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Falando em Copa

Copa desse ano tem dividido opinião de torcedores (Foto: Divulgação).
Copa desse ano tem dividido opinião de torcedores (Foto: Divulgação).

Falar de Copa de Mundo me traz muitas coisas à mente. Lembro da Copa de 1990, quando a bola em campo era o que menos me importava. Tudo o que eu mais queria era colecionar aqueles copões da Pepsi, decorados com motivos relacionados ao Mundial. Lembro da de 1994, a “minha primeira Copa”, de fato, da qual participei ativamente, torcendo, opinando, preenchendo as tabelinhas dos jogos, ajudando minha mãe e minha avó a preparar os lanches para as partidas, aprendendo sobre um universo novo, que se tornou fascinantemente especial depois da conquista do tetra. Lembro de chorar pela derrota de 1998 e me perguntar por que aquele cara da França tinha que nos humilhar ainda mais marcando o terceiro gol contra nós, no finalzinho do segundo tempo. Lembro de acordar de madrugada em 2002 para assistir a muitas das partidas que nos levariam ao pentacampeonato. E lembro de pouco me lixar para o que aconteceu nas copas que vieram depois. Até essa, de 2014.

A Copa do Mundo desse ano está sendo diferente. Porque somos os anfitriões, sim. Embora, eu vá assistir a todos os jogos pela TV mesmo, como sempre. Mas, principalmente, porque a reação dos brasileiros quanto ao evento está tornando esse um momento singular. Há quem considere essa uma ótima oportunidade de demonstrar toda a nossa paixão pela camisa verde e amarela, vibrando e fazendo o possível para que essa seja a Copa das Copas. Todavia, há quem torça contra o sucesso do Mundial e, também, da Seleção Brasileira. A motivação? Protestar contra a corrupção. Porque se acha totalmente inútil mobilizar todo um país para um evento supérfluo enquanto a educação, a saúde e todo o resto agonizam. Parece justo. Acontece que não é. Não na minha humilde opinião.

É como aquela velha polêmica que questiona por que gastar dinheiro comemorando Carnaval enquanto outros setores públicos precisam tanto de verba. Particularmente, não sou adepta da comemoração. Mas, creio que, se o dinheiro da educação, da saúde, do transporte, da habitação e da “mãe do Badanha” fossem aplicados como deveriam, haveria recurso de sobra para tudo. Inclusive, para a cultura e o entretenimento. As festas não são o vilão. O vilão é a má-utilização do dinheiro público. E isso acontece com ou sem Copa. Com ou sem Carnaval. Com ou sem PT. Infelizmente.

Muitas vezes, esse pessimismo coletivo não tem nem um fundamento decente. Hoje, por exemplo, tinha gente se dizendo croata desde pequeninho e nem sabia explicar o porquê. Quer dizer, sabia: apenas para ser contra o Brasil.

Ainda bem que a gente ganhou. Seria muito frustrante perder o primeiro jogo, em casa, reforçando todo esse ar de mau humor que anda pairando por aí nos últimos meses. Entendo as justificativas de quem espera muito mais do que estádios padrão FIFA para melhorar a nossa situação. De quem quer muito mais do que chamar a atenção do resto do mundo, quer uma vida digna para se viver quando não tiver nenhum turista olhando. Entendo tudo isso. Sou brasileira. Mas, não sou alienígena. Por isso, nessa Copa, entre o pessimismo e o otimismo, fico com o segundo. Que tudo possa dar muito certo. Dentro e fora do campo. O espetáculo começou e, sim, vai ter Copa.

Taís Brem
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A corrupção nossa de cada dia

Mesmo imperceptíveis, atos corruptos acabam fazendo parte do cotidiano de simples cidadãos

Quando apreendidos, produtos falsificados são destruídos (Foto: Prefeitura de Contagem)
Quando apreendidos, produtos falsificados são destruídos (Foto: Prefeitura de Contagem)

A prima de Breno* comemorava a instalação de uma televisão a cabo gospel em sua casa. Era o fim da dependência midiática àquela emissora cuja qualidade da programação há muito deixou de acompanhar sua popularidade. Ele também viu nisso motivo para comemoração e não perdeu a chance de fazer a proposta: “Vamos compartilhar?”.

Durante uma discussão acalorada, Maiara* aumentou o tom da voz para que todos os colegas de classe pudessem ouvir sua opinião a respeito do consumo de produtos piratas. O professor lançou a questão e ela falou, até com certa dose de orgulho nas palavras: “Eu compro piratas, sim! E, duvido que, com o preço que estão os originais, alguém consiga manter uma coleção de CD’s se não for desse jeito!”.

Gislaine* é médica, profissão sonhada por muitos por ter a fama de remunerar bem. Em tese, não tem do que reclamar. Mas, quando o assunto é imposto, ela reclama, sim. “Eu acho muito dinheiro. Trabalhei ‘um monte’ ano passado, retive na fonte e ainda tive que pagar R$ 8 mil que faltaram!”. Sobre a pirataria, a questão financeira, novamente, ganha foco: “É ambivalente mesmo e eu fico me culpando. Tento evitar, mas, se eu não comprar pirata, eu não vou comprar o original, porque não tenho o dinheiro”, argumenta.

Ândrea* diz que nada compensa o preço baixo dos produtos piratas, porque danificam os aparelhos e, é lógico, não têm a qualidade de um produto original. “Já comprei, mas, hoje em dia, prefiro não comprar mais”.

Bárbara* conhece a lei. Sabe que comprar mercadorias não-originais é crime e demonstra receio em admitir. Entretanto… “Sim, eu compro. Mas sei que é errado”.

O leitor que chegou até aqui deve estar com um pé atrás com o título da reportagem. Até porque pequena é a probabilidade de você estar numa praia paradisíaca, lendo essa notícia no seu notebook ou tablet para relaxar, depois de aplicar o seu mais recente golpe milionário. Mas, pode acreditar, não é nada pessoal. Qualquer um de nós está sujeito a ser corrupto em pequenos e corriqueiros hábitos do dia a dia. No contexto, a compra de produtos piratas, a sonegação de impostos e a ligação clandestina de energia elétrica, de sinal a cabo e de Internet são somente a ponta do iceberg. Tem, também, a cola na prova, o troco a mais não devolvido, o atestado “frio” no serviço e até a manobra para furar a fila e chegar mais rápido ao atendimento. A lista só aumenta. Infelizmente, a frequência com que tais comportamentos são praticados é tão grande que esses e outros atos corruptos viraram rotina. E, o pior: uma rotina aceitável na qual o adjetivo “corrupto” soa até como exagero. No momento em que o país inteiro se revolta contra a má administração do governo e os episódios de corrupção que dominam a máquina pública, é válida a reflexão sobre a parte que cada cidadão deve desempenhar. Apesar dos preços altos e do superfaturamento que favorece os setores público e privado, é justificável pagar na mesma moeda?

Na opinião do pastor do Ministério Casa de Oração (MCO) e coronel da reserva do Exército Brasileiro, Sergio Ribeiro Guimarães, a postura não é generalizada. Mas, muitas das pessoas que reclamam da desonestidade dos políticos, também agem de forma desonesta. “Na verdade, elas estão reclamando, porque não tiveram a oportunidade de fazer o mesmo que esses políticos estão fazendo. Acredito, também, que existam muitas pessoas honestas indignadas com a bandalheira dos nossos políticos e que esperam uma mudança na mentalidade que tem norteado muitos brasileiros para levar vantagem em tudo”, comentou.

“Não existe pequena corrupção ou grande corrupção. O que existe é a oportunidade de cometê-la no meio que estamos inseridos. Estes grandes corruptores quando estavam em outras camadas sociais já praticavam suas corrupções, assim como creio que esses que cometem as pequenas, se chegarem lá no alto poder virão a cometer as grandes, também”.

A psicóloga Marilei Vaz partilha da mesma opinião e diz acreditar, inclusive, que até os asteriscos que acompanham o nome das personagens no início desta reportagem (colocados a pedido dos entrevistados para proteger sua real identidade), podem ser encaixados no que, na psicanálise, chama-se “mecanismos de defesa”: “Embora essas atitudes desonestas tenham respaldo social, as pessoas tendem a querer camuflá-las e usar de mecanismos para suportar a dificuldade de aceitar os próprios erros”, explicou. “Na verdade, não importa se são pequenas coisas ou não. Quem é honesto, é honesto. O ideal seria que a sociedade parasse de resolver tudo na mentira e voltasse à transparência”.

Um jeitinho ali, outro acolá
Soando ou não como falso moralismo, o debate é extenso e provoca posicionamentos diversos. O músico e publicitário, André Chiesa, por exemplo, concorda que práticas como a sonegação de impostos e a pirataria sejam erradas. Porém, faz ressalvas. “Tenho dois lados. Acho importante ser visto que, assim como não é certo consumir um produto que não é original, uma pessoa que vende esse tipo de produto trabalha igualmente, como qualquer outro comerciante. Até onde estamos errados?”, questiona. “Sabemos que as marcas originais superfaturam seus valores simplesmente pelo logo impresso ao mesmo tempo em que escravizam chineses, indianos e tantos outros em suas fábricas terceirizadas”.

Integrante da banda Pimenta Buena, Chiesa diz, inclusive, que não se sente lesado com as cópias que volta e meia surgem do DVD e dos dois CD’s já lançados pelo grupo. “Acho que ajuda muito a divulgar. Em um mercado onde quem menos ganha é quem cria tudo, para nós só ajudou”, disse.

Punição ou conscientização?
Em maio desse ano, o Ministério da Justiça lançou o 3º Plano Nacional de Combate à Pirataria, elaborado pelo Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual (CNCP). A ideia é trabalhar ações de conscientização tanto junto aos consumidores quanto aos próprios órgãos públicos, além de apoiar iniciativas empresariais voltadas à formalização da economia, inclusão social, apoio à gestão da inovação e ao empreendedorismo. Aumentar o enfrentamento da pirataria por meio de ações repressivas ou de fiscalização também está no projeto.

Companhia faz fiscalização e campanhas de alerta à população (Foto: CEEE)
Companhia faz fiscalização e campanhas de alerta à população (Foto: CEEE)

Sob o mote “Se alguém está utilizando energia de graça, os outros estão pagando por isso!”, a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) possui até formulário online para quem quiser contribuir denunciando irregularidades. E não apenas pelo prejuízo financeiro, mas, para evitar casos como o ocorrido em dezembro de 2011, quando um homem morreu eletrocutado, próximo à Estação Rodoviária de Pelotas, ao tentar puxar energia elétrica para sua casa de um poste da CEEE.

Quando o assunto é a clandestinidade no sinal de TV a cabo, também se fala em providências. Conforme dados divulgados pela Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), num período de dez anos, sem um combate eficiente, a pirataria no setor pode eliminar 150 mil postos de trabalho legais e qualificados, sonegar mais de R$ 500 milhões ao Tesouro Nacional, desviar R$ 10 bilhões em investimentos e atrasar programas de inclusão digital. Embora socialmente tolerados, os praticantes dessa infração são enquadrados, há dois anos, como usuários ilegais de telecomunicações, pela Lei Geral das Telecomunicações. Isso vale tanto para quem concede como para quem utiliza o sinal clandestino.

Quem pratica sonegação fiscal, omitindo informações na Declaração do Imposto de Renda para diminuir a contribuição, por exemplo, está sujeito a pena de reclusão e a multa, de acordo com a legislação federal.

Mas, e quando os pequenos delitos não são considerados crimes formalmente falando? A funcionária pública Luiza Soares, considera que, mesmo assim, vale a auto-vigilância. “São coisas muito sérias. Se não vigiarmos, nas pequenas coisas podemos estar concordando com o que eles [os corruptos] estão fazendo”. Ao que Sergio Guimarães completa: “Cabe a cada um de nós fazer a nossa parte dentro da sociedade e orarmos para que essa mudança ocorra ainda em nossos dias”. Agora, a responsabilidade fica na consciência de cada um.

Taís Brem
*Texto publicado originalmente em agosto de 2013 no site de notícias Reportchê.

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