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“Tudo isso me entusiasma para caprichar ainda mais”

Blog Quemany relembra entrevista feita em 2010 com o vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo desse ano

Nilson Mariano (Foto: Arquivo Pessoal)
Nilson Mariano (foto) e os colegas José Luís Costa, Humberto Trezzi e Marcelo Perrone conquistaram o prêmio (Foto: Arquivo Pessoal)

Na última semana, o jornal Zero Hora venceu a principal categoria da 58ª edição do Prêmio Esso de Jornalismo pela reportagem “Os arquivos secretos do coronel do [Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna] DOI-CODI”, que trouxe à tona episódios sombrios da história do período militar no Brasil. Em homenagem a um dos responsáveis pelo prêmio, o jornalista Nilson Mariano, o Blog Quemany publica neste sábado uma entrevista feita em 2010 com o repórter. Na ocasião, Nilson conversou conosco sobre a série comemorativa “52 Histórias que Não Acabaram”, que semanalmente publicou o retrato atual de histórias que marcaram época no periódico ao longo de seus 46 anos.

Blog Quemany – Como surgiu a ideia de criar a série?
Nilson Mariano – A ideia foi do diretor de Redação de ZH, Ricardo Stefanelli, que propôs reunir 52 histórias marcantes veiculadas no jornal e me chamou para executá-la. Não é uma mera volta ao passado, porque é necessário que tenha havido uma surpresa no decorrer do período. É uma série jornalística de histórias humanas.

BQ – De que forma as histórias foram escolhidas?
Nilson – A escolha dos personagens começa na sessão de arquivo, onde um profissional pesquisa jornais antigos e elenca, numa lista, os fatos que mais lhe saltaram à vista. O próximo passo é apurar como essas pessoas vivem hoje e o que fazem. Desde que o projeto começou, abriu espaço para as mais diversas histórias: de uma ex-paranormal que hoje sofre de câncer a um ladrão de carros regenerado; do curioso caso do morador de Santo Ângelo que calça 59 à cidade que, inteira, se rendeu ao desafio de emagrecer.

 

O caso de Ludwig foi um dos mais repercutidos (Foto: Arquivo ZH)
O caso de Ludwig foi um dos mais repercutidos (Foto: Arquivo ZH)

BQ – Tem algum caso em específico que tenha lhe chamado mais atenção?
Nilson – Todas elas me surpreenderam. Difícil dizer qual a que mais gostei; é algo subjetivo.

BQ – Em alguma das histórias houve resistência por parte dos personagens em tocar novamente no assunto que fora notícia? Como vocês lidam quando há uma reação negativa?
Nilson – Lembro um caso de um peão de Rosário do Sul que ganhara na loteria. Como virou fazendeiro, e está rico, ele temeu perder a tranquilidade. No lugar dele, faria o mesmo. A melhor forma de lidar com resistências do tipo é respeitar.

BQ – Como tem sido o retorno do público? 
Nilson – Tem sido melhor do que o esperado. Isso é medido pelos acessos na zerohora.com, no Facebook, pelos e-mails, telefonemas e até por cartas. Inclusive, muitos leitores sugerem histórias. Tudo isso me entusiasma para caprichar ainda mais.

Taís Brem

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“Pretendemos não parar tão cedo”

Vencedoras do Torneio Arriba Léli Aguiar de Pádel falam sobre planos futuros

Vannine e Graciella Anselmo (Foto: Arquivo Pessoal)
Vannine e Graciella Anselmo (Foto: Arquivo Pessoal)

Graciella e Vannine Anselmo são irmãs. Com 28 e 25 anos, respectivamente, a farmacêutica e bioquímica e a publicitária cresceram acostumadas a acompanhar os jogos de pádel na quadra que o pai alugava para praticantes do esporte. Com a aproximação, surgiu a afinidade e hoje, embora não se considerem profissionais, elas têm até alguns títulos para comemorar em família, como o primeiro lugar conquistado no Torneio Arriba Léli Aguiar, no início desse mês. Em entrevista ao Blog Quemany, as meninas compartilham um pouco do que aprontam em dupla nas quadras.

Blog Quemany – Quando e como começou o interesse de vocês por esse esporte?
Vannine Anselmo – O interesse pelo esporte começou desde que éramos pequenas. O nosso pai tinha quadras de pádel para alugar, então, crescemos com o esporte. Começamos a jogar com 10 e 13 anos, praticamos o esporte por uns três anos, até que teve um grande declínio e o pessoal parou de jogar. Agora, faz sete meses que retornamos aos treinos e torneios e o esporte está voltando ao seu auge, como era antigamente, com vários ex-padelistas voltando a jogar.

BQ – Recentemente, vocês ficaram em primeiro lugar em um campeonato. Que competição foi essa?
Vannine – O torneio aconteceu no pádel e Academia Winners e alguns jogos no Dunas Clube e foi organizado pelo professor Billy Knorr, em homenagem à jogadora de pádel pelotense Léli Aguiar [que está afastada das quadras, se recuperando de uma lesão no pulso]. Jogamos e ganhamos cinco jogos, incluindo a final. No jogo da final, perdemos o primeiro set de 6 x 2, ganhamos o segundo de 6 x 3 e o tie-break de 10 x 7.

BQ – Vocês são profissionais há quanto tempo?
Vannine – Não nos consideramos profissionais, porque jogamos pádel por prazer. Apenas participamos dos torneios da cidade e região há sete meses, quando retornamos ao esporte.

Meninas voltaram à prática do esporte há sete meses (Foto: Arquivo Pessoal)
Meninas voltaram à prática do esporte há sete meses (Foto: Arquivo Pessoal)

BQ – Quais são os prós e contras de jogar em família?
Vannine – Na verdade nós vemos mais prós do que contras. O único contra é que, como temos muita intimidade, podemos falar, reclamar e xingar na quadra por algum erro, mas isso acontece poucas vezes. Inclusive, temos um acordo que, quando houver alguma briga, não vamos mais jogar juntas para não virar algo mais sério. Os prós é que jogamos no mesmo horário, participamos dos mesmos torneios, viajamos juntas, temos o mesmo grupo de amigos e podemos comemorar juntas quando ganhamos algum jogo.

BQ – Vocês têm planos para o futuro como jogadoras?
Vannine – Temos planos de participar de mais torneios tanto no estado como fora dele, o que ainda não foi viável. Pretendemos não parar tão cedo, pois é um esporte que gostamos muito de praticar e no qual fizemos muitos amigos.

BQ – Quantos títulos vcs já têm?
Vannine – Quando éramos mais novas, já tínhamos alguns títulos, mas não lembro exatamente quantos. Agora, com o retorno, temos dois títulos de campeãs.

Taís Brem

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“A escola precisa preparar cidadãos responsáveis”

Projeto Direito na Escola trabalha conscientização ética e moral desde a adolescência

Projeto é desenvolvido desde agosto (Foto: Divulgação)
Ação é desenvolvida desde agosto (Foto: Divulgação)

Não se trata de induzir os jovens a seguir carreira como advogados. É apenas uma tentativa de aproximar os alunos de quinta e sexta séries do Ensino Fundamental da percepção do Direito no cotidiano, em ações simples, como ceder lugar para alguém no ônibus. Por meio do projeto Direito na Escola, uma equipe desenvolve a iniciativa desde o mês de agosto na Escola Técnica Estadual Professora Sylvia Mello, em Pelotas. Responsável pela aplicação das disciplinas, a integrante do projeto e acadêmica de Direito da Faculdade Anhanguera Cássia Soares, 33, contou ao Blog Quemany como está sendo a experiência.

Blog Quemany – Do que trata o projeto?
Cássia Soares – O projeto visa apresentar aos alunos o mundo do Direito, fazer com que eles vejam a saúde, a educação, a ética, a moral pelo prisma do Direito. Numa determinada aula, por exemplo, discutíamos sobre um fato que ocorre no ônibus: ceder lugares que são reservados por lei e ceder lugares que não são reservados por lei. O que seria moral e o que seria Direito? Foi uma aula muito animada, pois os alunos saíram surpresos em perceber que o Direito está nas atitudes e ações do dia a dia. Noutra oportunidade, analisamos o que é pluralismo jurídico. Pegamos como exemplo a autoridade do pai que diz ao filho que deve passar de ano na escola, caso contrário será castigado. É um poder exercido com coercibilidade, mas sem a intervenção do Estado. O pai é a autoridade e ele mesmo aplicaria a sanção. Eles saíram da aula dizendo que em sua casa tem pluralismo jurídico, rindo e aprendendo a perceber o mundo que os cerca por mais um prisma.

Disciplinas são ministradas na Escola Sylvia Mello (Foto: Divulgação)
Disciplinas são ministradas na Escola Sylvia Mello (Foto: Divulgação)

BQ – Como surgiu a ideia de implantá-lo?
Cássia – A implantação de algo que ajudasse as pessoas a ver “mais longe” era uma inquietação pessoal. Tomei a atitude quando, em uma aula de História do Direito, com a professora Ana Clara Henning, a minha venda caiu. Decidi trabalhar para aumentar a criticidade de outras pessoas. O caminho é a escola, pois nela concentra-se o ensino, a preparação para a vida profissional e adulta. Preparar os jovens com temas do tipo é o mínimo. Creio que a escola ainda precisa ir mais longe, preparar cidadãos responsáveis, ter na base curricular assuntos que abrangem lei de trânsito, Maria da Penha, tributos… Claro que numa linguagem didática, própria para a idade. Mas, preparar para o futuro é essencial.

BQ – Como ele funciona? Qual o período de execução?
Cássia – O projeto funciona uma vez por semana, às sextas-feiras, numa turma-piloto do sexto ano, num período de 45 minutos. O projeto tem duração de seis meses.

BQ – Quem é o público-alvo da ação? Como está sendo a receptividade?
Cássia – O público-alvo são os estudantes a partir do quinto ano, que foram bem receptivos. Alguns pais, porém, não entenderam, acharam “bobagem” ver esse assunto na quinta série. “Isso é bom para quem vai fazer Direito”, disse uma mãe, bem brava.

BQ – Qual o principal objetivo do projeto e sua contribuição para a comunidade pelotense?
Cássia – Além da conscientização pessoal, o objetivo é multiplicar o conhecimento adquirido. Depois das lições, os alunos produzem cartazes e anexam nos murais da escola, atingindo toda comunidade escolar. Certa vez, tivemos uma palestra com dois policiais militares e um estudante de Direito, dirigida aos alunos de quinta a oitava série. Os alunos praticaram uma ação ética e moral, leram uma parábola e interpretaram, como contadores de história, aos alunos da Educação Infantil. A comunidade pelotense sai ganhando, porque passa a conhecer aquilo que não sabia e, então, usa esse conhecimento para facilitar a sua vida e a dos outros.

Taís Brem

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“Eu realmente não esperava por isso”

Publicitário se surpreende com sucesso de projeto que indica pronúncia correta de marcas estrangeiras

Forma abrasileirada de marcas famosas são divulgadas no projeto (Foto: Divulgação)
Página divulga forma abrasileirada de marcas famosas (Foto: Divulgação)

É praticamente um serviço de utilidade pública. Por meio do Facebook e do Tumblr, o redator curitibano Gustavo Asth, 26, auxilia os internautas a pronunciar corretamente o nome de marcas estrangeiras. O projeto teve início há apenas dois meses. De lá para cá, a iniciativa já tem quase nove mil fãs e inspira, também, as próprias marcas a fazer suas versões abrasileiradas, como a rede de lanchonetes Burger King, que, dia desses, postou em sua Fan Page a forma certa de falar o nome de um dos sanduíches de seu cardápio. Nesse rápido bate-papo com o “Blogue Kêmani”, Asth conta um pouco de como está sendo essa experiência e admite: o sucesso superou suas expectativas.

Burger King embarcou na brincadeira (Foto: Divulgação)
Burger King embarcou na brincadeira (Foto: Divulgação)

Blog Quemany – Como surgiu a ideia de criar a página Como Fala?
Gustavo Asth – A ideia veio de observar as pessoas falarem o nome de algumas marcas dos jeitos mais diferentes possíveis. São marcas que estão na boca do povo, que fazem parte do nosso cotidiano, mas que a gente nem sempre sabe pronunciar corretamente.

BQ – As expectativas foram superadas?
Asth – O que começou como uma brincadeira, ganhou destaque rapidamente. Em apenas dois meses de existência, a página #ComoFala já acumula mais de 150 mil acessos. Foi engraçado ver meus amigos compartilhando a página sem nem saber que era minha. Agora, recebo dezenas de sugestões todos os dias. Eu realmente não esperava por isso!

Página tem quase nove mil fãs (Foto: Divulgação)
Página tem quase nove mil fãs (Foto: Divulgação)

BQ – Quantas pessoas integram o projeto?
Asth – Eu e meu amigo, o diretor de arte Pedro Falcão, encarregado de “layoutar” as marcas.

BQ – Dá para dizer que a página é uma sátira à forma errada que as pessoas têm de falar o nome das marcas ou é mais uma crítica ao estrangeirismo exagerado na publicidade?
Asth – Não se trata de crítica a estrangeirismo nenhum, longe disso. É apenas uma forma irreverente de ajudar as pessoas a falarem do jeito certo.

Taís Brem

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“A discriminação como regra e a igualdade como exceção”

Tese sobre falta de educadores negros em Pelotas discute desigualdade racial

Pesquisa comprova falta de docentes negros na cidade (Foto: Divulgação)
Pesquisa comprova falta de docentes negros na cidade (Foto: Divulgação)

“Uma análise sobre o discurso da desracialização da docência negra em Instituições de Ensino da Cidade de Pelotas-RS”. Esse é o título da pesquisa realizada pela doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Católica de Pelotas (PPGL/UCPel) Olga Maria Lima Pereira. Nessa entrevista ao Blog Quemany, Olga explica como sua pesquisa pode ajudar a trazer à tona reflexões sobre a situação dos negros no contexto educacional pelotense, não apenas como professores, mas, também, como alunos.

Blog Quemany – Do que trata o seu trabalho, especificamente?
Olga Maria Pereira – O projeto nasceu de uma certa inquietude e de uma busca constante por desconstruir certas histórias que, de tão sedimentadas, tendem a construir, em relação aos negros e seus descendentes, uma única e distorcida história. Por isso, quando escolhi, como tema principal da pesquisa, refletir sobre o discurso da desracialização da docência negra em algumas instituições de ensino da cidade de Pelotas, o fiz por compreender que o mito da democracia e harmonia racial entre negros e brancos, tão aclamado em nosso país, representa apenas uma forma confortável de negação do negro como cidadão de fato e de direito. Por mais que seja angustiante constatar certas verdades que permeiam as relações raciais na cidade de Pelotas, não podemos entrar no conformismo do velho ditado que sempre nos diz que “as coisas sempre foram assim”, que “até têm negros que são encontrados em alguns cargos de chefia, direção etc” e que “em nossas escolas (como não?) há professores negros, sim, senhor!”. No entanto, sabemos que a realidade que nos é apresentada no cotidiano é muito diferente das sutis afirmações de confraternidade e oportunidade entre negros e brancos. Como negar que em nossas instituições de ensino a ausência de docentes negros é um fato e não uma utopia? Como fingir que em nossas escolas o contingente de alunos e professores brancos ,de forma desproporcional, anula a pequena parcela de alunos e docentes negros ? Como desconsiderar a realidade socioeconômica dos negros em nossa cidade e continuar negando um racismo e uma discriminação velada, porém, facilmente identificada? A ausência e a invisibilidade de negros em nossas escolas são realidades escancaradas e jogadas a zonas de total silenciamento. Temos pouquíssimos professores negros em nossa cidade. E daí? Muitas vezes foi isso que ouvi! E o mais grave, na minha opinião, é que essa realidade tenha se naturalizado de tal forma que a impressão que se tem é que ninguém, ou poucos, procuram questionar os porquês dessas ausências justamente nos locais onde a educação e a reflexão deveriam ser sinônimos! Refletir sobre isso é mais do que um dever como pesquisadora: é uma atitude racional e humanizada. A sociedade precisa compreender que as sequelas deixadas em nossos irmãos africanos não podem mais ficar condenadas a uma fala distante, desprovida de atitudes transformadoras.

BQ – Como surgiu a ideia de abordar essa temática?
Olga – Desde minha adolescência, sempre participei de concursos literários sobre a abolição da escravatura realizados na cidade de Pelotas. Por isso, posso dizer que minha pesquisa começou antes mesmo que eu pudesse compreender que um dia ela se tornaria um instrumento reflexivo e de repúdio ao preconceito racial, tema tão caro e tão carente de políticas, verdadeiramente, reparatórias. Aliás, nunca consegui compreender porque o branco precisou anular tanto o negro para fazer sobressair sua vazia vaidade e soberania. Nas escolas, infelizmente, o que aprendemos foi a história do colonizador e, jamais, a história do colonizado – ou escravo, como queiram. Ensinaram-nos que um dia o país precisou ter escravos para escancarar seu desenvolvimento, porém, não nos fizeram refletir que esses escravos tinham uma cor e que essa cor serviu para justificar a desumanidade, fruto de um comércio farto de africanos sequestrados da África e jogados em solo brasileiro. O pigmento de uma pele foi a justificativa mais frágil que o branco arranjou para transformar o negro em escravo e rotulá-lo de ser desprovido de alma e de intelectualidade. No livro de Franz Fanon, “Pele negra, máscaras brancas”, o autor sintetiza essa realidade vivenciada por todos os negros: “Quando me amam, dizem que o fazem apesar da minha cor. Quando me detestam, acrescentam que não é minha cor. Aqui ou ali, sou prisioneiro do círculo infernal”. Essas inquietações foram me acompanhando e fortalecendo dentro de mim a incessante busca por tudo aquilo que me negaram tanto nas escolas como na própria academia: a verdadeira aprendizagem reflexiva sobre a outra história tão ausente nos livros didáticos e nos currículos escolares. Por isso, pensei: “Por que não aprofundar a pesquisa sobre essa ausência de alunos negros em nossos cursos de tecnologias? Por que não usar o mestrado como ferramenta reflexiva para me auxiliar a compreender como, de fato, se deu a trajetória desses alunos desde o seu ingresso até a colação de grau?

Poucos alunos negros chegaram à formatura (Foto: Taís Brem)
Poucos alunos negros chegaram à formatura (Foto: Taís Brem)

BQ – Como foi realizada essa pesquisa?
Olga – Fiz um recorte, de 2000 a 2008, de todos os alunos negros dos cursos de tecnologias do Campus Pelotas do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IF-SUL), traçando estatísticas sobre desistência, trancamento, reprovação, cancelamento e colação de grau. Nesses oito anos analisados, fiquei decepcionada e indignada ao perceber que o direito de todos à educação sinaliza apenas uma frase bonita que não condiz com a prática e o quanto a educação continua sendo traduzida pela cor e pela negação do outro que tornei diferente. Apenas oito alunos negros chegaram à colação de grau. Os demais ficaram dispersos nas estatísticas de reprovação, desistência, trancamento e cancelamento de matrículas por motivos de trabalho. Seria por que a intelectualidade é só dos brancos? Ou seria porque a maioria dos alunos negros precisavam dividir a escola com a família e o trabalho? Muitos diziam para mim (afinal, trabalhei por 28 anos no Departamento de Registros Escolares da instituição): “Gostaria muito de continuar o curso, ele é tudo de bom! Chego a me ver como um grande e notável profissional” ou “Seria legal ter um diploma e trabalhar numa grande empresa, mas tenho família e preciso levar o sustento pra casa. Chego tarde da escola e cedo tenho que ir trabalhar. Meu cansaço é tanto, que não estou conseguindo acompanhar as lições do curso”. Ouvindo certos depoimentos ficava me questionando por que temos que conviver com sutilezas de determinadas leis que, desde a escravidão, tendem a legalizar amparos desamparando os negros e seus descendentes. Essas reflexões foram se agigantando dentro de mim e foi aí que resolvi usar o doutorado para pesquisar sobre a significativa ausência de docentes negros nos espaços escolares.

BQ – Mesmo não sendo negra, de que forma você percebe o preconceito racial na área da docência em Pelotas?
Olga – O fato de eu não ser negra, de certa forma, me faz perceber melhor o quanto é significante esse preconceito. Aprofundando um pouquinho mais nossos olhares sobre o preconceito racial numa cidade cujas marcas da escravidão são identificadas pelo período charqueadense, podemos entender, ainda que nos custe, o quanto o negro foi abandonado às margens de periferias e bairros e o quanto o acesso à educação sempre foi privilégio de poucos e não direitos de todos, como rege a Constituição Federal. A ausência de alunos negros nas redes de ensino de Pelotas é o reflexo e a consequência de suas ausências como docentes nesses mesmos espaços que serviram para excluí-los.

Olga estuda na UCPel e trabalha no IF-Sul (Foto: Arquivo Pessoal)
Olga estuda na UCPel e trabalha no IF-Sul (Foto: Arquivo Pessoal)

BQ – Como sua pesquisa poderá contribuir para a comunidade pelotense na educação e na cultura?
Olga – Em primeiro lugar, como bem sinalizado pela escritora nigeriana Chimamanda Adchie, é importante que não tenhamos sobre os outros a versão de uma única história. Lamentavelmente, somos cônscios que os ensinamentos repassados tanto na escola como na academia sobre o negro e sua contribuição cultural ficaram à mercê de zonas de total silenciamento. Diria mais: o que desaprendemos sobre o negro foi tão forte que preexiste uma falsa concepção sobre sua cor que através dos séculos fragilizou e fragmentou sua identidade. O negro não se enxerga na história como ator portador de uma voz que o identifique. Ele foi e continua abandonado e relegado a povo sem memória. Meu propósito é instigar reflexões sobre temas tão caros que foram silenciados pela ganância e pelo poder desmedido. Ainda que a pesquisa seja apenas um grão de areia num imenso deserto chamado “consciência humana”, creio que, como um todo, ela trará interrogações a serem debatidas e aprofundadas sobre os diversos porquês que insistem em delimitar oportunidades tão estreitas ao exercício da docência negra em Pelotas. Espero, acima de tudo, que ao ingressarmos nesses espaços escolares, nossa sensibilidade aflore a indignação e, através desse desconforto, possamos refletir sobre o papel dessas instituições que naturalizando a ausência dos negros em suas cadeiras fortalecem sua cumplicidade e passividade discriminatória e racista. Se a educação tem como objetivo principal um olhar de acolhimento coletivo, onde estão nossos alunos e professores negros? Até quando os avanços das tecnologias serão maiores que as relações com o outro? Será que é tão difícil compreender que somos todos diferentes, independente do pigmento de uma pele, e isso jamais pode se transformar em motivo torpe capaz de magoar, ignorar e negar ao outro os direitos que dizem ser de todos? Até quando o negro precisará recorrer a todo tipo de lei que os ampare se, desde do período pré-abolição, nenhuma lei foi cumprida em sua integralidade? Como conceber que diante de uma imensa legislação o negro continue sendo discriminado pela cor e, também, por recorrer a tais amparos? Nossa cidade historicamente foi marcada pelo longo período charqueadense, onde o negro foi explorado e humilhado em troca de uma desumana jornada trabalho. No entanto, os casarões dos grandes charqueadores da época hoje servem de pontos turísticos que, ao ressaltar a preciosidade de nossa arquitetura, de forma adversa, silenciam as dores de centenas de negros que deram seu sangue em troca de uma vida miserável. Não temos como quantificar o sofrimento desses negros porque, na história, eles foram transformados em peças,mulas e coisificações múltiplas. A luta por uma igualdade de direitos continua maculando nossa sociedade que , de tantos preconceitos, acaba ratificando a discriminação como regra e a igualdade como exceção.

BQ – Os resultados da pesquisa já estão fechados? O que já pode ser divulgado até esse momento?
Olga – Os resultados ainda não estão fechados, porque utilizei a técnica dos questionários e os mesmos estão chegando a todo o momento. Posso sinalizar que as análises finais não serão capazes de amenizar o preconceito pela cor em nossa cidade que, de forma velada, mas identificada, continua fortalecendo a sensação de um “não-lugar” para negros e negras, sejam eles docentes ou não. A invisibilidade da cor sofrida pelo educador negro continua, tal como num passado não muito distante, a sequelar sua identidade, através de situações constrangedoras vivenciadas no exercício de sua docência. Infelizmente, a mentalidade que simboliza nossa cidade, carrega consigo uma educação fundamentada pela permanência de um branqueamento que ainda persiste em achar que negro numa instituição possa assumir qualquer cargo, menos o de professor. Essa mentalidade, por sua vez, reforça, também, no seu quadro discente um desrespeito por educadores negros. No entanto, tenho percebido que os intelectuais negros estão dispostos a reverter esse quadro lamentável. Esse desconforto está desencadeando uma reação de reversão à imagem depreciativa que sempre lhe impuseram e, isso, em minha opinião, será um grande momento que marcará para sempre a história da educação em nossa cidade.

Taís Brem

“É um estar no mundo diferente do que se tinha décadas atrás”

Pediatra Luiza Novaes explica as peculiaridades do desenvolvimento das crianças de hoje à luz da ciência

Afinidade com a tecnologia é principal diferencial das crianças atuais (Foto: Taís Brem)
Afinidade com a tecnologia é principal diferencial das crianças atuais (Foto: Taís Brem)

Elas estão, a cada dia, mais espertas. E isso não é apenas impressão sua. Realmente, “não se faz mais crianças como antigamente”. Nesta entrevista concedida ao Blog Quemany, a médica especialista em Pediatria Luiza Helena Vinholes Siqueira Novaes comenta de que forma a Medicina explica essa evolução do desenvolvimento infantil ao longo das eras. Médica do Hospital Universitário São Francisco de Paula (HUSFP), Luiza Helena é mestre em Saúde e Comportamento, doutora em Ciências da Educação e professora adjunta de Pediatria no curso de Medicina da Universidade Católica de Pelotas (UCPel).

Blog Quemany – Ao comentar a forma como as crianças demonstram desenvolvimento, as pessoas costumam dizer que antigamente “os bebês nasciam de olhos fechados e, hoje, só faltam nascer falando”. A ciência mostra que realmente há uma evolução das crianças de hoje em comparação às de antigamente ou é apenas impressão nossa?

Luiza Novaes (Foto: Wilson Lima)
Luiza Novaes (Foto: Wilson Lima)

Dra. Luiza Helena Novaes – A neurobiologia tem nos ajudado a entender este fato observável pelos pais. O cérebro é muito dinâmico, tem uma capacidade de reorganização de seus neurônios admirável, que sofrem amadurecimento e organização em diferentes tempos e etapas, e são influenciáveis pelo ambiente em que se insere a criança e sua família. Este fenômeno é conhecido por nós, médicos, como neuroplasticidade. Se compararmos o ambiente de algumas décadas atrás com o ambiente em que é hoje recebida a criança, notaremos mudanças marcantes em relação à luz, aos sons, aos movimentos, à dinâmica da família e da sociedade. Para exemplificar, antes a criança nascia, permanecia no hospital de três a quatro dias no ambiente escurecido, com todos se comunicando à meia-voz, interagindo com ela o mínimo possível para não excitá-la e perturbá-la. Hoje, se tudo bem, com 24 horas, um bebê está em casa, inserido no toque do celular, das fotos, da televisão, do barulho da rua, das luzes do dia e da noite, com a algaravia diária da casa, sem maiores restrições aos irmãos, familiares e amigos da família. Isto é saudável para o desenvolvimento neuropsicomotor e cognitivo da criança, desde que dentro de parâmetros equilibrados. O desenvolvimento infantil começa ainda na gestação e o que podemos e devemos é estimular o cérebro infantil desde muito cedo.

BQ – Como se dá essa “evolução”? Esse movimento é algo natural, de tempos em tempos?
Dra. Luiza – Esta “evolução” acompanha a evolução das sociedades, das diferentes culturas em que está inserida a criança, e é um fenômeno natural, assim como a nossa vida, cada dia mais nova, plena de novas descobertas e conhecimentos em todas as áreas, inclusive na área médica, que crescem de maneira exponencial e de forma muito rápida.

(Foto: Taís Brem)
Ligação com aparelhos eletrônicos é comum (Foto: Taís Brem)

BQ – Na sua percepção, como profissional, que diferenças são mais marcantes entre a geração atual de crianças e crianças que viveram em outras décadas?
Dra. Luiza – O que mais me chama a atenção é a capacidade da criança atual, em ainda tenra idade, ser capaz de mergulhar com tanta facilidade no mundo tecnológico do toque na tela ou no teclado e estar conectada aos seus e ao mundo, mesmo que distantes dela. É fato comum para ela comunicar-se com a mãe no trabalho via celular ou pelo computador, assim como com os avós, que moram no outro lado do mundo. É um estar no mundo diferente do que se tinha décadas atrás, que esperamos, trará benefícios para a criança e seu desenvolvimento, se usado com cuidado, sob supervisão e orientação. Os estudos, em um futuro muito breve, nos mostrarão o resultado e as implicações disso tudo.

BQ – Que fatores podem ser citados como aceleradores do desenvolvimento infantil?
Dra. Luiza – Não se é capaz de acelerar aquilo para o qual o cérebro da criança ainda não está pronto a realizar, mas podemos, sabedores de que haverá etapas de amadurecimento neurológico a serem vencidas, ofertar um ambiente e atitudes paternas e familiares, e, também, da sociedade onde se incluem a escola, a assistência médica, as entidades das quais a família participa, a própria mídia de qualidade, favoráveis a este desenvolvimento de qualidade. Ao início da vida da criança, é o afeto, o tempo de qualidade despendido com ela e o toque amoroso, que ensinam o amor e a confiança. Logo depois, o brincar, o “conversar”, o sorrir, a música, a descoberta dos objetos em suas diferentes texturas, dos diferentes cheiros que compõem a vida. Com mais idade, a movimentação ativa, a descoberta das palavras, das sentenças, das histórias, das letras, dos números e por aí afora. Oportunizar à criança estes contatos e estas experiências estimulará seu desenvolvimento, suas emoções e sentimentos, determinando mais confiança e coragem para sua vida.

Taís Brem