados para trocar pelos novos integrantes de sua brinquedoteca particular. Há cerca de dois anos, esse é um trato que eles têm com os pais, o casal de comunicadores Edyd, 28, e Suélen Junges, 29. “Nós dois conversamos e achamos que a melhor forma de ensinarmos eles a não acumular coisas em vão era incentivar a doar”, disse o publicitário. “Não só no Dia das Crianças, mas no Natal ou nos aniversários deles, vamos até o baú de madeira onde eles guardam os brinquedos e, se vemos que há um acúmulo muito grande, separamos aqueles que ainda estão em boas condições para ‘passar para a frente'”, comentou. “De tempos em tempos, damos uma esvaziada no baú”. E todos saem ganhando.

Taís Brem
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O exemplo de Amália

Octogenária é destaque por ações de voluntariado em Canoas

Dona de casa trabalha com a comunidade há quatro décadas (Foto: Arquivo Pessoal).
Dona de casa trabalha com a comunidade há quase cinco décadas (Foto: Arquivo Pessoal).

 

Se um dia seu telefone tocar e, do outro lado, uma voz lhe convidar, com entusiasmo: “Vem comer peixe aqui em casa!”, pode desconfiar. Não que a anfitriã não tenha talento para preparar um prato à altura da empolgação do convite – muito pelo contrário. Mas, não seria precipitado dizer que se trata de uma piada. Uma piada com a cara da dona Amália. E o dia que esse ilustre convite veio ao seu encontro por via telefônica, deve ser dia de jogo entre o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense de dona Amália, e o Santos Futebol Clube, que ela prefere chamar de peixe. Pode conferir! Deve ser bem cedo. E, a essa hora, enquanto você recém está tomando ciência do que está acontecendo ao redor do universo, ela já está acordada há um bom tempo, a par das principais notícias divulgadas pela televisão, pelo jornal impresso e pelo bom e velho rádio. De onde, afinal, você acha que veio a informação que suscitou o espírito competitivo, confiante e piadista da nossa personagem?

Então, o leitor se pergunta quem é essa tal “dona Amália”. A pergunta é pertinente. Até porque, a resposta correta é “Amália Severo Gonçalves”. Entretanto, seu sobrenome também soa bem trocado por “Solidariedade”, “Benevolência”, “Caridade”, ou – quem sabe? – “Hospitalidade”. Não é à toa que a etimologia diz que seu primeiro nome vem do germânico “Amal”, que quer dizer trabalho. Em hebraico, também é essa a definição do título que se encaixa perfeitamente em sua personalidade: trabalhadora, ativa e diligente.

Trabalho voluntário sempre foi sua paixão (Foto: Arquivo Pessoal).
Trabalho voluntário tornou-se sua paixão (Foto: Arquivo Pessoal).

Essa é a dona Amália, do auge de seus 83 anos de idade. Natural da cidade gaúcha de Rosário do Sul e casada com o seu Agapíto Costa Gonçalves há respeitáveis 57 anos, ela é mãe de cinco filhos – Eliane Maria, César Luiz, Carmen Lúcia, Jorge Alberto e Cláudio Antônio – e avó de quatro netos – Gabriela, Daniel, Gustavo e Guilherme. Seu currículo profissional não contém nenhuma graduação, tampouco mestrado ou doutorado. Sua profissão, de fato? “Sempre fui dona de casa”, disse, com simplicidade. “Nunca pude trabalhar fora, porque tinha que cuidar dos meus filhos. Mas, comecei a achar que eu estava muito só dentro de casa e resolvi procurar uma entidade para poder ajudar outras pessoas”.

Foi aí que iniciou a história de dona Amália com o serviço voluntário. No ano de 1966, ela e a família já haviam se mudado para o município de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. Lá, dona Amália e outras mulheres com ideais semelhantes, se juntaram para criar uma instituição filantrópica, chamada Clube de Mães Maria Goretti. Ela entrou na iniciativa como sócia-fundadora e, na entidade, já transitou como tesoureira, secretária e presidente, sempre sendo exemplo para os demais. “Acho [o voluntariado] uma coisa muito boa. Quantas pessoas entraram ali para estudar, participar de um chá, um jantar, almoço, fazer uma vacina, um curso de corte e costura ou datilografia e cresceram muito? É muito gratificante”, afirmou.

Cristã, dona Amália optou por deixar sempre muito claros em suas ações os valores do amor, da caridade, da solidariedade e da família. Com o espírito humanitário que procurou transferir aos seus filhos e netos, nunca se negou a estender a mão ao necessitado. “Sempre colaborei”, disse, ao opinar que, se todo mundo fizesse alguma coisa por quem necessita, o mundo poderia ser melhor. “Sempre temos que ter um pouquinho de disponibilidade para ajudar aos outros”.

E dona Amália não é suspeita para falar do assunto: é habilitada. Afinal, são 48 anos atuando como líder comunitária. A gratificação não vem em forma de salário, em cédulas ou moedas, mas ela garante que sente muito recompensada e nem pensa em se aposentar das boas ações que pratica. Trabalhar pelo bem do próximo só lhe faz bem.

Reconhecimento
Em 1975, dona Amália recebeu uma homenagem por seu trabalho voluntário no Clube e foi eleita Mãe do Ano. De lá para cá, muitas foram as conquistas que acolheram com carinho a comunidade de Canoas e região. Ela já preparou café da manhã para crianças carentes, já intercedeu junto a instituições profissionalizantes pela implantação de cursos de capacitação, promoveu campanhas de solidariedade, movimentou uma verdadeira força-tarefa pela construção de uma nova sede para a igreja local, realizou rifas, chás e bazares beneficentes. Por meio de palestras, incentivou mulheres a serem exemplo como mães, esposas e cidadãs.

A partir de 1991, o Clube Maria Goretti transformou-se no Clube de Mães Amor e Paz, localizado na Sociedade Cultural e Beneficente Rui Barbosa. Lá, dona Amália começou como segunda tesoureira. No ano de 2001, foi eleita como conselheira junto ao Conselho Geral de Mães, chegando à presidência seis anos mais tarde. Crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, atendidos pela Casa do Pequeno Trabalhador, já receberam das mãos dela alimentos produzidos com carinho para fortalecer o corpo, alimentar a alma e alegrar o espírito. Seu talento também beneficiou a crianças abandonadas na Casa de Passagem, assim como os recém-nascidos do Hospital Nossa Senhora das Graças, que foram presenteados com enxovais confeccionados por amigos e parentes dessa senhora que não apenas se engaja, mas motiva parceiros a aderirem a essas causas mais do que nobres.

Dona Amália recebe honraria (Foto: Prefeitura de Canoas).
Dona Amália recebe honraria (Foto: Prefeitura de Canoas).

Recentemente, como presidente do Conselho Fiscal do Clube de Mães Amor e Paz, recebeu uma homenagem durante a comemoração dos 75 anos de emancipação política de Canoas. Ela e outras dez personalidades foram agraciadas com a Medalha Pinto Bandeira, honraria máxima concedida pelo município a cidadãos que se destacam em suas áreas de atuação, prestando relevantes serviços à cidade.

Taís Brem
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