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Realidade real

*Escrito originalmente em 06/05/11

Os olhos de todo mundo em todo o mundo aguardavam por um glamour digno de acontecimentos a que reles mortais não têm acesso corriqueiramente. E nisso o cenário não pecou: cada detalhe do local escolhido para as bodas agradou quem esperava por algo clássico e singularmente elegante. Mas o que, talvez, tenha surpreendido foi a simplicidade da protagonista que antes do momento especial disse não admitir parecer uma estranha ao príncipe. E conseguiu. Mais que isso: provou que a singeleza de detalhes pode ser ainda mais cativante. Tornou-se próxima do povo mesmo num momento em que marcava a desvinculação oficial dele.

Ao passar pelo tapete vermelho, com um vestido de mangas longas e detalhes em renda mais à la Grace Kelly que Lady Di, deixou aquela impressão do “já vi algo assim antes”. O penteado, em que o cabelo ficou um pouco solto, mas preso ao alto, foi realçado com um véu não exagerado e a tiara típica das princesas. A maquiagem, requintada e sem ostentações, concluiu o look atemporal, que poderá ser tão admirado quanto foi hoje daqui a duas décadas.

Ainda mais bonito, foi perceber, com a indiscrição das câmeras colocadas tão próximas aos noivos, o movimento peitoral, evidenciando que atrás daquele porte real havia corações reais, batendo nervosamente pelo momento tão especial. No desenrolar da cerimônia, a leitura labial permitiu ao público entender o “Você está linda!” do príncipe à princesa. Ao longo do tapete vermelho, ele e ela discretamente chegaram a trocar uns cochichos. Após o enlace, o “Uau!” saído dos lábios dela com a abertura das cortinas da sacada frente à imensa platéia de curiosos pelo beijo foi outro indício de que eram humanos os seres que ali firmavam uma aliança matrimonial.

Taís Brem

Vampiros do controle remoto

 

O título parece forte. Mas, combinado com o contexto que David Coimbra utilizou em sua coluna de Zero Hora, na última sexta-feira, ele cai como uma luva. Acho mesmo que dá pra intitular assim o monte de pessoas que volta e meia se delicia com tragédias em frente a telinha. E é assim desde que me conheço por gente. O sensacionalismo sempre deu ibope. Assunto do momento, o assassinato de Eloá rendeu uma boa divulgação na mídia. E ainda renderá muito mais, acredite. Como se não bastasse, 30 mil pessoas compareceram ao seu enterro sem nunca tê-la visto mais gorda. Caso semelhante foi o que li noutro dia. Uma senhora levou a netinha de quatro anos para um passeio no cemitério em que Isabella Nardoni foi enterrada. É o cúmulo! E elas são apenas duas das milhares de pessoas que enchem o tal cemitério todos os dias. O que, afinal, prende tanto a atenção das pessoas neste tipo de atração? Falta do que fazer? Vazio emocional? Satisfação pela tragédia alheia? David Coimbra deixa sua opinião sobre o assunto.

 

 

O doce sangue do outro

 

Brasileiro adora um velório. Lógico, velórios são importantes, psicologicamente falando. Pois a história da vida de um homem é a história das suas perdas e, sobretudo, de como ele lida com elas. No caso de uma morte, de resto uma perda bastante definitiva, o velório serve para que os vivos se acostumem com o (em geral) infausto ocorrido. É por isso que as pessoas devem passar pelo caixão e olhar para o morto. Para que sua mente registre: ele não fala mais, não se mexe, não respira; ele está morto. E não é por outro motivo que o homem pré-histórico já realizava funerais. A sabedoria ancestral.

 

Faz-se essa liturgia quando da morte de um ente querido. Um amigo. Um familiar. Ou um personagem público muito admirado. Vide os funerais de Aírton Senna, de Getúlio Vargas e de Tancredo Neves que mobilizaram o Brasil, ou o de Lady Di, que comoveu o planeta via satélite, ou o de Lincoln, que cruzou os Estados Unidos em cima do aço de trilhos de trem.

 

Certo. Mas como se explica 30 mil pessoas comparecerem ao sepultamento de uma desconhecida, como aquela menina que foi assassinada pelo namorado em São Paulo dias atrás? Aí a distorção nacional. O brasileiro tornou-se um consumidor de tragédias. Nada a ver com o gosto pela crônica policial, pelo mistério, nada disso. Eu mesmo sou um entusiasta da Editoria de Polícia, onde muito trabalhei, e com deleite. Porque, sempre digo, não existe nada mais humano do que um assassinato, e todo assassinato tem uma história interessante. Pode ser uma briga de bar – conte o dia em que a vítima acordou para morrer e que o assassino acordou para matar e, pronto, você tem uma bela página.

 

Mas o acompanhamento ansioso do enterro de uma vítima ou o consumo sôfrego de certas minúcias da tragédia, como se tem visto, isso foge do fascínio pelo mistério. E a volúpia pela desgraça alheia é tamanha que até o jornal televisivo mais respeitado do país, o Jornal Nacional, entrega-se à tentação de explorá-la. O que me decepciona, eu que sempre fui, e sou, admirador do Jornal Nacional. Há quem justifique que tal se dá devido à luta pela audiência medida minuto a minuto. Mas ainda acredito no jornalismo. Ainda creio que, a médio e longo prazo, o jornalismo sério tem mais audiência do que a apelação.

 

Enfim. A verdade é que os telejornais estão atendendo a um apelo do consumidor e o que me interessa aqui é saber por que o brasileiro se transformou nesse vampiro de controle remoto. Digo por quê: por causa do vazio. O sujeito atravessa seus dias num emprego monótono e as noites no cárcere de um apartamento de dois quartos dividido com a mulher e os três filhos, ele não sai de casa com medo da violência e não tem dinheiro para viajar, nem ler ele lê porque ninguém o ensinou a gostar de livros, e o pior: ele vive em algum lugar selvagem e árido como São Paulo. Quer dizer: a vida dele não tem sentido. Assim, quando esse triste brasileiro encontra motivo para uma emoção poderosa e inofensiva, ele, de alguma forma, se realiza. Donde, 30 mil pessoas no enterro da menina desconhecida do subúrbio, uma multidão cevando suas próprias emoções rasteiras tirando fotos do caixão com seus celulares luminosos, chorando, escabelando-se, se desesperando. Vivendo, finalmente. As tragédias de telejornal são a salvação espiritual do brasileiro medíocre.