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Quem nunca?

Costume de reutilizar embalagens é uma das maneiras mais comuns de contribuir para a sustentabilidade

Embalagens ganham nova utilidade no ateliê de Letícia (Foto: Arquivo Pessoal)
Potes usados ganham nova utilidade no ateliê de Letícia (Foto: Arquivo Pessoal)

A sugestão da página na Internet era simples: quando o sorvete acabar, usar os potes como divisórias na gaveta e organizar as lingeries. Uma ótima forma de manter as roupas íntimas em ordem ao mesmo tempo em que se colabora com o meio ambiente. Afinal, melhor que descartar corretamente o lixo, é arrumar um novo jeito de fazê-lo útil – princípio básico da boa e velha reciclagem.

Até que alguém usou a postagem do Facebook para questionar: “E o feijão?”. Foi uma forma bem-humorada de lembrar que, além de servir como matéria-prima para artesanato e organização, as embalagens também ganham nova serventia na cozinha. Os potes de margarina que guardam o que sobrou do almoço e os vidros de extrato de tomate que viram copo estão aí na sua casa – ainda que escondidos no fundo do armário ou da geladeira – para confirmar a tese.

A universitária Inês Padilha, 30, aprendeu com a mãe, dona Carolina, o costume de guardar – quase – tudo para reutilizar depois. “Potes de sorvete, vidros, caixinhas, sacolinhas…”, enumerou. “Faço isso por dois motivos: por ter me acostumado a ver a mãe guardar algumas embalagens e, também, para ajudar na sustentabilidade”.

Letícia e parte de suas produções (Foto: Arquivo Pessoal)
Letícia e parte de suas produções (Foto: Arquivo Pessoal)

Aproveitar o máximo que pode das embalagens tidas como descartáveis também é lema na casa da artista visual e designer de superfície Letícia Costa Gomes, 37. E mais ainda em seu local de trabalho, o ateliê Pitanga Crafts, do qual é proprietária. “Eu reutilizo potes para guardar alimentos, porque os acho bonitinhos, vedam bem e são duráveis. Mas, também, uso no ateliê, para guardar materiais”, disse. “Uso até mais do que em casa”. Os materiais a que Letícia se refere são canetinhas, giz de cera, carimbos e afins que utiliza para produzir diversos acessórios exclusivos. As bandejinhas de isopor que antes guardavam queijo e presunto, agora servem para misturar tintas ou colocar cola, por exemplo. E os garrafões de água mineral, com capacidade para cinco litros, se transformam em potes para colocar prendedores e retalhos de tecidos. “Também uso muitos vidros. Tenho botões e outras peças separadinhas em vidros de molho de tomate”, comentou Letícia.

O hábito de praticar o reaproveitamento de embalagens já rendeu cenas inusitadas no cotidiano da artista. “Uma vez, fui num aniversário e as lembrancinhas vinham nuns potinhos plásticos. Peguei os potes de todo mundo, porque, como eram cupcakes, o pessoal comeu e deixou os potinhos para trás”, relembrou. Hoje, os recipientes têm nova utilidade e, dada a sua aparência estilosa, ninguém diz que, a essa hora, eles poderiam estar no lixo.

Caiu na rede
Não fosse a reciclagem, o descarte incorreto de determinados materiais causaria danos graves à natureza. E isso porque estima-se que as embalagens plásticas levem de 200 a 450 anos para se decompor. Se forem garrafas de PVC, esse período salta para 500 anos. E se o recipiente for de vidro, o tempo é indeterminado. No esforço de trabalhar contra um colapso ambiental, redes sociais, como o Facebook e os blogs, acabam sendo um disseminador de sugestões criativas para a reutilização dessas embalagens. E, também, uma vitrine para expor a popularidade desse costume sustentável, sem vergonha alguma. Há, inclusive, quem poste fotos na Internet com verdadeiras declarações de amor aos potinhos e vidrinhos, garantindo, por exemplo, que um copo que antes guardava geleia se sai muito melhor na hora de matar a sede que muita taça de cristal por aí. O meio ambiente certamente curte a iniciativa.

Taís Brem

O desafio de ser sustentável

Como os pelotenses se comportam frente à possibilidade de escassez mundial de água

Mudança de comportamento deve começar pela rotina diária (Foto: Divulgação)
Mudança de comportamento deve começar pela rotina diária (Foto: Divulgação)


Não é novidade para ninguém que a água é um bem esgotável. Estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que, atualmente, 1,6 bilhão de pessoas no planeta vive em região com escassez absoluta de água. E as condições críticas desse quadro, que refletem, sobretudo, na saúde pública, têm tudo para afetar dois terços da população mundial até 2025, se o ritmo do consumo continuar como está, com um quê de despreocupação. Como se não fosse suficiente, desastres relacionados com água – que estão cada vez mais frequentes e intensos – contabilizam 90% dos riscos naturais. Até no Brasil, que é uma das nações mais abundantes em água do planeta, a situação é um problema. Mas, o que a população tem feito para evitar – ou, pelo menos, retardar – um possível colapso ambiental?

Na teoria, o caminho é adotar procedimentos simples no dia a dia, não desperdiçando água enquanto se escova os dentes, ensaboando a louça com a torneira fechada e aposentando a mangueira para lavar o carro com baldes, por exemplo. O desafio está, contudo, em viver esse ideal sustentável e ecologicamente correto na prática.

Para o ecólogo e coordenador florestal Elder Finkenauer, 29, a razão pela qual muitas pessoas ignoram a gravidade da questão está relacionada ao fato do desconhecimento das consequências. “Muitos veem como sendo um exagero, principalmente porque não são afetados pelo problema diretamente”, disse. “A mudança de comportamento é necessária e pode vir em pequenas rotinas, quando as pessoas passarem a valorizar a água como algo precioso, como deve ser”.

A administradora Suzana Lauz, 26, faz parte da parcela da população que não confia totalmente nas estatísticas. “Será que um dia vai faltar água mesmo? Sinceramente, eu não acredito muito. Mas, vá que seja verdade? Por via das dúvidas, eu não economizo, mas, também, não esbanjo”, afirmou.

Na casa da manicure e cabeleireira Andreia Nizolli, 38, a regularidade entre um consumo mais moderado e um gasto maior de água varia. Mas, ela diz acreditar que o ideal seria se todos levassem a sério os alertas para a preservação do recurso. “Que bom que muitas pessoas pensassem que, se continuar o desperdício, isso [os problemas pela falta mundial de água] pode acontecer”, apontou.

Na conta de quem?

Jéssica Farias diz ter consciência do problema ambiental (Foto: Arquivo Pessoal)
Jéssica considera importante poupar água (Foto: Arquivo Pessoal)

Uma coisa é certa: se o bolso não é afetado diretamente, fica bem mais difícil perceber uma mudança de postura. Porém, tanto pela questão mundial de escassez, quanto pelo gasto que um comportamento relapso pode causar às finanças da família, a estudante Jéssica Farias, 19, diz ter consciência da situação. Ela garante que demora entre dez e 15 minutos no banho, não mais. “Acho que é sério e temos que poupar mesmo”, disse. Entretanto, quando a mãe, Simone, entra no assunto, comenta que nem sempre o consumo é assim tão econômico. Quando alguém – além de Jéssica, moram com a cabeleireira outros dois filhos e um neto – fica tempo demais embaixo do chuveiro, ela reclama, batendo na porta do banheiro para mostrar que não está alheia à demora. ”Sei que os aparelhos com resistência têm maior consumo, então, incomodo mesmo. Enquanto eles não me ajudam a pagar as contas, pelo menos, devem colaborar para não gastar demais”, comentou. “O desperdício me incomoda. Detesto ver alguém varrendo a calçada com mangueira ou lava-jato. E o pior é quando a gente questiona e a pessoa responde: ‘Eu é que pago a minha conta de água’”.

Na opinião da universitária Cássia Amaro, 21, a conscientização não deve ser baseada apenas pelo lado do dinheiro. “Mas, pela questão sustentável e prática, afinal a minha geração já sente as consequências, o que dirá a geração dos meus filhos!”, ressaltou. “Uma coisa que muita gente não percebe é que economizar luz, no caso do Brasil, que usa a eletricidade para tudo, inclusive para o aquecimento, é, também, economizar água, mesmo que indiretamente”. Por isso, em sua família, Cássia diz que todos se engajam para economizar ambos – a luz e a água. “Aqui em casa, a gente toma um super cuidado e busca aproveitar a água de todas as maneiras possíveis: a da máquina de lavar é reaproveitada, as torneiras são conferidas para que estejam bem fechadas, os banhos não são demorados e, sempre que a gente lava o carro e a calçada, por exemplo, não fazemos com a mangueira aberta todo o tempo, usamos bastante baldes”.

No início desse ano, a presidente da República Dilma Rousseff divulgou a tão esperada queda nas contas de energia elétrica. A partir de então, a conta de luz está 18,49% mais barata. O impacto da economia foi sentido em muitos lares – e bolsos –, como o do casal de comerciários Monique, 27, e Márcio Coimbra, 37. Eles afirmam que perceberam a diferença e acolheram-na como uma ótima notícia. Mas, confessam que, diante da economia, perder mais tempo no banho é uma tentação. “Já que a conta está mais barata, acabo demorando mais mesmo, porque sei que, até chegar ao valor que era antes, vamos precisar gastar muita água”, afirmou Monique. Além disso, o casal mora num condomínio, onde a conta de água é dividida por todos os moradores, independente do quanto gastam em seus lares, por família. “Muitas vezes, isso faz com que a gente pense: ‘Se temos que pagar mesmo sem usar, não há mal nenhum em gastar um pouco mais”. O marido, porém, demonstra entender que o comportamento deve ser mudado. “Está na hora de gastar menos para sobrar mais água para o planeta, porque essa história de escassez pode não ser bobagem”.

Simone, Cássia e Coimbra estão certos. Assim como o banheiro é o lugar onde mais se gasta água numa residência, conforme a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), os chuveiros elétricos são responsáveis por uma porcentagem significativa no consumo geral de energia da casa. No inverno, inclusive, quando o aparelho normalmente é regulado para aquecer mais a água, o consumo chega a aumentar até 30%.

“E eu, com isso?”

Fábio Roberto e Lia Machado (Foto: Divulgação)
Fábio Roberto e Lia Machado (Foto: Arquivo Pessoal)

O técnico em Contabilidade Fábio Roberto, 36, diz acreditar que o assunto é sério: realmente, pode chegar o dia em que a água não será mais tão acessível para a maior parte dos habitantes da Terra. Mesmo assim, para ele, a sociedade continua se comportando de forma despreocupada, porque não crê que as consequências chegarão à geração atual. “Pode acontecer, mas não vai nos atingir, então, não nos preocupamos. A maioria pensa que não estará mais aqui para sofrer com isso”, disse. Sua mulher, Lia Machado, 48, acha que o caso não é tão simples assim. Moradora do bairro Guabiroba, a secretária cita a escassez que ela e os vizinhos enfrentam durante o verão, quando costuma faltar água na localidade, como um sinal do problema. Finkenauer esclareceu que a falta de água a que Lia se refere não tem a ver com o racionamento mundial, já que a água potável é diferente da água total do planeta. Ainda. “Mas, poderá se tornar no futuro”, alertou o ecólogo.

Vilão ou mocinho?
Por que viver de modo sustentável fica ainda mais difícil quando se está debaixo do chuveiro?

Economia no tempo do banho é boa para o bolso e para o planeta (Foto: Daniel Avellar)
Economia no tempo do banho é boa para o bolso e para o planeta (Foto: Daniel Avellar)

Segundo informações do Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (Sanep), um banho de chuveiro elétrico de 15 minutos consome aproximadamente 144 litros. Ao fechar o registro enquanto se ensaboa, o consumidor pode economizar mais de 50 litros de água. O grande “problema”, é que, tomar banho está longe de ser apenas o símbolo da higiene completa do corpo. Uma boa ducha é capaz de aliviar dores e estimular a circulação do sangue. Se está frio, a chuveirada ajuda a aquecer o corpo, e, refresca, quando faz calor. É indicada para despertar, mas, também, ajuda para relaxar, depois de um longo dia de trabalho.

Realmente, está para nascer uma prática que se encaixe tão bem nas diversas necessidades do ser humano como o banho. Todavia, a culpa não é apenas dele, que impulsiona bastante o consumo desenfreado no ambiente doméstico. Como causas da escassez que ameaça o planeta estão o esgotamento das reservas naturais de água, o desmatamento, a poluição e a falta de políticas públicas que estimulem o uso sustentável, a participação da sociedade e a educação ambiental. O desperdício ainda pode ser fomentado pelas perdas decorrentes da deficiência técnica e administrativa dos serviços de abastecimento de água, provocadas, entre outros motivos, por vazamentos e rompimentos de redes. Ainda conforme informativo do Sanep, essas perdas se devem à falta de investimentos em programas de reutilização da água para fins industriais e comerciais, “pois, água tratada, depois de utilizada, é devolvida aos rios sem tratamento, em forma de efluentes, esgotos e, portanto, poluída” e inutilizável.

Taís Brem