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As capas da derrota

Capa do jornal O Dia em 09/07/14
Capa do jornal O Dia em 09/07/14

Esqueça a ética e a imparcialidade. Pode dar adeus, também, ao bom senso. Afinal, antes de tudo, você é um torcedor brasileiro. Se os editores responsáveis pela capa de grande parte dos jornais nacionais dessem uma aula de como elaborar uma primeira página no último 09 de julho, com certeza essas dicas ganhariam ênfase especial.

Não foi um dia qualquer. Como bem sugeriu o Hora de Santa Catarina, o dia seguinte à amarga derrota da Seleção brasileira para a Alemanha na Copa que sediamos poderia ser chamado de “Quarta-feira de cinzas”. Realmente, os sete gols que levamos geraram um misto de frustração, vergonha e indignação. Porém, o que se viu no dia 09 mostrou a enorme capacidade da imprensa brasileira de não conseguir separar as coisas, enfatizando a máxima de que o futebol é mesmo uma paixão nacional. O negócio acabou, realmente, indo para o lado pessoal.

Se a escolha pela cor preta define bem o sentimento de luto que a torcida brasileira sentiu naquela quarta-feira, muitos foram os jornais que optaram por ela para cobrir suas capas. Uma das mais ousadas foi a do jornal Meia Hora, do Rio, que destacou a frase “Não vai ter capa” – fazendo um trocadilho com o famoso bordão “Não vai ter copa” – e justificou que os editores estavam abalados demais para pensar noutra opção de primeira página. Na contramão, o Lance deixou a capa em branco e sugeriu que os próprios leitores escrevessem nela o que sentiam após o fracasso da Seleção brasileira. Indignação, revolta, pena e frustração foram algumas das sugestões deixadas pela publicação.

Houve quem optasse apenas por palavras únicas de impacto em letras garrafais, como fiasco, vexame, ressaca. O Diário do Nordeste ainda destacou os números que ninguém conseguirá esquecer por um bom tempo: “Humilhação, 7 x 1”. E, logo após: “Foi duro. O placar diz mais que qualquer texto”. O Correio do Povo, de Porto Alegre, resumiu: “1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 x 1. Foi isso”.

O jornal NH conseguiu ser solidário com o nosso camisa 12. Mostrando o goleiro Julio César sentado, atonitamente, o periódico estampou na capa a frase: “Dizer o quê?”. E complementou: “Coitado, não teve o que fazer”. Já o Diário Gáucho desabafou: “6 era sonho. 7 é pesadelo”.

Dentre todos os veículos que aproveitaram para chutar o balde e colocar o sentimento de revolta na frente de qualquer princípio editorial, O Dia, certamente, foi destaque. “Vá pro inferno você, Felipão”, imprimiu, com fúria, a publicação na capa. “Ele ganha cerca de R$ 1 milhão por mês, é o maior garoto-propaganda do país, não treinou, escalou mal e substituiu errado. Foi responsável pela pior humilhação da Seleção em mais de um século de história. Semana passada, questionado sobre suas atitudes, ele disse: ‘Vou fazer do meu jeito. Gostou, gostou. Quem não gostou, vá pro inferno’”, concluiu.

Jornal Extra fez referência à Copa de 1950
Jornal Extra fez referência à Copa de 1950

Mas foi justamente desmistificando a que se considerava a nossa pior derrota como país-sede de um Mundial que o Extra e o Diário de Pernambuco conseguiram se diferenciar dos colegas. As alfinetadas à atual equipe, é claro, não ficaram de lado. Entretanto, o reconhecimento à Seleção de 1950 foi uma sacada interessante e criativa, que acabou virando homenagem. “Parabéns aos vice-campeões de 1950, que sempre foram acusados de dar o maior vexame do futebol brasileiro. Ontem, conhecemos o que é vexame de verdade”, disse o Extra. O Diário de Pernambuco optou pela frase “Barbosa, descanse em paz”, uma alusão à injusta culpa que o goleiro do Brasil na ocasião, Moacir Barbosa Nascimento, carregou até mesmo depois de sua morte, em 2000, por ter tomado dois gols do Uruguai em pleno Maracanã.

No mínimo, um bom material a ser discutido nos cursos de Jornalismo país afora.

Taís Brem
*Texto publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

 

Grande novidade

É como se tivesse virado regra: não precisa casar. Vive um tempo junto, para se ter re-al-men-te certeza do que se quer e, depois, casa. Todavia, se não der certo, separa. Mas, não apenas corporalmente. Divorciar-se, direitinho, com papel e tudo, está mais fácil. Agora, quem quer fazê-lo, só precisa desembolsar uns trocados – porque, de graça, nem injeção na testa – e dirigir-se a um cartório de notas. Lá, se encaminha tudo para que o casamento seja desfeito. Uma das únicas ressalvas é que não haja menores de idade envolvidos na tramitação. Porque somente cônjuges de fato responsáveis podem tomar uma decisão como essa.

Há duas semanas, o Jornal Hoje anunciou uma reportagem sobre o assunto. E, quando Sandra Annemberg deu a manchete, parecia até que era novidade. Mas, não. Divorciar-se não está mais fácil “agora”. Já era, desde 2007, quando saiu a lei que descomplica o processo para desfazer um casamento.

A matéria mostrada no telejornal teve como case uma moça que priorizou “ser feliz” e não pensou duas vezes para sair fora da relação matrimonial. Foi até um cartório e pronto: desfez os laços que outrora eram para sempre. As imagens mostravam uma mulher bem-resolvida. E uma criança pequena, provavelmente fruto da união que não deu certo.

Só alguns segundos depois é que ficou claro o que era, de verdade, tudo aquilo. Explicaram que a lei do divórcio rápido não é nada nova. O que sustenta que a notícia deveria ter sido sobre o aumento no número de divórcios do ano passado para este, conforme uma pesquisa divulgada há pouco. Essa, sim, que poderia ser considerada uma “novidade”, apareceu basicamente pincelada. Nem sei se alguém conseguiu entender do que se tratava. A abordagem foi tão confusa que, após o programa, quem procurou revê-la no site do JH, não a encontrou postada entre as matérias daquela edição. Talvez, a produção tenha se dado conta de que o chamariz deveria ter sido mais condizente com a real informação que seria passada. Antes tarde do que nunca.

Ah, e a menininha que apareceu enfatizando a ideia de que, na busca pela felicidade, os filhos são meros coadjuvantes, não era filha do primeiro casamento. Mas, do segundo, ocorrido dez anos depois, do qual a entrevistada diz não se arrepender. “Agora, é tudo diferente.” Fazemos votos que sim.

Taís Brem
*Texto publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

Rasa profundidade

Primeiro, a citação de um grande nome, para dar aquela ideia de pesquisa profunda. Depois, a súbita queda de nível. Ocorreu em dois programas de televisão, em duas emissoras diferentes, quando as apresentadoras tratavam de assuntos igualmente diversos. Mas, demonstrou ser uma fórmula bem utilizada no gênero. Na Rede TV!, a repórter entrevistava um desses MC’s que está no topo das paradas de sucesso. Durante o bate-papo, ela resolveu provar ao rapaz que ele não é o único representante do chamado estilo “ostentação”. “Primeiro, começou com Chico Buarque”, disse a moça, com certo ar de intelectualidade, ao referir-se ao compositor da música “Construção”, na qual um amor marcante é narrado, seguido de uma morte trágica.

Quem estava assistindo, até poderia pensar que a produção do programa havia gasto um tempo pesquisando o gênero a fundo entre os representantes de todo o tipo de música nacional – do funk à MPB. Mas, não. Foram até Chico e pararam por ali mesmo. Porque, depois, o que vieram foram os intérpretes de “Lepo-lepo” e companhia limitada. No mínimo, frustrante. Se Chico Buarque estivesse morto, com certeza, teria revirado no túmulo ao se ver incluso numa lista daquelas.

Mas, Adoniran Barbosa deve tê-lo feito quando Angélica, no Estrelas, resolveu listá-lo como uma das personalidades que têm “a cara de São Paulo”. Acontece que a loira caiu no mesmo erro que a colega da Rede TV!: iludiu a audiência com a ideia de uma grande pesquisa no tema, se valendo de uma citação relevante, para, depois, preencher a lista com personalidades mais rasas, como Ana Maria Braga e Serginho Groisman. Está certo que os dois têm seu prestígio artístico, além de serem globais, o que já garante um lugar na lista. Mas mostrou que a arrancada só serviu para tentar impressionar. Acredito que o telespectador se surpreenda com essas quedas bruscas. Ou se começa raso e se mantém o padrão, ou se inicia profundamente e continua fundo. Quente ou frio. Morno, não está pegando bem.

Taís Brem

*Texto publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

Elas não me representam


O conjunto de xícaras e pires que sua avó usava, a imagem do brinquedo que fazia sucesso entre seus coleguinhas ou a letra da música que fazia todo mundo dançar empolgadamente. Há inúmeras publicações nas redes sociais que, muito mais que provocar boas lembranças, fazem surgir, sobretudo nos remanescentes que foram crianças nos anos 1980 e 1990, uma agradável sensação de pertencimento.

É comum presenciar quem, ao se deparar com essas coisas, comece a puxar mais uma lista de símbolos que marcaram sua geração. As respostas ao clássico “O que você quer ser quando crescer” são um exemplo. Lembro que, nosso sonho, como meninas, variava entre ser professora, médica, bailarina e, é claro, o trio-maravilha “modelo-cantora-e-atriz”. Difícil achar quem não se identificasse.

Isso me faz ficar um tanto boquiaberta quando vejo ou escuto declarações como a que a ex-panicat Dani Bolina prestou semana passada, revelando que, desde pequena, sempre sonhou em sair pelada na capa de uma revista masculina. Dani nasceu em 1984, como eu. E, a menos que tenhamos crescido em ambientes estratosfericamente diferentes, não consigo achar nisso nenhuma concordância. É como se eu e a moça em questão fôssemos de planetas totalmente estranhos, ainda que se considerem os fatores culturais, familiares, éticos e tal. O só mencionar as “revistas de mulher pelada” no meu contexto era, no mínimo, assunto-tabu. Sair na capa delas, então… Totalmente impensável! Eu nunca conheci quem, naquela idade, quisesse fazê-lo.

Talvez, as crianças com quem convivi eram mais atrasadas ou mais reprimidas. Mas, quando essas personalidades aparecem lançando pérolas como essa na mídia, é de admirar. Não exatamente pelo fato do “sonho” em si, porque a declaração de Dani não é nada exclusiva. Confesso que fiquei bem mais apavorada quando Andressa Soares, a Mulher Melancia, disse o mesmo lá por 2008. Contudo, de lá para cá, até Flávia Alessandra já confessou aspiração semelhante. O susto fica mesmo por conta do rótulo. Os colegas jornalistas poderiam usar expressões do tipo “desejo proibido”, “aventura que esperava realizar” ou até “projeto a longo prazo para ganhar dinheiro fácil”. Mas, “sonho de criança”? Soa quase como um atentado ao pudor! E isso porque nem a alegação do nu artístico cola para quem ainda não entende a diferença entre a mão esquerda e a direita. Por acaso, há criança tão evoluída que compreenda a diferença entre alguém que aparece pelado vulgarmente numa foto e alguém que posa sem roupa por motivos puramente profissionais? Poupem-me! Se isso foi moda em algum momento na nossa infância, eu e minha turma perdemos o bonde. Definitivamente, essas moçoilas não me representam.

Taís Brem

Mais do mesmo

O telespectador postou no Facebook que estava assistindo à morte do Tião Galinha na TV. Não, ele não estava contando aos amigos o sonho que teve durante o soninho da tarde. Estava assistindo ao Canal Viva, canal da televisão paga, pertencente à Rede Globo, que se destina a transmitir reprises de programas da emissora, principalmente novelas. No caso mencionado na rede social, tratava-se de Renascer, de Benedito Ruy Barbosa, exibida originalmente em 1993.

A ideia da Globo foi boa. Afinal, sabe-se que sempre há uma audiência garantida para esse tipo de programação. Quem não gosta de reassistir algo que foi marcante em sua vida? Acontece que, ultimamente, até quem não acha que valha a pena ver de novo tem tido poucas opções para fugir do “Hum… Acho que já vi essa cena antes…”.

Sim, os remakes e as reprises estão na moda e estão com tudo. Nessa onda, já voltaram com nova cara à telinha “O Astro”, “Gabriela”, “Ti-ti-ti”, “Guerra dos Sexos”, “Dona Xepa”, “Saramandaia”, “Carrossel”… E seguem reprisando clássicos da TV mexicana que a audiência já cansou de ver – que o digam a série de folhetins das “Marias” interpretadas por Thalia Ariadna e a dupla Chaves e Chapolin Colorado.

Alguém pode protestar que o método só segue sendo executado porque está sendo tão divertido para os olhos dos telespectadores quanto é rentável para o cofre das emissoras. O povo gosta. Fica apenas a reflexão se os milhares de comunicadores e afins que as faculdades jogam para o mercado todos os semestres não têm a criatividade necessária para inovar e arriscar um pouco mais. O exemplo não se resume a novelas e seriados. Outros formatos de programas, de entretenimento a noticiários, são copiados tal e qual de TV’s estrangeiras. Uma vez ou outra, tudo bem. Mas, o significativo aumento dessas ocorrências chega a ser sofrível, deixa implícito que a capacidade dos profissionais da mídia televisiva brasileira não tem sido usada a pleno. Não precisa abusar tanto assim da famosa máxima “Nada se cria, tudo se copia”.

A contribuição dos enlatados

Em sua maioria importadas dos Estados Unidos, até as séries têm contribuído, ultimamente, para reforçar o ar de falta de criatividade na TV. A primeira vez que notei o debate em uníssono deve ter ocorrido mês passado. O senhor Drummond, da família protagonista de “Arnold”, fazendo o possível e o impossível para esconder sua idade real e, assim, conquistar uma namorada mais nova. Tal qual um dos personagens principais de “Três é Demais”. Depois, a abordagem hilária do conflito de gerações passou para os filhos mais velhos de Drummond: tanto a garota quanto o garoto fingiram ser mais velhos para fazer bonito com seus pretendentes. Tudo isso em episódios diferentes, se é que se pode usar essa expressão.

Na última semana, foi a vez de “Eu, a Patroa e as Crianças” e “Um Maluco no Pedaço” se combinarem para mostrar ao público a saga dos adolescentes que sofrem bullying na escola e acabam vendo seus pais se engalfinhando para defendê-los. De novo, a mesma história; só mudou o endereço.

Os exemplos podem ser fruto de planejamento. Talvez na tentativa de reforçar uma espécie de marketing social na cabeça das pessoas (eles podem ser fãs de Glória Perez, por que não?).

Enquanto isso, a ideia segue sendo executada. As novas Chiquititas, que estrearam nessa segunda-feira (15), são um ótimo convite para quem está gostando da brincadeira.

Taís Brem

Texto publicado também no Observatório da Imprensa

Retrô de junho

O mês de junho já se foi e, com ele, o primeiro semestre do ano. Dizer que “bah, pôxa vida, como o tempo passa rápido” é clichê, mas é real. E a ideia que se tem é de que tudo tem passado mesmo cada vez mais rápido. Nada melhor, então, do que usar retrospectivas para falar do que já se foi.
E aqui está uma prévia, rapidíssima, do que (eu acho) de mais importante ocorreu neste mês.

Começando pela queda da obrigatoriedade do diploma para profissionais de Jornalismo. O Supremo Tribunal Federal, nosso respeitoso STF, decidiu que já não é mais necessário mostrar o certificado de conclusão de uma faculdade de Comunicação Social para exercer a profissão de jornalista. Lamentável. O ministro do STF, Gilmar Mendes, chegou a comparar o jornalista com o cozinheiro, ao argumentar que não é necessário cursar Culinária para se fazer uma boa comida. Isso só pra começo de conversa. A tal da liberdade de imprensa também foi citada como desculpa. Mas, desde quando restringir quem tem autoridade para escrever ou veicular algo é diminuir a liberdade de imprensa? Acaso qualquer um que saiba bem o código penal pode ser advogado? E quem tem um bom tino para corte? Pode ser médico por isso apenas?

Bem, isso foi no dia 17, uma quarta-feira. Oito dias depois, fãs de Farrah Fawcett receberam dolorosamente a notícia de sua morte. Estrela da série “As Panteras” na década de 70, Farrah tinha 62 anos. Foi vítima de cancro do cólon. E, no mesmo dia, muito mais gente ficou chocada ao saber que o “Rei do Pop” também tinha partido. Tudo bem, Farrah Fawcett tinha seu mérito, como todo ser humano. Mas, com certeza, o mundo inteiro sabia quem era Michael Jackson. Farrah Fawcett, nem todos.

Muito já se falou sobre a ida repentina de Michael. Quantos anos ele tinha, qual o álbum fez mais sucesso, os escândalos, as especulações sobre o que o matou etc, etc e tal. Repetir aqui, seria chover no molhado. Entretanto, refletindo sobre estas questões todas que voltam à mente sempre que me deparo, na mídia, com um novo dado sobre a morte dele, tive um estalo, dia desses. Acho que o mais triste desta notícia não foi, simplesmente, o falecimento físico do cantor. Mas uma sensação de que nunca mais teremos a chance de vê-lo recuperado dos baixos que marcaram sua carreira. O retorno que ele preparava para os palcos não configurou. Então, já era. Não tem mais volta, entende? Já não há mais chance de, de repente, se deparar com um novo Michael. A não ser no céu, se é que ele foi pra lá. Isso, pra mim, parece o mais lastimável.

Taís Brem

 

 

Samba, suor e cerveja

 

Saiu na coluna “Outro Canal”, de Daniel Castro, na Folha de S. Paulo:

 

A Record vendeu a alma ao “demônio” por R$ 2,6 milhões. Esse é o valor que a AmBev pagou para ter uma hora de Carnaval na rede do bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus.

 

Neste ano, a Record transmitiu diretamente do camarote da cerveja Brahma, no sambódromo do Rio, dois programas de meia hora cada um. O primeiro foi ao ar à 0h30 de segunda (23), antes da programação religiosa. O segundo, na terça (24), no mesmo horário. Serviram mais para promover o camarote “número 1” do que o consumo de cerveja.

 

Segundo um executivo da Record, foi uma operação de venda de horário, ou seja, a Brahma não atuou como patrocinadora, mas como dona dos 60 minutos de folia na Record. Os R$ 2,6 milhões também cobriram custos de produção da Record. A marca de cerveja teve total controle editorial, determinando quem Maria Cândida, da Record, entrevistaria.

 

Vestindo camiseta do camarote, a jornalista Maria Cândida, sem aparente constrangimento, perguntou: “Este aqui é o camarote número 1 para você?” (ao jogador Ronaldo), “Por que o camarote da Brahma é o número 1?” (a Amandha Lee, atriz, e Nalbert, do vôlei), “Você gosta de cerveja?” (a Rodrigo Santoro, “derretendo” de calor). Aplicada, Maria Cândida ainda se referiu ao camarote como “o mais disputado, o mais glamouroso” e agradeceu a Santoro em nome da Brahma.

 

Pagando bem, que mal tem?

 

Taís Brem

“Descobriram Pelotas!”

 

Êta mesinho movimentado este de janeiro, não é mesmo? Uma retrospectiva das mais informais já basta para que se constate isso. Só para começar, dá pra citar a posse do Obama nos States, que parou o mundo inteiro; a morte da modelo Mariana Bridi, que foi vítima de uma estranha infecção generalizada depois de um problema urinário; o desabamento do teto da Igreja Renascer, em São Paulo, e o avião que pousou emergencialmente em pleno rio Hudson, Nova Iorque. Esqueci de alguma coisa? Ah, sim, claro: de Pelotas. Aliás, nunca falou-se tanto em Pelotas nos últimos tempos. Pelo menos, não que eu, como pelotense nata, me recorde. Soa até engraçado, mas ouvi alguém de fora dizer dia desses: “Pôxa vida, descobriram vocês, hein?”. Pois é. Neste mês fomos descobertos via mídia nacional e até internacional, mas os motivos… Não foram tão bons, infelizmente.

 

Começou com a posse do reitor da Universidade Federal, o César Borges, acusado de improbidade administrativa. Que vergonha. Embora não tenha sido publicado no maior jornal aqui da região, a imprensa de fora divulgou e bem divulgado. Era só abrir os sites para ver a lista de acusações que Borges coleciona por utilizar o dinheiro público indevidamente…

 

Aí veio a tragédia com a delegação do Xavante, no dia 15. Lamentável, principalmente porque envolveu uma das torcidas mais apaixonadas do futebol brasileiro. Morreram o preparador técnico e dois jogadores do Brasil de Pelotas, entre eles, o ídolo do momento, Cláudio Milar. E, de novo, foi certeiro: manchetes aos montes em tudo quanto é veículo de comunicação. Até o Esporte Espetacular do domingo passado trouxe matéria especial sobre o acidente.

 

E para fechar janeiro com tudo, uma boa chuva encarregou-se de nos colocar na mídia novamente. Era notícia de “Pelotas embaixo d’água” nos jornais impressos, nas tv’s, nas rádios, na internet… Com esta pequena amostra de 2009, o que será que nos espera para fevereiro, hein?

 

Taís Brem

A própria cegueira

 

saramago

 

Ele é aclamado no mundo inteiro por conta de seus livros, considerados verdadeiras obras-primas. Mas, quando se trata de espiritualidade, José Saramago, autor de “Ensaio sobre a Cegueira”, é o próprio cego. Foi o que deu pra notar dando uma olhada num vídeo de uma entrevista com ele que circula pela internet.

 

Confesso que sei muito pouco sobre a figura. É português. Ganhou o prêmio Nobel de Literatura. E escreveu este tal romance que virou filme e tem emocionado muita gente. Cristãos, inclusive. Enfim, deve ter seu mérito. Entretanto, qualquer pontinha de pré-admiração que eu pudesse ter por ele a ponto de me levar a pesquisar mais sobre sua vida e obra caiu por terra ontem, quando vi este vídeo. Trata-se de uma sabatina feita por alguns jornalistas da Folha. Nela, o cara fala, entre outras coisas, do que pensa sobre Deus e de como visualiza a Bíblia e coisas que, na sua opinião, a Igreja teria inventado, como o pecado e o inferno.

 

Parece que não é a primeira vez que ele dá suas alfinetadas no cristianismo e faz questão de dizer que é ateu. Não deveria. Entretanto, se fosse apenas uma opinião isolada que não fizesse diferença alguma para o resto do mundo, paciência. Não fomos criados como robôs e ninguém tem a obrigação de pensar de uma única forma. As religiões e seitas existem aos montes por aí – inclua-se nisso o ateísmo.  Cabe a cada um definir o que é melhor para sua vida. O problema é que, por ser alguém de muita influência, considerado extremamente sábio por público e crítica em todo o planeta, Saramago chega a envenenar com suas declarações pagãs. Basta observar os risinhos de aprovação e os aplausos da platéia para comprovar o efeito que sua postura causa.

 

Um dos repórteres perguntou se, após a cura da doença respiratória que quase lhe custou a vida, sua percepção sobre Deus havia mudado. E ele, sarcasticamente, responde: “Por que mudaria? Quem me curou foi meu médico e aquela senhora que está sentada ali”, disse, fazendo referência à esposa, Pilar. Logo depois, emendou: “Não quero ofender ninguém, mas, para mim, Deus não existe. Não brinquemos com estas coisas”.

 

Na seqüência, o autor, atualmente com 86 anos, diz acreditar que Deus é apenas uma invenção dos homens. Coisa de alguém que teve medo da morte e pensou que era melhor se agarrar à possibilidade de existência de um ser superior. Daí, segundo ele, é que a Igreja Católica teria aproveitado também para criar o inferno e o purgatório. O pecado, outra invenção, seria um “instrumento da igreja para controlar os corpos”.

 

Para arrematar os comentários de fundo (anti) religioso, Saramago fala que a Bíblia é um verdadeiro desastre. Foi escrita por homens e, por isso, não merece crédito. Além do mais está cheia de exemplos de incestos e assassinatos. “Não é um livro que possa ser deixado na mão de um inocente”, completou. Aham. Quem sabe a sua coleção aclamada mundo afora possa. Coleção esta que inclui o livro que lhe garantiu o Nobel de literatura, há dez anos, chamado “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Trata-se de um relato que, conforme a jornalista Maria das Graças Targino, mostra um “Deus vingativo”, um “diabo simpático” e um “Jesus maravilhosamente imperfeito”. “Uma obra-prima recheada de passagens literalmente incríveis”, comenta a moça, encantada.

 

Tá vendo como estas baboseiras perturbam a cabeça das pessoas? Mas, como ele é um intelectual inteligentíssimo, o cara, um grande sábio, tá valendo. Louco e ignorante é quem ousa discordar.

 

Taís Brem

Vampiros do controle remoto

 

O título parece forte. Mas, combinado com o contexto que David Coimbra utilizou em sua coluna de Zero Hora, na última sexta-feira, ele cai como uma luva. Acho mesmo que dá pra intitular assim o monte de pessoas que volta e meia se delicia com tragédias em frente a telinha. E é assim desde que me conheço por gente. O sensacionalismo sempre deu ibope. Assunto do momento, o assassinato de Eloá rendeu uma boa divulgação na mídia. E ainda renderá muito mais, acredite. Como se não bastasse, 30 mil pessoas compareceram ao seu enterro sem nunca tê-la visto mais gorda. Caso semelhante foi o que li noutro dia. Uma senhora levou a netinha de quatro anos para um passeio no cemitério em que Isabella Nardoni foi enterrada. É o cúmulo! E elas são apenas duas das milhares de pessoas que enchem o tal cemitério todos os dias. O que, afinal, prende tanto a atenção das pessoas neste tipo de atração? Falta do que fazer? Vazio emocional? Satisfação pela tragédia alheia? David Coimbra deixa sua opinião sobre o assunto.

 

 

O doce sangue do outro

 

Brasileiro adora um velório. Lógico, velórios são importantes, psicologicamente falando. Pois a história da vida de um homem é a história das suas perdas e, sobretudo, de como ele lida com elas. No caso de uma morte, de resto uma perda bastante definitiva, o velório serve para que os vivos se acostumem com o (em geral) infausto ocorrido. É por isso que as pessoas devem passar pelo caixão e olhar para o morto. Para que sua mente registre: ele não fala mais, não se mexe, não respira; ele está morto. E não é por outro motivo que o homem pré-histórico já realizava funerais. A sabedoria ancestral.

 

Faz-se essa liturgia quando da morte de um ente querido. Um amigo. Um familiar. Ou um personagem público muito admirado. Vide os funerais de Aírton Senna, de Getúlio Vargas e de Tancredo Neves que mobilizaram o Brasil, ou o de Lady Di, que comoveu o planeta via satélite, ou o de Lincoln, que cruzou os Estados Unidos em cima do aço de trilhos de trem.

 

Certo. Mas como se explica 30 mil pessoas comparecerem ao sepultamento de uma desconhecida, como aquela menina que foi assassinada pelo namorado em São Paulo dias atrás? Aí a distorção nacional. O brasileiro tornou-se um consumidor de tragédias. Nada a ver com o gosto pela crônica policial, pelo mistério, nada disso. Eu mesmo sou um entusiasta da Editoria de Polícia, onde muito trabalhei, e com deleite. Porque, sempre digo, não existe nada mais humano do que um assassinato, e todo assassinato tem uma história interessante. Pode ser uma briga de bar – conte o dia em que a vítima acordou para morrer e que o assassino acordou para matar e, pronto, você tem uma bela página.

 

Mas o acompanhamento ansioso do enterro de uma vítima ou o consumo sôfrego de certas minúcias da tragédia, como se tem visto, isso foge do fascínio pelo mistério. E a volúpia pela desgraça alheia é tamanha que até o jornal televisivo mais respeitado do país, o Jornal Nacional, entrega-se à tentação de explorá-la. O que me decepciona, eu que sempre fui, e sou, admirador do Jornal Nacional. Há quem justifique que tal se dá devido à luta pela audiência medida minuto a minuto. Mas ainda acredito no jornalismo. Ainda creio que, a médio e longo prazo, o jornalismo sério tem mais audiência do que a apelação.

 

Enfim. A verdade é que os telejornais estão atendendo a um apelo do consumidor e o que me interessa aqui é saber por que o brasileiro se transformou nesse vampiro de controle remoto. Digo por quê: por causa do vazio. O sujeito atravessa seus dias num emprego monótono e as noites no cárcere de um apartamento de dois quartos dividido com a mulher e os três filhos, ele não sai de casa com medo da violência e não tem dinheiro para viajar, nem ler ele lê porque ninguém o ensinou a gostar de livros, e o pior: ele vive em algum lugar selvagem e árido como São Paulo. Quer dizer: a vida dele não tem sentido. Assim, quando esse triste brasileiro encontra motivo para uma emoção poderosa e inofensiva, ele, de alguma forma, se realiza. Donde, 30 mil pessoas no enterro da menina desconhecida do subúrbio, uma multidão cevando suas próprias emoções rasteiras tirando fotos do caixão com seus celulares luminosos, chorando, escabelando-se, se desesperando. Vivendo, finalmente. As tragédias de telejornal são a salvação espiritual do brasileiro medíocre.