Vampiros do controle remoto

 

O título parece forte. Mas, combinado com o contexto que David Coimbra utilizou em sua coluna de Zero Hora, na última sexta-feira, ele cai como uma luva. Acho mesmo que dá pra intitular assim o monte de pessoas que volta e meia se delicia com tragédias em frente a telinha. E é assim desde que me conheço por gente. O sensacionalismo sempre deu ibope. Assunto do momento, o assassinato de Eloá rendeu uma boa divulgação na mídia. E ainda renderá muito mais, acredite. Como se não bastasse, 30 mil pessoas compareceram ao seu enterro sem nunca tê-la visto mais gorda. Caso semelhante foi o que li noutro dia. Uma senhora levou a netinha de quatro anos para um passeio no cemitério em que Isabella Nardoni foi enterrada. É o cúmulo! E elas são apenas duas das milhares de pessoas que enchem o tal cemitério todos os dias. O que, afinal, prende tanto a atenção das pessoas neste tipo de atração? Falta do que fazer? Vazio emocional? Satisfação pela tragédia alheia? David Coimbra deixa sua opinião sobre o assunto.

 

 

O doce sangue do outro

 

Brasileiro adora um velório. Lógico, velórios são importantes, psicologicamente falando. Pois a história da vida de um homem é a história das suas perdas e, sobretudo, de como ele lida com elas. No caso de uma morte, de resto uma perda bastante definitiva, o velório serve para que os vivos se acostumem com o (em geral) infausto ocorrido. É por isso que as pessoas devem passar pelo caixão e olhar para o morto. Para que sua mente registre: ele não fala mais, não se mexe, não respira; ele está morto. E não é por outro motivo que o homem pré-histórico já realizava funerais. A sabedoria ancestral.

 

Faz-se essa liturgia quando da morte de um ente querido. Um amigo. Um familiar. Ou um personagem público muito admirado. Vide os funerais de Aírton Senna, de Getúlio Vargas e de Tancredo Neves que mobilizaram o Brasil, ou o de Lady Di, que comoveu o planeta via satélite, ou o de Lincoln, que cruzou os Estados Unidos em cima do aço de trilhos de trem.

 

Certo. Mas como se explica 30 mil pessoas comparecerem ao sepultamento de uma desconhecida, como aquela menina que foi assassinada pelo namorado em São Paulo dias atrás? Aí a distorção nacional. O brasileiro tornou-se um consumidor de tragédias. Nada a ver com o gosto pela crônica policial, pelo mistério, nada disso. Eu mesmo sou um entusiasta da Editoria de Polícia, onde muito trabalhei, e com deleite. Porque, sempre digo, não existe nada mais humano do que um assassinato, e todo assassinato tem uma história interessante. Pode ser uma briga de bar – conte o dia em que a vítima acordou para morrer e que o assassino acordou para matar e, pronto, você tem uma bela página.

 

Mas o acompanhamento ansioso do enterro de uma vítima ou o consumo sôfrego de certas minúcias da tragédia, como se tem visto, isso foge do fascínio pelo mistério. E a volúpia pela desgraça alheia é tamanha que até o jornal televisivo mais respeitado do país, o Jornal Nacional, entrega-se à tentação de explorá-la. O que me decepciona, eu que sempre fui, e sou, admirador do Jornal Nacional. Há quem justifique que tal se dá devido à luta pela audiência medida minuto a minuto. Mas ainda acredito no jornalismo. Ainda creio que, a médio e longo prazo, o jornalismo sério tem mais audiência do que a apelação.

 

Enfim. A verdade é que os telejornais estão atendendo a um apelo do consumidor e o que me interessa aqui é saber por que o brasileiro se transformou nesse vampiro de controle remoto. Digo por quê: por causa do vazio. O sujeito atravessa seus dias num emprego monótono e as noites no cárcere de um apartamento de dois quartos dividido com a mulher e os três filhos, ele não sai de casa com medo da violência e não tem dinheiro para viajar, nem ler ele lê porque ninguém o ensinou a gostar de livros, e o pior: ele vive em algum lugar selvagem e árido como São Paulo. Quer dizer: a vida dele não tem sentido. Assim, quando esse triste brasileiro encontra motivo para uma emoção poderosa e inofensiva, ele, de alguma forma, se realiza. Donde, 30 mil pessoas no enterro da menina desconhecida do subúrbio, uma multidão cevando suas próprias emoções rasteiras tirando fotos do caixão com seus celulares luminosos, chorando, escabelando-se, se desesperando. Vivendo, finalmente. As tragédias de telejornal são a salvação espiritual do brasileiro medíocre.

 

 

4 comentários em “Vampiros do controle remoto”

  1. REALMENTE ESTES ACONTECIMENTOS TEM CHOCADO O BRASIL E O MUNDO, MAS A QUESTÃO É: POR QUE TANTA AUDIÊNCIA? POR QUE TANTO IBOPE PARA ESTES ASSUNTOS? HOJE EM DIA AS TRAGÉDIAS SÃO O QUE MAIS DÃO AUDIÊNCIA NA TELEVISÃO!
    QUEM É PIOR? AS EMISSORAS QUE TRANSMITEM ISSO OU O POVO QUE ASSISTE?
    POUCAS SÃO AS PESSOAS QUE SÃO CONHECIDAS NO BRASIL POR FAZER O BEM, MAS UM MARGINAL DESSES AI, HOJE É CONHECIDO POR TODA A NAÇÃO NUM ATO QUE PODE SER DAQUI UNS DIAS COPIADO POR OUTRO NAMORADO TRAÍDO, ABANDONADO! POIS, AFINAL, ELE ESTÁ FAZENDO ISSO POR AMOR, NÃO É MESMO!?

    “As tragédias de telejornal são a salvação espiritual do brasileiro medíocre”

  2. “O sujeito atravessa seus dias num emprego monótono e as noites no cárcere de um apartamento de dois quartos dividido com a mulher e os três filhos, ele não sai de casa com medo da violência e não tem dinheiro para viajar, nem ler ele lê porque ninguém o ensinou a gostar de livros, e o pior: ele vive em algum lugar selvagem e árido…” (qualquer cidade Brasileira). “As tragédias de telejornal são a salvação espiritual do brasileiro medíocre.”

    BRASIL, EUA, CHINA… NÃO IMPORTA O LUGAR, NÃO IMPORTA A EMISSORA DE TELEVISÃO…
    ISSO TUDO É MERA DISTRAÇÃO DISFARÇADA DE “ENTRETENIMENTO”, E OS VAMPIROS FANTOCHES NAS MÃOS DE SEUS ENGANADORES, MANIPULADORES…

    O QUE ESTA EM QUESTÃO É REALMENTE A SALVAÇÃO ESPIRITUAL, E PARA QUE VC NUNCA CHEGUE A ELA…
    “VUALAA” SEJA BEM VINDO, PEGUE O CONTROLE REMOTO E FUJA DE JESUS CRISTO, FUJA DA BÍBLIA, FUJA DA VERDADE…

    SÓ PARA LEMBRAR, UM DIA TODOS TERÃO DE PRESTAR CONTAS, INCLUSIVE EU E VC.

  3. A questão não é religiosa pois nunca se teve uma proliferação tão maciça de templos e igrejas como na atualidade. Além do mais um dos mandamentos da lei de Deus tem sido desavergonhadamente infringido que é: “NÃO PRONUNCIAI MEU SANTO NOME EM VÃO”. Concordo que todos teremos que prestar contas, mas aqueles que tanto falam Nele, são os piores pecadores. Pensem nisso antes de pregar tanto sem saber o que estão fazendo. A palavra de Deus deve ser pregada por aqueles que foram por Ele nomeados e não por alguém que se denomina BISPO e cujo propósito é encher os cofres com o dízimo dos fieis. Lembrem-se que o dinheiro foi inventado pelo Diabo. Então oferecer dinheiro como dízimo é alimentar a cobiça que foi inventada por quem?

    A grande questão é que devido a nossa sociedade consumista e sem propósito, vivemos num mundo de ilusões e onde o fruto do nosso trabalho, na maioria das vezes não é nem visto e nem reconhecido. Consumimos o que não precisamos e assistimos ilusões. O próprio relacionamento entre pessoas está vazio. Nossa felicidade foi condicionada a desejarmos o que não está ao nosso alcance.

    Nesses termos vale um pensamento: “COMO SOBREVIVERAM AS PESSOAS DE 100, 200 OU MAIS ANOS ATRÁS QUE NÃO TINHAM TV, INTERNET, FACILIDADES ELETRÔNICAS E QUE UMA VIAGEM DE 100KM LEVAVA DIAS?”.

    Devemos repensar nossos conceitos de felicidade a fim de evitar que nossas vidas sejam tão vazias. A religião não é a solução e sim um complemento.

    Com isso não mais seremos escravos das ilusões, principalmente da ilusão de poder que o controle remoto nos dá.

    1. Ok, Mustafá, respeito sua opinião sobre o post. Mas devo lhe dizer que o fato de termos tantos templos e igrejas na atualidade não é uma pronta-resposta para o socorro espiritual de que as pessoas carecem. Um ótimo exemplo disso, ainda que bobo, é uma ilustração que recebi certa vez, via e-mail, de um homem barbudo num mundo em que há tantos barbeiros. Se ele não procurar o auxílio de quem pode resolver o seu “problema”, como interferir? Chamamos isso, biblicamente, de livre arbítrio. E por falar em Bíblia, gostaria de acrescentar que não entendi o que você quis dizer sobre o dinheiro ter sido inventado pelo diabo… A única coisa à qual a Bíblia dá a paternidade à Satanás é a mentira (João-8:44). E o próprio livro sagrado ensina que devemos “levar todos os dízimos à casa do tesouro para que haja mantimento na Casa de Deus” (Malaquias-3:10) em forma de dinheiro, sim. O trabalhador é digno do seu salário (Lucas-10:7), do dinheiro que ele ganha por ter cumprido sua tarefa. E daí é que ele deve, se quiser cumprir a Bíblia, honrar a Deus com seus dízimos. Agora, se meia dúzia de pessoas ungidas para pregar o Evangelho se utilizam desses recursos para fazer o que não deveriam, cabe a Deus julgar essas coisas.

      Que Ele nos abençoe, Taís Brem

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