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Preconceito ou valorização?

A entrada de alunos menos favorecidos na Universidade tem virado notícia em diversas plataformas (Foto: Divulgação).
O ingresso de alunos menos favorecidos na Universidade tem virado notícia em diversas plataformas e dividido a opinião do público (Foto: Divulgação).

A divulgação de aprovados em universidades do Brasil inteiro, em função do resultado do Sistema de Seleção Unificada do Ministério da Educação (Sisu/MEC), no início deste primeiro semestre letivo, provocou uma onda de noticiários que enfatizaram especialmente a conquista de alguns estudantes ao adentrar no Ensino Superior. Jornais, revistas e sites de todo o país fizeram manchetes com a filha da doméstica que deu um novo rumo à história da família pobre, a travesti que conseguiu sua vaga na Universidade e o catador de lixo que, finalmente, pode começar seu plano de ser “alguém na vida”. A posição dos veículos de comunicação dividiu opiniões.

Enquanto parte do público apoiou a iniciativa e considerou essa uma forma justa de valorizar o feito de pessoas que se esforçaram tanto a ponto de romper com uma condição, a princípio, de desvantagem, outra parcela entendeu que noticiar tais acontecimentos reforça, ainda mais, o preconceito.

O publicitário Diego Lucas Barbosa, 26, faz parte do primeiro grupo. Para ele, esse tipo de notícia não agrega informações suficientes para formar uma opinião concreta em quem ainda não tem posicionamento formado sobre o assunto. “[A matéria] pode reforçar os pensamentos que os leitores já possuem. Se são contra, pode aumentar o preconceito. Se são a favor, fará ter orgulho da situação”, pontuou. “Aos indecisos, creio que elas deem um ‘empurrão’ para que se construa sua posição pessoal”. Já a auxiliar de Educação Infantil e acadêmica de Pedagogia Eloísa Santos, 43, disse enxergar nisso tudo um “preconceito camuflado”. “O QI [quociente de inteligência] de uma pessoa não está relacionado a cor, classe social ou sexo”, disse.

Começo de vitória

Transexual passou em universidade pública e virou notícia (Foto: Facebook).
Transexual passou em universidade pública e virou notícia (Foto: Facebook).

Amanda Palha é transexual e tem 28 anos. No início de 2016, ela foi notícia em vários canais por ter sido aprovada em primeiro lugar pelo Sisu no curso de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mas, para ela, sua conquista e outras semelhantes só podem ser consideradas um grande passo rumo a uma sociedade melhor a partir do que se faz com isso. “A mera inclusão de pessoas trans na faculdade não significa muita coisa se existir isoladamente”, comentou, em entrevista. “O que faz diferença é o que a gente faz dentro espaço. Por isso que eu não acho que é uma vitória ainda, é um começo”.

Após a divulgação da matéria no site da revista Exame, diversos internautas manifestaram sua opinião. “Não importa se ela é hetero, trans, travesti ou gay. Importa que ela está mostrando que as travestis também estudam e não são todas prostitutas, como a maior parte da sociedade generaliza”, disse um. Outro, menos favorável à publicação, discursou: “Segundo a Constituição, somos todos iguais, independente de gênero. Um hetero é mais intelectual que um homossexual, por isso precisa de holofotes quando passa em alguma coisa? Claro que não. O preconceito começa a partir do momento em que separam a população entre nós e eles”.

Como funciona o Sisu?
O processo seletivo do Sisu, que existe desde 2009, é uma forma que universidades públicas do Brasil têm utilizado para selecionar novos alunos, em detrimento do antigo vestibular. Para isso, o candidato efetua sua inscrição e o sistema seleciona automaticamente os candidatos mais bem classificados em cada curso, de acordo com suas notas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A partir daí, são considerados selecionados os candidatos classificados dentro do número de vagas ofertadas pelo Sisu em cada curso, por modalidade de concorrência.  Há instituições participantes do Sisu que disponibilizam uma parte de suas vagas para as políticas afirmativas que beneficiam afrodescendentes, indígenas e alunos vindos de escola pública, por exemplo.

Taís Brem

No topo das preferências

Curso de Medicina permanece como mais disputado nos vestibulares

(Foto: Wilson Lima)
Índice de vestibulandos que escolhe a graduação é sempre alto (Foto: Wilson Lima)

Todo santo ano é a mesma coisa: é só verificar as listas dos cursos escolhidos pelos vestibulandos para testificar a imensa quantidade de pessoas que opta por cursar Medicina. Há quem, inclusive, faça um verdadeiro tour pelo Brasil, prestando provas do Oiapoque ao Chuí, na esperança de conseguir vaga em alguma instituição de Ensino Superior e, assim, realizar o sonho de exercer uma das profissões mais cobiçadas do mercado. Qual a motivação de tanto esforço? Pressão familiar? Busca por status? Retorno financeiro? Ou, puramente, vontade de ajudar as pessoas?

Maira concluiu a graduação em 1991 (Foto: Arquivo Pessoal)
Maira concluiu a graduação em 1991 (Foto: Arquivo Pessoal)

A diretora do Hospital Miguel Piltcher (HMP), Maira Piltcher, 47, é otimista. Para ela, que formou-se em 1991 pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel), a maioria das pessoas que busca a área médica como profissão o faz por vocação. “Infelizmente, temos aqueles que realmente procuram a Medicina pela questão financeira ou por imposição da família. O que é algo problemático, pois posso garantir que ninguém é feliz ou faz bem aquilo que não faz por amor. No caso da Medicina, isso não só acarreta problemas pessoais como pode atingir o paciente”, disse.

A vontade de poder ajudar o próximo, entender e aliviar seus problemas, unida à necessidade de levar adiante o negócio da família também acabou por guiar Maira ao caminho que segue até hoje. O lado positivo é que sua escolha não foi abafada por uma visão fantasiosa da profissão. Ter crescido no ambiente característico, vendo seu pai, o também médico Miguel Piltcher, trabalhar muito e viver a intensa correria de plantões e urgências, a preparou naturalmente para a movimentação cotidiana que viria a enfrentar. “Aquilo já me fascinava”, relembrou ela, que acabou escolhendo uma especialidade que não lhe permite muito
descanso: ginecologia e obstetrícia.

Partos são atividade rotineira no dia a dia de Maira (Foto: Arquivo Pessoal)
Partos são atividade rotineira no dia a dia de Maira (Foto: Arquivo Pessoal)
Etiene conclui curso no fim do ano (Foto: Arquivo Pessoal)
Etiene conclui curso no fim do ano (Foto: Arquivo Pessoal)

Curiosamente, foi, também, o lado movimentado da profissão – academicamente falando – que estimulou Etiene Dias, 28, a querer seguir carreira como médica. Ela se forma no próximo mês, pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg), e desde o início do Ensino Médio ficou fascinada pela possibilidade de trabalhar numa área que exige constante atualização. “Isso me atraia muito. Sei que muitas pessoas escolhem a área médica por esperar um bom retorno financeiro e algum status perante a sociedade. No meu caso, não pensei diretamente nisso, pois acredito que, quando se é um bom profissional, dedicado e competente, essas duas questões são uma consequência direta”, opinou.

Mudança de planos
Se Maira e Etiene sempre tiveram uma inclinação clara para a área da Medicina, com Carolina Malhão, 26, as coisas não foram definidas de forma tão simples desde o começo. Embora ingressar no curso mais disputado das faculdades fosse um sonho antigo, a vontade esbarrava no medo do vestibular e na ideia de que não conseguiria passar pela concorrência. Então, Carolina seguiu a profissão do pai: o jornalista Jorge Malhão. Depois de formada e tendo exercitado o talento genético tanto pelas ondas do rádio quanto pelas páginas do jornal, decidiu abandonar tudo e arriscar no seu sonho. “Ainda estou lutando para ter uma vaga na universidade, por isso não tenho muitos planos para depois de formada”, afirmou. Quando questionada sobre a possível razão para que a profissão de Medicina seja tão almejada pelos vestibulandos, Carolina comentou: “Claro que muitos são guiados pela vontade de fazer dinheiro. Mas, acredito que não há nada de errado disso, desde que não se abandone o humanismo tão necessário na profissão”.

Carolina deixou o Jornalismo para investir em seu sonho (Foto: Arquivo Pessoal)
Carolina deixou o Jornalismo para investir em seu sonho (Foto: Arquivo Pessoal)

Números
Raramente os altos índices de procura pelos cursos de Medicina nas instituições de Ensino Superior mostram alguma surpresa. De um modo geral, em várias regiões do país, do interior às capitais, o fenômeno observado é o mesmo: muita gente lutando pelas mesmas vagas. No início desse ano, por exemplo, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, registrou 451 candidatos inscritos para cada uma das vagas disponibilizadas para a graduação. Para 2014, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o índice é de 104 candidatos por vaga. Na Universidade Federal do Ceará, que tem a
sugestiva sigla “UFC”, a disputa também é acirrada: são 9.748 inscritos para 140 vagas. Já no processo que selecionará os novos alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para o próximo ano, há 57 candidatos disputando cada uma das vagas disponíveis para Medicina.

Em Pelotas não é diferente: nas duas universidades que oferecem o curso – UFPel e UCPel, a procura é bastante grande, tanto por estudantes daqui quanto por candidatos de outras partes do Brasil. Na Católica, por exemplo, que disponibiliza 90 vagas ao ano para a graduação, o índice de candidatos por vaga que era 22 em 2010 subiu para 36 em 2012.

Sonho familiar
Quando se fala em vida profissional dos filhos, para a maioria dos pais, o mais importante é que eles exerçam uma carreira que lhes deixe felizes. Mas, o desejo de um emprego que remunere bem também é um anseio. É o que mostra uma pesquisa feita recentemente pela rede social corporativa Linkedin. O levantamento, que colheu a opinião de 1.001 pessoas, mostra, ainda, que 35% dos entrevistados sonham em ver os filhos atuando como médicos ou como empreendedores, dirigindo o próprio negócio.

Taís Brem

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