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Entre risos e recordações

Bom humor pode ajudar na memória (Foto: Divulgação)
Bom humor pode ajudar na memória (Foto: Divulgação)

Os especialistas dizem que nós, os seres humanos, somos capazes de lembrar o que nos aconteceu aos dois anos de idade. Eu não lembro se eu tinha dois anos naquele dia. Talvez, um pouco menos. Talvez, mais. Mas, lembro que eu estava sentada no chão da sala de casa, brincando com o meu lego, enquanto meu pai se despedia para ir trabalhar. Lembro do dia em que minha mãe chegou em casa chorando, porque tinha sido mandada embora do emprego. Sempre foi raro ver minha mãe chorar. Deve ser por isso que marcou. Lembro, também, de quando aprendi a ler. Meu pai perguntou se eu sabia o que estava escrito no jornal. Eu disse que não. E ele falou, então, que iria me ensinar. Nesse caso específico, eu já tinha uns quatro ou cinco anos.

Nossa memória é uma coisa bem interessante. Às vezes, recordamos de fatos distantes, ocorridos há décadas. Mas, não somos capazes de descrever o cardápio de ontem. Minha falecida vó Nilza era craque nisso. Volta e meia, ela contava em detalhes a cena que emoldurou a briga histórica que ela e a sogra tiveram no início de seu casamento – leia-se há mais de 60 anos. Parecia que tudo tinha acontecido uns cinco minutos atrás. Era incrível! Principalmente, porque quando se tratava de lembrar o que, de fato, tinha ocorrido há pouco tempo, a memória dela tirava sarro da cara de todo mundo. A pessoa podia tê-la cumprimentado com pompas e honras na chegada da festa que, com certeza absoluta, ao passar por ela de novo, iria ouvir, em alto e bom som: “Não vais falar comigo? Ah, tá! Pensei que tinha te feito alguma coisa!”. Era assim sempre, tão certeiro quanto 2+2 são 4. Em questão de minutos (minutos, mesmo!), ela já esquecia se tinha falado ou não com a pessoa. E, principalmente, se a pessoa tinha ou não falado com ela…

O curioso é que esquecer das coisas não é privilégio de quem já tem uma idade avançada, como tinha minha avó. Os mais novos também se esquecem. A chaleira no fogo, a data do aniversário do melhor amigo, a chave pendurada pelo lado de fora da porta… Quem nunca?

Para resolver o problema, especialistas e leigos dão inúmeras dicas: de tratamentos medicamentosos a cursos de memorização, de alimentação saudável a abandono de vícios, como o álcool e o cigarro. E rir mais. Sim, uma pesquisa desenvolvida recentemente pela universidade californiana de Loma Linda mostrou que, quanto mais se diverte, menos estressada a pessoa fica. E como o estresse é inimigo da memória, quem ri mais, tende a ter uma memória melhor. Por via das dúvidas, não custa tentar. Se o nível de recordação não melhorar, pelo menos a vida vai ficar mais divertida.

Taís Brem

“É um estar no mundo diferente do que se tinha décadas atrás”

Pediatra Luiza Novaes explica as peculiaridades do desenvolvimento das crianças de hoje à luz da ciência

Afinidade com a tecnologia é principal diferencial das crianças atuais (Foto: Taís Brem)
Afinidade com a tecnologia é principal diferencial das crianças atuais (Foto: Taís Brem)

Elas estão, a cada dia, mais espertas. E isso não é apenas impressão sua. Realmente, “não se faz mais crianças como antigamente”. Nesta entrevista concedida ao Blog Quemany, a médica especialista em Pediatria Luiza Helena Vinholes Siqueira Novaes comenta de que forma a Medicina explica essa evolução do desenvolvimento infantil ao longo das eras. Médica do Hospital Universitário São Francisco de Paula (HUSFP), Luiza Helena é mestre em Saúde e Comportamento, doutora em Ciências da Educação e professora adjunta de Pediatria no curso de Medicina da Universidade Católica de Pelotas (UCPel).

Blog Quemany – Ao comentar a forma como as crianças demonstram desenvolvimento, as pessoas costumam dizer que antigamente “os bebês nasciam de olhos fechados e, hoje, só faltam nascer falando”. A ciência mostra que realmente há uma evolução das crianças de hoje em comparação às de antigamente ou é apenas impressão nossa?

Luiza Novaes (Foto: Wilson Lima)
Luiza Novaes (Foto: Wilson Lima)

Dra. Luiza Helena Novaes – A neurobiologia tem nos ajudado a entender este fato observável pelos pais. O cérebro é muito dinâmico, tem uma capacidade de reorganização de seus neurônios admirável, que sofrem amadurecimento e organização em diferentes tempos e etapas, e são influenciáveis pelo ambiente em que se insere a criança e sua família. Este fenômeno é conhecido por nós, médicos, como neuroplasticidade. Se compararmos o ambiente de algumas décadas atrás com o ambiente em que é hoje recebida a criança, notaremos mudanças marcantes em relação à luz, aos sons, aos movimentos, à dinâmica da família e da sociedade. Para exemplificar, antes a criança nascia, permanecia no hospital de três a quatro dias no ambiente escurecido, com todos se comunicando à meia-voz, interagindo com ela o mínimo possível para não excitá-la e perturbá-la. Hoje, se tudo bem, com 24 horas, um bebê está em casa, inserido no toque do celular, das fotos, da televisão, do barulho da rua, das luzes do dia e da noite, com a algaravia diária da casa, sem maiores restrições aos irmãos, familiares e amigos da família. Isto é saudável para o desenvolvimento neuropsicomotor e cognitivo da criança, desde que dentro de parâmetros equilibrados. O desenvolvimento infantil começa ainda na gestação e o que podemos e devemos é estimular o cérebro infantil desde muito cedo.

BQ – Como se dá essa “evolução”? Esse movimento é algo natural, de tempos em tempos?
Dra. Luiza – Esta “evolução” acompanha a evolução das sociedades, das diferentes culturas em que está inserida a criança, e é um fenômeno natural, assim como a nossa vida, cada dia mais nova, plena de novas descobertas e conhecimentos em todas as áreas, inclusive na área médica, que crescem de maneira exponencial e de forma muito rápida.

(Foto: Taís Brem)
Ligação com aparelhos eletrônicos é comum (Foto: Taís Brem)

BQ – Na sua percepção, como profissional, que diferenças são mais marcantes entre a geração atual de crianças e crianças que viveram em outras décadas?
Dra. Luiza – O que mais me chama a atenção é a capacidade da criança atual, em ainda tenra idade, ser capaz de mergulhar com tanta facilidade no mundo tecnológico do toque na tela ou no teclado e estar conectada aos seus e ao mundo, mesmo que distantes dela. É fato comum para ela comunicar-se com a mãe no trabalho via celular ou pelo computador, assim como com os avós, que moram no outro lado do mundo. É um estar no mundo diferente do que se tinha décadas atrás, que esperamos, trará benefícios para a criança e seu desenvolvimento, se usado com cuidado, sob supervisão e orientação. Os estudos, em um futuro muito breve, nos mostrarão o resultado e as implicações disso tudo.

BQ – Que fatores podem ser citados como aceleradores do desenvolvimento infantil?
Dra. Luiza – Não se é capaz de acelerar aquilo para o qual o cérebro da criança ainda não está pronto a realizar, mas podemos, sabedores de que haverá etapas de amadurecimento neurológico a serem vencidas, ofertar um ambiente e atitudes paternas e familiares, e, também, da sociedade onde se incluem a escola, a assistência médica, as entidades das quais a família participa, a própria mídia de qualidade, favoráveis a este desenvolvimento de qualidade. Ao início da vida da criança, é o afeto, o tempo de qualidade despendido com ela e o toque amoroso, que ensinam o amor e a confiança. Logo depois, o brincar, o “conversar”, o sorrir, a música, a descoberta dos objetos em suas diferentes texturas, dos diferentes cheiros que compõem a vida. Com mais idade, a movimentação ativa, a descoberta das palavras, das sentenças, das histórias, das letras, dos números e por aí afora. Oportunizar à criança estes contatos e estas experiências estimulará seu desenvolvimento, suas emoções e sentimentos, determinando mais confiança e coragem para sua vida.

Taís Brem

Elas não me representam


O conjunto de xícaras e pires que sua avó usava, a imagem do brinquedo que fazia sucesso entre seus coleguinhas ou a letra da música que fazia todo mundo dançar empolgadamente. Há inúmeras publicações nas redes sociais que, muito mais que provocar boas lembranças, fazem surgir, sobretudo nos remanescentes que foram crianças nos anos 1980 e 1990, uma agradável sensação de pertencimento.

É comum presenciar quem, ao se deparar com essas coisas, comece a puxar mais uma lista de símbolos que marcaram sua geração. As respostas ao clássico “O que você quer ser quando crescer” são um exemplo. Lembro que, nosso sonho, como meninas, variava entre ser professora, médica, bailarina e, é claro, o trio-maravilha “modelo-cantora-e-atriz”. Difícil achar quem não se identificasse.

Isso me faz ficar um tanto boquiaberta quando vejo ou escuto declarações como a que a ex-panicat Dani Bolina prestou semana passada, revelando que, desde pequena, sempre sonhou em sair pelada na capa de uma revista masculina. Dani nasceu em 1984, como eu. E, a menos que tenhamos crescido em ambientes estratosfericamente diferentes, não consigo achar nisso nenhuma concordância. É como se eu e a moça em questão fôssemos de planetas totalmente estranhos, ainda que se considerem os fatores culturais, familiares, éticos e tal. O só mencionar as “revistas de mulher pelada” no meu contexto era, no mínimo, assunto-tabu. Sair na capa delas, então… Totalmente impensável! Eu nunca conheci quem, naquela idade, quisesse fazê-lo.

Talvez, as crianças com quem convivi eram mais atrasadas ou mais reprimidas. Mas, quando essas personalidades aparecem lançando pérolas como essa na mídia, é de admirar. Não exatamente pelo fato do “sonho” em si, porque a declaração de Dani não é nada exclusiva. Confesso que fiquei bem mais apavorada quando Andressa Soares, a Mulher Melancia, disse o mesmo lá por 2008. Contudo, de lá para cá, até Flávia Alessandra já confessou aspiração semelhante. O susto fica mesmo por conta do rótulo. Os colegas jornalistas poderiam usar expressões do tipo “desejo proibido”, “aventura que esperava realizar” ou até “projeto a longo prazo para ganhar dinheiro fácil”. Mas, “sonho de criança”? Soa quase como um atentado ao pudor! E isso porque nem a alegação do nu artístico cola para quem ainda não entende a diferença entre a mão esquerda e a direita. Por acaso, há criança tão evoluída que compreenda a diferença entre alguém que aparece pelado vulgarmente numa foto e alguém que posa sem roupa por motivos puramente profissionais? Poupem-me! Se isso foi moda em algum momento na nossa infância, eu e minha turma perdemos o bonde. Definitivamente, essas moçoilas não me representam.

Taís Brem