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Dia D

Depois que inventaram as efemérides, ninguém precisa mais de um desaniversário à la Alice no País das Maravilhas para celebrar aqueles dias em que parece não se ter nada para comemorar. Há dia para tudo, em homenagem a todos, para que ninguém se sinta menosprezado. Só eu, por exemplo, além dos dias do meu aniversário de vida e de casamento, posso ser parabenizada no Dia das Mães, no Dia Internacional da Mulher, no Dia do Jornalista, no Dia da Consciência Negra, no Dia do Evangélico, no Dia Mundial de Combate ao Lúpus, no Dia do Irmão, Dia do Leitor, Dia do Repórter, Dia do Revisor, Dia Mundial da Juventude, do Vizinho, do Cliente, da Madrinha, do Músico, do Adulto, da Amizade… No mínimo! E, para os mais bem-humorados, até no Dia de Santa Thais. Aliás, junto a essa data e ao Dia de Todos os Santos, a Igreja Católica tem um calendário repleto de homenagens próprias. Praticamente, um santo para cada dia do ano.

Além das datas tradicionais, que, literalmente, param tudo em função de suas celebrações, existem efemérides bem curiosas e pouco conhecidas, eu diria, como o Dia do Aperto de Mão, o Dia do Enfermo, o Dia da Toalha, o Dia do Papa, o Dia do Disco Voador, o Dia do Desarmamento Infantil, o Dia do Alcoólico Recuperado, o Dia do Canhoto, o Dia do Cotonete, o Dia do Boi e o Dia do Samurai. Quem inventa tudo isso? Muitas dessas datas surgem de momentos de ociosidade parlamentar. Mas, mais intrigante que a criatividade – e certa inutilidade – delas, é perceber sua origem. A maioria tem a ver com morte. Isso mesmo. Semana que passou, por exemplo, em 12 de setembro, foi Dia do Servidor Penitenciário. Desde quando? Desde que dois agentes, chamados Santos e Medeiros, foram brutalmente assassinados, em 1985, quando faziam seu serviço rotineiro, ao levar um preso para uma audiência num ônibus da linha Caxias/Porto Alegre. Uma das histórias atribuídas à origem do Dia dos Pais faz referência à viuvez de um ex-combatente de guerra que, sozinho, criou os seis filhos. O Dia do Ciclista, aqui no Brasil, é o mesmo dia em que um rapaz de bicicleta morreu atropelado por um veículo dirigido por um motorista embriagado. O Dia do Irmão, que mobilizou boa parte das redes sociais há duas semanas, começou a ser comemorado a partir da data de morte de Madre Teresa de Calcutá. E por aí vai. Bizarro.

Além de curioso e bizarro, assimilar tanta comemoração chega a ser, também, embaraçoso. No ímpeto de tentar fazer a social e parabenizar todos os contemplados numa ou outra celebração, corre-se o sério risco de esquecer alguém. 24 de maio é um desses dias bem movimentados. Quando chegar o momento de parabenizar os datilógrafos, não esqueça de mandar uma cartinha ou fazer uma visita àquele seu conhecido que está preso. Se postar alguma homenagem nas redes sociais, não deixe de mencionar os telegrafistas. Ah, e é claro, lembre-se dos vestibulandos, mesmo que não lhe chegue à memória o nome de ninguém que esteja em situação pré-universitária. Pelo sim ou pelo não, assim, você acumula mais chances de não deixar ninguém ofendido.

O “bom” disso tudo é que a maioria dessas datas é só um protocolo. Fossem todas elas feriados, ninguém mais ia trabalhar nesse país. Melhor nem dar ideia.

Taís Brem

Texto publicado também no Reportchê.

Pelotismos e pelotices

Quem é pelotense nato, como eu, ou mora aqui há certo tempo deve estar se divertindo bastante ao acompanhar a campanha publicitária de um empreendimento que está em vias de inauguração na cidade. Feita no Facebook, a série de propagandas mostra o jeito peculiar que Pelotas tem de se comunicar. Claro que muito do que está ali pode ser confundido com o que é dito no resto do Rio Grande do Sul (como o “cacetinho”, o “guisado” e o “negrinho”). Mas, temos, sim, expressões que bem podiam ser apelidadas de “pelotismos” ou “pelotices”, que o digam o “partiu o Guabiroba”, o “te desse”, o “merece” e o “bem capaz”.

Além de provocar boas recordações, a iniciativa traz um sem número de expressões semelhantes à memória. Me peguei com bloco e caneta na mão dia desses anotando o que poderia caber exatamente na ideia daquelas propagandas. A torneira que chamamos de “pena”, o armazém que apelidamos de “venda”, o glacê que denominamos “merengue”, o rabo-de-cavalo que, pra nós, é “colinha”.

Há uns dez anos, uma amiga carioca, recém-chegada na cidade, se surpreendeu ao ouvir o elogio de uma pelotense à sua filha que tinha cerca de dois aninhos: “Que nojo!”, disse a mulher. A expressão dela, no entanto, não era de asco, mas de quem acabava de achar a guriazinha fofa demais, lindinha, quase uma bonequinha. Minha amiga deduziu, portanto que, para os pelotenses, “que nojo” também pode ser sinônimo de “que amor”, “que graça” ou coisa que valha.

Sim, ela estava chegando à terra em que ponto de ônibus é “paragem”, geada é “cerração” e inseticida é “flit” ou “xispa”. O que o resto do Brasil chama de manta, para nós é “coberta” ou, até, “sono leve”. E a nossa “manta”, para eles é cachecol.

Pelotas tem dessas coisas. Lembro do tempo em que 07 de setembro era data mais que certa no calendário para reunir as famílias para assistir à Parada da Juventude na Avenida. A atração mais esperada? “A Banda da Escola”. Ninguém precisava perguntar a que avenida, a que banda ou a que escola nos referíamos. Estava subentendido: a “avenida” era a Bento Gonçalves e a “banda”, a marcial da “escola”, a Escola Técnica Federal de Pelotas – que já foi CEFET e hoje atende pelo nome de IF-Sul. Conheço, inclusive, quem, ao completar a maioridade, se surpreendeu ao saber que Pelotas tinha, sim, outras avenidas e que a Bento não era exclusiva.

Só quem é daqui entende o que queremos dizer quando falamos de “Curva da Morte”, “Bairro Cidade”, “Guabi”, “Bonja”, “Donja” ou “Avenida Interbairros”. E aquela rua que lá na capital, Porto Alegre, chamam de “Marechal”, pra nós é apenas “Deodoro”. Deve ser porque nos sentimos mais íntimos.

Taís Brem

Texto publicado também no site Reportchê.