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O meme do ano que mal começou

Página Diferentona passa de meio milhão de curtidas e vira febre na Internet
Página Diferentona passa de meio milhão de curtidas e vira febre na Internet


Caso 2016 terminasse neste exato momento, ao falar em retrospectiva, seria indispensável mencionar a página Diferentona como o meme do ano. Ela pode até soar chata e repetitiva depois de algumas postagens, mas o fato é que, agradando ou desagradando os internautas, não se fala noutra coisa na rede nos últimos dias. Trata-se de um deboche à exclusividade que algumas pessoas acham que têm em determinado assunto. “Só eu que faço papel de trouxa?”, “Só eu que nunca acampei?”, “Só eu que sofro nesta vida?” e “Só eu que amo frio?” são alguns exemplos das questões levantadas pela página e respondidas com muito bom humor. “Sim, só você. Diferentona. A rainha do gelo. A coração frio. Frozen. Toma aqui seu certificado de amante do gelo”, arrematou a postagem do dia 03 de janeiro.

Postagens ironizam supostas exclusividades (Foto: Divulgação)
Postagens ironizam supostas exclusividades (Foto: Divulgação)

Diferentona é uma página de humor, embora esteja definida como “Artes e espetáculos” no Facebook. Sua ilustração principal mostra uma versão da famosa deusa Vênus pintada por Botticelli, revirando os olhos, como tipicamente se faz quando se acha algo bizarro. A origem exata da brincadeira é desconhecida, mas é possível que tudo tenha começado no Twitter, quando a usuária @nicesthing, em novembro do ano passado, irritada com os comentários do tipo “será que eu sou a única pessoa que…”, respondeu: “Sim. Só tu. Just you. Pioneira. Inovadora. Vanguardista. 7 bilhão de pessoa [sic] no mundo mas VC”. O tuíte se espalhou e a brincadeira se expandiu, gerando a tal página do Face (que, enquanto este texto era escrito tinha mais de 700 mil curtidas), um perfil no Twitter (com 24,4 mil seguidores) e um no Snapchat, entre outras cópias, como as páginas Diferentona Indelicada e Esquisitona, para não citar as homônimas que seguem o mesmo padrão de posts. “A questão dos virais é sempre complicada, é muito difícil apontar os elementos que o constituem. Justamente por isso, tantas empresas falham tentando produzi-los”, explicou a jornalista e mestre em Letras, Taiane Volcan, 27. “Os virais são influenciados por um alinhamento de fatores, como momento histórico, padrões consideravelmente estáveis no ambiente da rede social e uma sacada que não pode ser nem simples demais, nem complexa demais, pois precisa se popularizar entre os diferentes grupos que constituem a rede”.

Embora faça tanto sucesso, tem quem esteja achando que Diferentona não durará muito mais, afinal as postagens já estariam soando enjoativas. Taiane, que atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e desenvolve pesquisas sobre discurso, humor e política em ambientes virtuais, considera que o fenômeno está seguindo um curso natural. “Um meme é um viral e sua tendência é não ter vida muito longa mesmo. Ele representa os quinze minutos de fama nas redes sociais. Todos atingem o seu ápice e depois tendem a enfraquecer. A página Diferentona está fadada a ter uma queda de popularidade, atingindo o seu ponto de estabilidade, que é quando uma página produz conteúdos interessantes, as pessoas acompanham e alguns [desses conteúdos], mais eventualmente, se destacam”, pontuou, ao citar que o mesmo processo ocorreu com outras páginas famosas, como Gina Indelicada, Dilma Bolada, Diva Depressão, entre outras.

Aproveitando a onda
Grande parte do público que curte e segue Diferentona não apenas aprecia as postagens, como interage, criando memes parecidos e ganhando, também, alguma notoriedade. Foi o que ocorreu quando a página brincou com a questão “Só eu não tenho celulite?”. Nos comentários, a usuária Fernanda Aquino fez a pergunta inversa, foi criativa na resposta e recebeu 104 curtidas. “Só eu que tenho celulite? Sim, só você. Miss queijo suíço. Xodó da Coca-Cola. Cratera lunar. A peneira humana. Brocada. Casa de cupim”. A atriz global Camila Pitanga confessou, em sua conta no Twitter, que até já entendeu como funciona a brincadeira, mas considera não ter a mesma habilidade. Os internautas não perdoaram. “Chegou a diferentona. Que não sabe fazer meme. A deslocada. Adultona”, disse um. “Só você, Camila. A pitanga estragada da pitangueira. A falsiane do Twitter. O palitinho premiado. A sensação do momento”, exagerou outro.

UFPel também valeu-se do meme (Foto: Divulgação)
UFPel também valeu-se do meme (Foto: Divulgação)

Além de reles mortais e celebridades, empresas e instituições
públicas também estão fazendo questão de aproveitar a deixa – a exemplo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), da Prefeitura de Olinda, do Governo do Rio Grande do Sul, do canal de TV paga Multishow, da marca de automóveis Jeep e da rede de varejo Ricardo Eletro. “No caso da Diferentona, existe uma estabilidade do uso de humor como forma de comunicação nas redes sociais que se apropria da capacidade do humor de comunicar e de tornar o que é comunicado mais palatável, pois permite brincar com essa questão da diferença de opinião e suaviza esse ambiente

Peça encomendada pela Prefeitura de Olinda (Foto: Divulgação)
Peça encomendada pela Prefeitura de Olinda (Foto: Divulgação)

de disputa que vinha pesando cada vez mais na rede, especialmente em função de discursos políticos e religiosos, bastante controversos e populares”, comentou Taiane. “Considero o Diferentona um viral extremamente importante, especialmente em um contexto de disputas discursivas tão ríspidas como tenho observado nas redes sociais. É um sopro de humor na nuvem de discursos de ódio da rede, que surge para nos lembrar que não somos os únicos que pensamos diferente, que sempre irão existir opiniões opostas e que, muitas vezes, é possível se divertir com isso sem necessariamente fazer um novo inimigo”.

Taís Brem
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*Texto publicado também no Observatório da Imprensa.

O apoio das estrelas

Candidatos aproveitam a influência das celebridades para arrebatar eleitores

Foto Orlando Brito
Aécio Neves recebe reforço de Ronaldo Nazário e Fafá de Belém (Foto: Orlando Brito).

Eles podem não ter arriscado concorrer a uma vaga para ingressar na vida política. Por outro lado, se dispõem a aproveitar a visibilidade que a fama lhes propicia para apoiar seu presidenciável favorito. A mesma tática de marketing vista no primeiro turno das Eleições 2014 (que, diga-se de passagem, não é exclusividade deste ano), está ainda mais explícita, conforme se aproxima o dia de definir quem, de fato, fica com o poder a partir de 2015. Chamar personalidades para participar das campanhas eleitorais pode ser um bom norteador aos indecisos. Porém, há quem veja com cautela esta postura.

Renan Vaz (Foto: Wilson Lima).
Renan Vaz (Foto: Wilson Lima).

O advogado Rodrigo Garcia, 33, é um desses. Ele diz reconhecer que o fato de pessoas públicas abrirem seu voto influencia,
sim, a muitos, mas garante não ser o seu caso. “De acordo com as besteiras que alguns falam para colaborar com a propaganda dos candidatos, às vezes, crio até uma antipatia pela celebridade em questão”, disse. O professor de Matemática, Renan Vaz, 29, também não encara a estratégia com bons olhos. “Eles se expõem pelo dinheiro, que, por sinal, não é pouco”, sugeriu, com desconfiança. “Mesmo o sistema sendo democrático, acho que nenhum artista deveria influenciar no voto da população. Pra mim, o voto é secreto”.

Embora vá justificar sua presença nas urnas no próximo dia 26 por estar se recuperando de um acidente, Vaz afirmou que também não faz parte daqueles que se deixam levar pelas dicas das celebridades. “Antes de votar, sempre leio tudo sobre o candidato, entro no site, vejo se ele possui a ficha limpa, quais são seus projetos e o que pretende fazer para melhorar mais nosso país”, enumerou. “Penso que, como eu, existem milhares de pessoas por aí. Logo, acho que os artistas não deveriam se expor tanto”.

David Coimbra: Influência não é tão grande quanto parece (Foto: Clic RBS).
David Coimbra: Influência não é tão grande quanto parece (Foto: Clic RBS).

O jornalista e escritor David Coimbra, 52, disse não ver problema algum em qualquer pessoa declarar o seu voto, seja ela famosa ou não. Entretanto, reconhece a possibilidade de uma celebridade mudar o voto de alguém. “Mas, acho que é menos do que se acredita que mude, até porque o posicionamento de muitos já é bastante conhecido. Todo mundo sabe que o Chico Buarque é petista, mesmo que ele diga que não é. Todo mundo sabe que o Lobão e o Roger são anti-PT”, disse. “O ideal, é claro, seria que o apoio de uma celebridade não mudasse o voto de ninguém, a não ser que ela desse argumentos bons o suficiente para que isso acontecesse. Mas, aí, estamos entrando no terreno do mundo ideal, que não existe”.

Foto: Arquivo pessoal
Thaís Carvalho (Foto: Arquivo pessoal).

Ideal, aliás, é o mesmo termo que a professora da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) Thaís Carvalho, 27, utilizou para exemplificar a sociedade formada por “cidadãos conscientes da importância de seu papel, não só no período eleitoral, mas em todas as decisões concernentes a sua cidade, seu bairro e seu país”. “Este tipo de atitude não teria a influência e nem a atenção que as campanhas eleitorais e a mídia lhe conferem atualmente. A despolitização do voto no Brasil passa pelo apelo sensacionalista de xingamentos chulos, pela exploração da vida pessoal dos candidatos, pelo apoio de pessoas públicas, dentre outras maneiras que desvinculam as eleições de um pensamento voltado ao bem coletivo e à construção da cidadania. Eu, particularmente, não mudo meu voto em razão do apoio desta ou daquela celebridade. O contrário (infelizmente) talvez aconteça: de o apoio político de determinado artista me decepcionar de tal maneira que eu jamais volte a vê-lo com o mesmo encantamento”, destacou Thaís, que é graduada em História.

A assistente social Adriane Vasconcelos, 42, demonstra mais flexibilidade. “Não posso julgar quando alguém utiliza essa postura para se expressar, porque cada um tem a capacidade de analisar aquilo em que acredita”, opinou. “A melhor propaganda, como já diziam nossos avôs, é o ‘boca-a-boca’. Mas, por que não melhorar isso trazendo para a população depoimentos de pessoas famosas, cujo símbolo de beleza está estampado nas novelas e nas capas de revistas? A propaganda eleitoral tem que ser renovada, já não bastam mais os santinhos. Hoje, o eleitor quer algo mais. E quando esse ‘algo mais’ vem acompanhado da imagem do galã da novela falando que vai votar nesse ou naquele candidato, isso faz diferença para muitos eleitores”, concluiu. “E é bom para a carreira deles, porque quem não é visto não é lembrado”.

Quem apoia quem?

Foto: Assessoria Dilma Rousseff
Para Lula, obviamente, Dilma é a candidata do povo (Foto: Assessoria Dilma Rousseff).

Além dos galãs e das beldades, esportistas, intelectuais, religiosos e, é claro, outros políticos, já fizeram questão de tornar pública a decisão que poderia ficar restrita apenas à urna eletrônica. “No primeiro turno, votei na Luciana Genro. Agora, voto na Dilma. Uma questão de coerência”, resumiu a cantora Marina Lima. Já o ator Dado Dolabella, criou polêmica ao comparar os eleitores da presidente atual a quem foi contaminado com o vírus ebola. “É digno de pena e reclusão da sociedade. Um marginal”, exclamou.

De um lado, estão figuras como a dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó, o lutador Anderson Silva e o ator Milton Gonçalves. De outro, aparecem a cantora Alcione, o técnico de futebol Vanderlei Luxemburgo e a atriz Marieta Severo. Até quem não vota no Brasil, aproveitou para dar o seu palpite. O ator americano Danny Glover, que é casado com a escritora brasileira Eliane Cavalleiro, destacou, em nota, o progresso do país durante o governo petista e, por isso, disse apoiar a reeleição de Dilma Rousseff (PT). Já a revista britânica The Economist publicou, na última semana, uma matéria favorável à candidatura de Aécio Neves (PSDB), o que, obviamente, contou com a rejeição do também petista e ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, o Lula. “Essa revista é a mais importante do sistema financeiro internacional, dos bancos, dos achacadores que dizem que são de investidores, mas que são exploradores. Pois bem. Qual é a resposta que temos que dar? Que o Aécio é candidato dos banqueiros? Ótimo. A Dilma é candidata do povo brasileiro”, rebateu.

Nesta terça-feira (21), a empresa Hollywood.TV, que tem filial no Brasil e é especializada em publicidade com celebridades, mediou um pseudo-apoio da modelo britânica Naomi Campbell e da atriz americana Lindsay Lohan à candidatura tucana. Em entrevista à Folha de São Paulo, Jairo Soares, um dos sócios da empresa, admitiu que, como vai votar em Aécio, “usou sua influência para conseguir os posts”, sem, contudo, envolver dinheiro na transação.

O professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Eduardo Silveira de Menezes, 30, escreveu, em 2010, um artigo a respeito do tema, intitulado Da estética do medo ao medo da estética. Nele, Menezes e seu então orientador de mestrado, Valério Cruz Brittos, comentaram o grau de espetacularização que os responsáveis por planejar e operacionalizar as ações de marketing político conferem ao processo eleitoral. “Embora estejamos vivenciando o momento histórico de maior crise das agremiações partidárias – o que se reflete na confusão ideológica da maior parte dos eleitores –, acredito que o eleitorado que se identifica com determinados artistas o faz justamente por endossar os discursos daqueles que toma como referência política ou cultural”, disse o professor, que, também, é jornalista. “A todo o momento a postura e o compromisso de cada uma dessas personalidades agregam ou afastam o público; eles criam adesões e as repelem na mesma medida em que manifestam suas opiniões. Nesse sentido, o PSDB certamente agrega um maior número de votos despolitizados. Dificilmente alguém que vota no Aécio por ser fã de Luciano Hulk, por exemplo, tem algum envolvimento com a militância política ou uma mínima compreensão da diferença crucial entre os dois candidatos”.

Eles vão de 13

Antônio Pitanga (Foto: Assessoria Dilma Rousseff).
Antônio Pitanga (Foto: Assessoria Dilma Rousseff).

– Henri Castelli, ator
– Negra Li,
cantora
– Emicida, cantor
– Sergio Loroza, ator e cantor
– Céu, cantora
– Xico Sá, jornalista
– Marcelo Yuka, músico
– Laerte, cartunista
– Zeca Baleiro, cantor
– Fernando Morais, jornalista e escritor

Eles preferem 45

Oscar Schmidt (Foto: Assessoria Aécio Neves).
Oscar Schmidt (Foto: Assessoria Aécio Neves).

– Rosamaria Murtinho, atriz
– Marina Silva, política
– Lima Duarte, ator
– Pastor Everaldo, político
– Eduardo Jorge, político
– Fagner, cantor
– Wanessa, cantora
– Leonardo, cantor
– Luiz Fernando Guimarães, ator
– Alexandre Frota, ator

Taís Brem
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No topo das preferências

Curso de Medicina permanece como mais disputado nos vestibulares

(Foto: Wilson Lima)
Índice de vestibulandos que escolhe a graduação é sempre alto (Foto: Wilson Lima)

Todo santo ano é a mesma coisa: é só verificar as listas dos cursos escolhidos pelos vestibulandos para testificar a imensa quantidade de pessoas que opta por cursar Medicina. Há quem, inclusive, faça um verdadeiro tour pelo Brasil, prestando provas do Oiapoque ao Chuí, na esperança de conseguir vaga em alguma instituição de Ensino Superior e, assim, realizar o sonho de exercer uma das profissões mais cobiçadas do mercado. Qual a motivação de tanto esforço? Pressão familiar? Busca por status? Retorno financeiro? Ou, puramente, vontade de ajudar as pessoas?

Maira concluiu a graduação em 1991 (Foto: Arquivo Pessoal)
Maira concluiu a graduação em 1991 (Foto: Arquivo Pessoal)

A diretora do Hospital Miguel Piltcher (HMP), Maira Piltcher, 47, é otimista. Para ela, que formou-se em 1991 pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel), a maioria das pessoas que busca a área médica como profissão o faz por vocação. “Infelizmente, temos aqueles que realmente procuram a Medicina pela questão financeira ou por imposição da família. O que é algo problemático, pois posso garantir que ninguém é feliz ou faz bem aquilo que não faz por amor. No caso da Medicina, isso não só acarreta problemas pessoais como pode atingir o paciente”, disse.

A vontade de poder ajudar o próximo, entender e aliviar seus problemas, unida à necessidade de levar adiante o negócio da família também acabou por guiar Maira ao caminho que segue até hoje. O lado positivo é que sua escolha não foi abafada por uma visão fantasiosa da profissão. Ter crescido no ambiente característico, vendo seu pai, o também médico Miguel Piltcher, trabalhar muito e viver a intensa correria de plantões e urgências, a preparou naturalmente para a movimentação cotidiana que viria a enfrentar. “Aquilo já me fascinava”, relembrou ela, que acabou escolhendo uma especialidade que não lhe permite muito
descanso: ginecologia e obstetrícia.

Partos são atividade rotineira no dia a dia de Maira (Foto: Arquivo Pessoal)
Partos são atividade rotineira no dia a dia de Maira (Foto: Arquivo Pessoal)
Etiene conclui curso no fim do ano (Foto: Arquivo Pessoal)
Etiene conclui curso no fim do ano (Foto: Arquivo Pessoal)

Curiosamente, foi, também, o lado movimentado da profissão – academicamente falando – que estimulou Etiene Dias, 28, a querer seguir carreira como médica. Ela se forma no próximo mês, pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg), e desde o início do Ensino Médio ficou fascinada pela possibilidade de trabalhar numa área que exige constante atualização. “Isso me atraia muito. Sei que muitas pessoas escolhem a área médica por esperar um bom retorno financeiro e algum status perante a sociedade. No meu caso, não pensei diretamente nisso, pois acredito que, quando se é um bom profissional, dedicado e competente, essas duas questões são uma consequência direta”, opinou.

Mudança de planos
Se Maira e Etiene sempre tiveram uma inclinação clara para a área da Medicina, com Carolina Malhão, 26, as coisas não foram definidas de forma tão simples desde o começo. Embora ingressar no curso mais disputado das faculdades fosse um sonho antigo, a vontade esbarrava no medo do vestibular e na ideia de que não conseguiria passar pela concorrência. Então, Carolina seguiu a profissão do pai: o jornalista Jorge Malhão. Depois de formada e tendo exercitado o talento genético tanto pelas ondas do rádio quanto pelas páginas do jornal, decidiu abandonar tudo e arriscar no seu sonho. “Ainda estou lutando para ter uma vaga na universidade, por isso não tenho muitos planos para depois de formada”, afirmou. Quando questionada sobre a possível razão para que a profissão de Medicina seja tão almejada pelos vestibulandos, Carolina comentou: “Claro que muitos são guiados pela vontade de fazer dinheiro. Mas, acredito que não há nada de errado disso, desde que não se abandone o humanismo tão necessário na profissão”.

Carolina deixou o Jornalismo para investir em seu sonho (Foto: Arquivo Pessoal)
Carolina deixou o Jornalismo para investir em seu sonho (Foto: Arquivo Pessoal)

Números
Raramente os altos índices de procura pelos cursos de Medicina nas instituições de Ensino Superior mostram alguma surpresa. De um modo geral, em várias regiões do país, do interior às capitais, o fenômeno observado é o mesmo: muita gente lutando pelas mesmas vagas. No início desse ano, por exemplo, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, registrou 451 candidatos inscritos para cada uma das vagas disponibilizadas para a graduação. Para 2014, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o índice é de 104 candidatos por vaga. Na Universidade Federal do Ceará, que tem a
sugestiva sigla “UFC”, a disputa também é acirrada: são 9.748 inscritos para 140 vagas. Já no processo que selecionará os novos alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para o próximo ano, há 57 candidatos disputando cada uma das vagas disponíveis para Medicina.

Em Pelotas não é diferente: nas duas universidades que oferecem o curso – UFPel e UCPel, a procura é bastante grande, tanto por estudantes daqui quanto por candidatos de outras partes do Brasil. Na Católica, por exemplo, que disponibiliza 90 vagas ao ano para a graduação, o índice de candidatos por vaga que era 22 em 2010 subiu para 36 em 2012.

Sonho familiar
Quando se fala em vida profissional dos filhos, para a maioria dos pais, o mais importante é que eles exerçam uma carreira que lhes deixe felizes. Mas, o desejo de um emprego que remunere bem também é um anseio. É o que mostra uma pesquisa feita recentemente pela rede social corporativa Linkedin. O levantamento, que colheu a opinião de 1.001 pessoas, mostra, ainda, que 35% dos entrevistados sonham em ver os filhos atuando como médicos ou como empreendedores, dirigindo o próprio negócio.

Taís Brem

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Meus parentes, meus vizinhos

Famílias que decidem morar juntas desenvolvem tradição que se perpetua por décadas

Parte da família Silveira reunida (Foto: Daniel Avellar)
Parte da família Silveira reunida (Foto: Daniel Avellar)


A irmã da funcionária pública Cristina Lameirão, 48, tinha um lote que media 12 por 30 metros no bairro Obelisco, em Pelotas. Sua família, então, resolveu comprar mais um, ao lado, do mesmo tamanho, e vender a metade para o irmão. Ele, por sua vez, vendeu parte do terreno para outra irmã. E a mãe, Erondina, 73, que morava no Areal, vendeu a casa para ficar mais perto dos filhos. O resultado de todas essas transações é que, atualmente, boa parte dos parentes de Cristina mora praticamente junta. São dez pessoas divididas em quatro casas, uma ao lado da outra.

A colaboração cultivada no ambiente familiar é citada como um dos prós dessa habitação coletiva, já que, embora sejam quatro residências, a família vive como se fosse uma só. “O bom é a segurança e a tranquilidade de saber que sempre tem alguém de confiança por perto, com quem se pode contar”, disse Cristina, que cursa o quinto semestre de Geografia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). E as situações que pedem ajuda dos parentes são as mais diversas: desde dar uma “olhadinha” para que a roupa que ficou estendida não molhe com uma chuva inesperada até emprestar um pouco de erva-mate quando acabou a matéria-prima para fazer o chimarrão doce que ela tanto gosta. E os contras? “Bom, a parte negativa, é que, às vezes, as crianças se ‘estranham’, mas, fora isso, família é tranqulio”, afirmou.

Uma ninhada de “lingoodles”
A residência dos Lameirão é grande. Tão grande que não tem apenas espaço para os seres humanos: os bichos também se beneficiam do local onde sempre cabe mais um. Entre os animais de estimação da família estão, pelo menos, as oito galhinhas e um garnizé que fazem companhia a dona Erondina, a gata Ágata (que, segundo Cristina, está em idade reprodutiva e “trabalha muito”), a tartaruga Zezinho, nove gatos, duas chinchilas, uma cocota e doze cachorros. A esses, Cristina atribuiu até um nome bem peculiar, a fim de identificar a raça que surgiu do cruzamento entre poodles e dachshunds, popularmente conhecidos como linguicinhas. “Chamo eles de ‘lingoodles’”, disse, orgulhosa. Todos os animais da família são amados, mas os lingoodles são especiais. A criação começou quando a filha de Cristina, ainda criança, sugeriu que a mãe recebesse um cãozinho em casa. E ela, que só tinha gatos até então, aceitou. Dali para diante, não parou mais. Um episódio curioso ocorreu na última virada de ano, quando, assustado por causa dos fogos de artifício, o cachorro Larguinho acabou se perdendo pela vizinhança. “Só fui notar que ele tinha sumido no outro dia, na hora da refeição, quando todos se juntaram para comer”, relembrou Cristina. Foi quando começou uma verdadeira saga pelos arredores, em busca do animalzinho. Quando encontrou, não conteve a emoção. “Os vizinhos devem ter achado que eu estava louca, gritando o nome dele, de tanta alegria”, disse. “Mas, não era loucura! Era uma mãe que tinha reencontrado seu filho”.

Condomínio familiar

Nilza e Maurício demonstram satisfação em ter a família por perto (Foto: Arquivo Pessoal)
Nilza e Maurício demonstram satisfação em ter a família por perto (Foto: Arquivo Pessoal)

Quem avista a casa de Maurício, 89, e Nilza Silveira, 87, pelo lado de fora, não imagina quantas peças tem, verdadeiramente, o terreno localizado no bairro Simões Lopes. Nem quantas pessoas ele abriga. Afinal, mesmo que a residência adquirida nos anos 1980 não seja moradia atual de todos os filhos, netos e demais frutos da árvore genealógica do casal – o que inclui sobrinhos, genros, noras –, ao longo de toda a história da casa na posse da família, já passaram por lá nada mais nada menos que 18 pessoas. Hoje, sobram oito: além de Maurício e Nilza, três filhas do casal, dois netos e um genro.

Entrando pelo corredor principal, é possível avistar as janelas que dão para o quarto do casal, para o quarto da filha mais nova, a assistente de lares, Margaret, e para o cômodo de hóspedes, fora a sala de visitas. Logo acima da cozinha, da sala de jantar, do banheiro e da área de serviço, há as três peças que fazem as vezes de casa para a outra filha, a funcionária pública, Luiza. E, mais ao fundo, o lar da filha mais velha, a costureira Maria Carmen, de seu marido, o pedreiro Itamar, e dos dois filhos, o militar Lucas e a fiscal de caixa, Jaqueline. Os “Silveira Garcia” ocupam, portanto, sete peças divididas em dois andares. O terreno ainda acomoda um pátio, onde fica o cachorro da raça cocker Rafú, e o chamado “quartinho”, local em que a família costuma colocar aquilo que já não serve para estar dentro de casa, mas, também, não está totalmente preparado para ir pro lixo.

Jaqueline (D), com a mãe e o cunhado, na frente de casa (Foto: Arquivo Pessoal)
Jaqueline (D), com a mãe e o cunhado, na frente de casa (Foto: Arquivo Pessoal)

A opinião dos patriarcas da família é semelhante à de dona Erondina: para eles, estar com os filhos, netos e demais parentes por perto é um privilégio. Para eles… “O ponto negativo é que, morando juntas, as pessoas acabam se metendo umas na vida das outras. Mas, o positivo é que, para qualquer imprevisto que aconteça, há um suporte. Família é insubstituível”, comentou Jaqueline, ao acrescentar que pretende, assim que possível, ter a sua casa própria. “Se eu tiver essa opção, prefiro ter a minha independência”.

Pode ser que não seja tão privativo o espaço de Jaqueline na casa de seus avós. Mas, dentre os prós e contras das famílias que moram juntas num só pátio está o fato da responsabilidade social na construção civil. Afinal, em vez de consumir mais matéria-prima e construir diversas casas, muitos brasileiros optam por esticar um pouco aqui, outro pouco acolá e aproveitar cada centímetro quadrado de seus terrenos, reduzindo o impacto ambiental. É quase a mesma lógica da diminuição de carros nas ruas para conter a poluição. É fato que a maioria gostaria de ter seu automóvel próprio. Entretanto, se as pessoas passarem a utilizar outros meios de transporte – como a bicicleta, por exemplo – ou andarem mais de carona, a quantidade de veículos nas ruas cai e o meio ambiente agradece. No caso das residências, se os chamados “puxadinhos” não forem irregulares, de acordo com os padrões ditados pela Engenharia, quem ganha é a sustentabilidade e, por conseguinte, toda a população.

Recentemente, inclusive, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) passou a disponibilizar em seu site a cartilha Construções e Reformas Particulares Sustentáveis, onde podem ser encontradas dicas para que qualquer cidadão possa aplicar em sua obra materiais, serviços e processos construtivos alinhados com a ótica das soluções sustentáveis, também conhecidas como “eficientes” ou “inteligentes”. Ao contrário do que muita gente pensa, essa não é uma realidade distante e pode, muito bem, ser aplicada em moradias populares.

Para qualificar profissionais
Em Salvador, Bahia, considerada a “capital nacional dos puxadinhos”, a Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (Sucom) chegou a sugerir que instituições de Ensino Superior que possuem cursos de Engenharia pudessem dar assistência técnica aos cidadãos menos favorecidos, uma vez que a intervenção do engenheiro é fundamental para que o projeto – ou a expansão dele – seja bem-sucedido.

Por aqui, na semana que passou, a Universidade Católica de Pelotas (UCPel) lançou novas graduações, que já estarão disponíveis aos estudantes no próximo Vestibular de Verão. Uma delas atende pelo nome de Engenharia Ambiental. O novo curso terá como foco formar um profissional apto na resolução de problemas pontuais envolvendo obras e na correção de impactos ambientais, com habilidades e competências características de um projetista. O engenheiro ambiental formado pela UCPel também terá a capacidade de dar orientação ecológica na elaboração e execução de projetos de engenharia. Com certeza, as atribuições desse profissional não se resumirão à fiscalização de obras como as citadas nessa reportagem. Mas, certamente, os simpatizantes dos puxadinhos terão um apoio a mais para cultivar a tradição da melhor forma.

Taís Brem

Uma senhora propaganda

Costume saudável de beber água mineral pode influenciar gerações

Ana Paula, em visita a Israel, com a inseparável garrafa d'água (Foto: Arquivo Pessoal)
Ana Paula (D), em visita a Israel, com a inseparável garrafa d’água (Foto: Arquivo Pessoal)


Ninguém lembra ao certo o motivo que desencadeou o hábito – pode ter sido para aliviar o esforço que o uso contínuo da voz causava às cordas vocais ou para melhorar o funcionamento dos rins. O que se sabe é que funcionou e contagiou muitas pessoas. Às vésperas de completar 45 anos, a pastora do Ministério Casa de Oração (MCO) e empresária carioca Ana Paula Oliveira Guimarães, pode não ter mais idade de garotinha. Mas, o vigor e a disposição que esbanja têm muito a ver com a mania que cultivou de sempre carregar junto a si uma garrafa com água mineral. Mesmo que a embalagem seja daquelas grandes, de um litro e meio. E cada vez que ela aparece bebendo o seu líquido precioso, faz uma “senhora propaganda” do produto do qual muitos desconhecem os benefícios.

Ana Paula mora em Pelotas, no Rio Grande do Sul, há mais de uma década. E foi nesse período, em que reside em terras gaúchas, que o filho mais velho, Paulo Roberto, 23, aconselhou-a a começar a tomar água mineral. “Eu não lembro bem, ao certo, como começou essa história da água. Mas, realmente, ela influenciou muita gente. Especialmente eu, que dei o conselho e depois comecei a seguir minha própria ideia”, disse.

O gosto da carioca pelo produto é tão intenso que ela ingere apenas uma marca específica. E, dado ao paladar aguçado, sabe discernir se o lote em questão está “bom” ou não. “A água que ela toma é de uma fonte distinta, como todas as águas minerais de boa qualidade, mas essa foi a que acabou agradando”, comentou Paulo.

Ariadne e Paulo, tomando gosto pela água mineral (Foto: Arquivo Pessoal)
Ariadne e Paulo, tomando gosto pela água mineral (Foto: Arquivo Pessoal)

Também pastor, cantor e recepcionista da Beit Immanuel, em Tel Aviv, Israel, Paulo estudou Louvor e Adoração por dois anos no Centro de Treinamento Missionário Diante do Trono (CTMDT), em Minas Gerais. Enquanto esteve por lá, recebeu, por várias vezes, a visita da família. E foi uma grande sensação para os colegas perceber em sua mãe o hábito incomum de carregar a garrafa de água mineral a tiracolo. Comprovados os benefícios do hábito, até os colegas de Paulo passaram a ingerir mais o líquido, principalmente durante as apresentações da banda formada pelos alunos do Seminário. “Eu via todo mundo tomar muita água e acabei pegando essa fase de influência por causa do Paulo, que carregava uma garrafa de um litro e meio direto”, disse a agora acadêmica de Dança da Faculdade de Artes do Paraná (FAP) Ariadne Cunha, 25.

Carioca passou a carregar garrafas maiores para suprir o hábito (Foto: Arquivo Pessoal)
Carioca passou a carregar garrafas maiores para suprir o hábito (Foto: Arquivo Pessoal)

Saber que sua mania saudável faz discípulos diverte Ana Paula. “Amo a verdadeira água da vida. Esse é o ‘top’ do percurso, que me faz mergulhar mais profundo nesse estilo, gerando vida e influenciando nossa geração a desfrutar saúde, respirando”, comentou. “Para mim, água tem sabor de vida pura”.

Também pudera. Encher uma embalagem de PVC com água da torneira ou mesmo do filtro é fácil. Mas, cumprir à risca o protocolo de realmente beber água mineral, não é coisa que se veja em qualquer esquina. Infelizmente. “A água mineral é uma água naturalmente abundante em sais. Ela provém de nascentes onde o solo é rico em sais minerais”, explicou a professora Eva Regina Lemos, técnica em Química pelo Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IF-Sul) e graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), ao acrescentar que considera que as pessoas tomem água por ser uma necessidade do corpo humano, mas não aproveitam os benefícios que a mineral pode trazer à saúde por falta de conhecimento do assunto.

A marca que Ana Paula costuma ingerir é classificada como radioativa e, portanto, possui propriedades calmantes, além de contribuir na dissolução de cálculos renais, melhorar a digestão e aliviar cólicas estomacais e intestinais. Existem, ao todo, 11 classificações diferentes de água mineral, com várias contribuições à saúde, como a carbogasosa, indicada para repor energia; a iodetada, que combate inflamações na laringe; e a ferruginosa, que pode, inclusive, ajudar no combate à anemia.

Águas e águas
Nem tudo o que é incolor, inodoro e insípido é a mesma coisa. Saiba a diferença.

Water DropletsÁgua potável – De acordo com Eva, esse é um tipo de água que sofre tratamento físico e químico para que se torne apta para o consumo;

Água filtrada – “A água filtrada passa por um tratamento físico que é a filtragem. Se for feito em água potável, esse processo retira algumas partículas sólidas que podem ser adquiridas na tubulação do serviço de saneamento básico até a residência onde está o filtro”, disse a professora. “Existem, também, filtros especiais que retiram o resíduo de cloro da água, como o filtro de carvão ativado”;

Água mineral – Entre os sais presentes na água mineral estão o cálcio, que auxilia no combate à osteoporose, o cromo, que regula taxas de açúcar no sangue, o magnésio, que previne a hipertensão, e o bicarbonato, que controla o nível de acidez estomacal. Conforme a Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais (Abinam), todas as etapas de produção – da captação à venda ao consumidor –, obedecem a rigorosos padrões nacionais e internacionais de higiene, o que garante efetiva contribuição à nutrição e à saúde do organismo. “A diferença básica entre a água mineral com gás e a sem gás é que a água com gás tem adição de gás carbônico, enquanto a outra tem apenas os sais minerais”, esclareceu Eva.

Taís Brem

Design de exclusão

Produtos de apelo inusitado e criativo fazem sucesso no mercado, mas esquecem de contemplar o público negro

avental

Em tempos de design criativo, só consome produtos com cara de convencionais quem quer. Para os mais despojados, divertidos e, até mesmo, autênticos, há materiais com ar de exclusividade que dão um toque especial à decoração da casa ou do próprio corpo. Existem lojas físicas especializadas no ramo, mas é na Internet que os adeptos dessa moda fazem mesmo a festa. Nesse contexto, encontra-se de tudo, inclusive artigos com estampas que simulam a transparência do corpo, que estão no topo das novidades. Um fato, no mínimo, curioso, é que, na maioria das vezes, tais materiais são produzidos apenas para quem tem a pele branca. E descobrir se isso ocorre por uma inocente falta de noção da indústria ou por uma demonstração escancarada de preconceito racial é motivo de debate.

A tendência está nas luvas térmicas que ilustram mãos cheias de anéis; nos aventais divertidos, que sugerem que o cozinheiro está com o barrigão à mostra; e nas camisetas sensuais cuja estampa simula um corpo feminino sarado trajando apenas top – ou um corpo masculino, musculoso e tatuado. Até as grávidas podem usufruir das novidades. Um dos modelos para esse público é uma blusa listrada com o desenho de um bebê no centro, como se espiasse através de uma persiana o mundo que, logo, logo será seu novo lar.

Analista de mídias sociais acha que produtos deveriam ser mais abrangentes
“Viver as diferenças é tendência”, disse Trecha (Foto: Wilson Lima)

Entre o público, há quem diga nunca ter percebido que, “coincidentemente”, esse nicho do mercado parece ter esquecido os consumidores negros. “Nunca havia parado para pensar sobre isso, mas, é possível acreditar que a indústria está sendo racista”, opinou o analista de mídias sociais Ranieri Trecha, 22. “Eu acredito que ter o olhar sobre a diversidade é ver a oportunidade de mercado para diferentes segmentos e fazer com que todos se sintam parte do ‘todo’ sempre, e não somente na hora de comprar. Viver as diferenças é tendência. Se eu não fosse branco, logicamente iria querer comprar produtos com a minha cor. O preconceito está em não querer ver a possibilidade que existe em diversificar os produtos, afinal vivemos numa diversidade de estilos, raças e crenças”.

Para a formanda do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) Tamires Mendes, 21, talvez o equívoco da indústria do design não esteja sendo proposital, mas não deixa de ser uma atitude que merece atenção. “Eu acredito que é uma falha enorme eles produzirem vários produtos que têm o desenho de membros do corpo humano somente para brancos. Não quer dizer que pessoas negras não possam usar esses produtos, mas fica estranho usar algo que simula um corpo diferente do seu”, comentou. “Espero que as pessoas mudem a forma de pensar e vejam que nós somos todos iguais e que devemos ser respeitados e tratados com dignidade”.

Com a palavra, os profissionais
De acordo com a designer Ingrid Scherdien, 27, conhecer as particularidades do usuário do artefato que está sendo produzido é fundamental para o sucesso de qualquer ideia. “Projetos de design necessitam de uma clara definição do público-alvo ao qual se destinam. Partindo desse princípio e observando esses produtos que brincam com a ‘transparência’, percebe-se que os negros certamente não são o público-alvo dessas peças. Afirmar o racismo com exatidão é complicado, mas, é possível dizer, com certeza, que esse posicionamento é, no mínimo, excludente”, disse. “O comparativo não é exato, mas seria algo como relacionar a produção de roupas que geralmente são feitas nas medidas corpóreas dos mais magros a um preconceito com os mais gordinhos. Ouso ampliar essa percepção para a grande maioria das indústrias, não só de produtos criativos. Talvez, as empresas não considerem os negros como consumidores em potencial, pensando que não é apropriado colocar algo específico em produção que, ao final, não terá saída. Esse mercado ainda não conseguiu absorver a ideia de que os negros possuem plena capacidade de ascender social e financeiramente e consumir tais produtos, assim como todas as outras pessoas”.

"Discurso não deve ser apenas dos afrodescendentes", disse Tereza.
“Discurso não deve ser apenas dos afrodescendentes”, enfatizou Tereza (Foto: Wilson Lima)

Tereza Duarte, 38, que leciona disciplinas de Design no Campus Pelotas – Visconde da Graça (CaVG) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IF-Sul) e na UCPel, concorda que a comunidade negra não seja cogitada como possível consumidora desses produtos, mas demonstra encarar o tema com mais complexidade. “Enquanto educadora, vejo que ainda temos muito que lutar e avançar nas discussões para que o valor e a cultura do negro sejam mais presentes, em todos os segmentos”, disse, ao sugerir que o assunto não se trata de síndrome de inferioridade ou autocomiseração. “Isso não pode ser apenas um discurso dos afrodescendentes, e acredito que seja este o grande problema: falta, ainda, a sensibilidade e o comprometimento de todos (negros e não-negros) sobre a importância das questões étnico-raciais”, pontuou Tereza, que é formada em Artes Visuais – Habilitação Desenho pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e mestranda em Design pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter), em Porto Alegre.

Teoria e prática
Em 2010, a publicitária e sócia da Tr3s Comunicação Total Danielle Gonzales, então diretora de arte da Agência Experimental de Publicidade da UCPel (Agente), participou da concepção da campanha para a divulgação do Vestibular da universidade. A principal peça da ação era um álbum de figurinhas com ilustrações representando os possíveis alunos da instituição. Danielle, que desenhou todos os personagens, procurou contemplar as diferentes raças no projeto, acolhendo a sugestão dos demais colegas. “Procurei fazer um número parelho de ilustrações para cada raça; lembro que tinha uma menina ruiva, tinham negros, loiros, morenos e um japonês, também. Nos morenos, fui variando o tom da cor de cabelo desde preto até castanho claro, e também os tons de pele, para que o maior número de pessoas pudesse se identificar com as figurinhas”, relembrou. “Creio que os dados estatísticos a respeito das populações negra e branca tenham números bem equilibrados. Pensando assim, não teria porque fazer essa distinção e ofertar produtos apenas para os consumidores brancos”.

Um exemplo da distinção a que Danielle se refere é um case para iPhone que estampa uma mão e uma orelha. O propósito do produto é criar a ilusão de ótica de que, ao atender ao telefone, o indivíduo está apenas levando a mão junto ao rosto. Na página da Internet onde é comercializado, o artigo tem seis apresentações diferentes, sem que nenhuma, porém, faça alusão à raça negra. “Pelo menos uma dessas opções poderia representar um negro, porque, aí, não se enquadraria a desculpa de dificuldade de produção. Pode ser que as empresas tomem essa atitude por considerar uma opção mais barata e por achar que a massa de consumidores se enquadra no ‘padrão pele branca’”, sugeriu Danielle.

Também publicitária e gestora de eventos, Adriana Cunha, 22, vê todo esse processo como um reflexo de valores, como o racismo e o machismo, que são passados para a sociedade com o propósito de atingir determinado objetivo de venda. Muitas vezes, de forma tão enraizada que é aceito como normal. “Mas, preciso, também, falar que vejo um movimento contra isso tudo, uma tentativa de mudança”, ressaltou. “Hoje, estamos mais tolerantes que há anos atrás. Acredito que é um processo em que a publicidade pode e deve ajudar. Os questionamentos que surgem com relação a essa questão e as pessoas que já veem além acabam gerando propagandas com o objetivo de questionar, chocar e tentar alertar para uma possível transformação”.

Sentindo na pele
Em 1994, a modelo internacional e mulher do músico David Bowie, Iman

Modelo criou sua própria linha de maquiagens em 1994
Modelo criou sua própria linha de maquiagens em 1994

Abdulmaji, resolveu lançar sua própria linha de maquiagem. O motivo: cansou de ir às sessões de fotos, encontrar apenas maquiagens ideais para pele branca e ser obrigada a praticamente posar mascarada nos trabalhos em que comparecia. Hoje, Iman não trabalha mais como modelo, mas, é executiva-chefe da própria empresa, que, aliás, vende seus produtos para cerca de duas mil lojas mundo afora, além da Internet.

A história de sucesso de Iman pode, muito provavelmente, ter dado certo por ter sido iniciativa de alguém que sentia literalmente na pele a dificuldade de ser ignorada no universo dos cosméticos. Quase vinte anos depois, empresas do ramo já têm linhas específicas para afrodescendentes, inclusive aqui no Brasil. Mas, basta um olhar mais apurado para perceber que a dica para que os demais segmentos da indústria sigam o mesmo exemplo permanece necessária.

Taís Brem