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Graça sem graça

Mais de 60 mil pessoas já curtiram a ideia e para lá de 260 mil compartilharam. Embora não oficial, o movimento de uma fanpage chamada Mussum Sinceris propôs numa postagem, dia desses, que reprises do programa Os Trapalhões (que passou na Globo entre 1969 e 1994) substituam o humorístico Zorra Total, nos sábados à noite.

A bem da verdade, nunca conheci uma pessoa sequer que goste realmente do Zorra, que ria daquelas piadas sem graça, que ache que aquilo deva continuar no ar. A estatística que mostra a quantidade de gente que apoia a saída da atração da grade de programação da Rede Globo, por si só, poderia comprovar isso. Mas, levando em conta que é “apenas” uma proposta facebookiana, restrita aos usuários da rede social, há que se ter certo cuidado.

O que se sabe mesmo é que fazer rir, de verdade, está cada vez mais difícil. E isso, obviamente, não se restringe à emissora de maior audiência no Brasil. A Globo é somente mais um exemplo. O SBT é outro, com seu maior representante do gênero – A Praça é Nossa, criado na década de 1950 e no ar até hoje –, igualmente deficitário em termos de irreverência de qualidade. Em ambos os programas, os tipos são caricatos demais, os atores que os interpretam não têm, sequer, o domínio de controlar as próprias risadas enquanto encarnam os personagens e os textos são sofríveis. O pior é que essa tendência tem invadido outras atrações. As novelas, por exemplo. É óbvio que não é de hoje que os escritores incluem no elenco personagens com uma dose de humor – ninguém aguentaria apenas dramalhão nos folhetins. Mas, o que é Cláudia Raia naquele desespero interpretando a paranormal de Alto Astral? E Paulo Betti, com seu jornalista exageradamente gay na recém-substituída Império? Aguinaldo Silva declarou que estava orgulhoso da atuação de Betti e não conseguia vê-lo encarnar Téo Pereira sem gargalhar a milhões. Eu, como telespectadora, posso estar totalmente fora do padrão, mas discordo dele – a expressão “vergonha alheia” é a única que melhor define o que sinto quando os assisto.

Sílvio Santos diria que se o povo gosta desse tipo de atração, por mais sem graça e bizarra que seja, é isso que o povo vai ter. Afinal, se a audiência está garantida, o resto é mero detalhe. Os intelectuais, por sua vez, diriam que isso é menosprezar a inteligência do povo.

Talvez a Globo esteja testando a aceitação de programas mais antigos com ações como a aplicada no Vídeo Show, há alguns meses. Quem acompanha o programa já percebeu, com certeza que todo santo dia, após a saudação de Otaviano Costa, quem toma as rédeas é o clássico personagem de Chico Anysio, o Professor Raimundo, com sua Escolinha. Seria esse um sinal de que, a qualquer hora, podemos ser surpreendidos com o imortal quarteto de volta à telinha? Só revendo os episódios para saber se valeria a pena. À época da exibição original, Didi, Dedé, Mussum e Zacarias faziam até o poeta Carlos Drummond de Andrade parar em frente à televisão. E isso não me parece pouca coisa. Pelo menos, poderíamos esperar programas um pouco melhores.

Taís Brem
*Texto originalmente publicado no Observatório da Imprensa.

Quer que eu soletre?

Embora não raros, nomes diferentes sempre chamam a atenção; Saiba quais são as regras para se registrar um filho no Brasil

Pais demonstram criatividade na hora de registrar os filhos (Foto: Taís Brem)
Pais demonstram criatividade na hora de registrar os filhos (Foto: Taís Brem)

Poderiam ter escolhido chamá-lo Sandro, Sílvio ou Sergio. Até porque, a única exigência familiar era seguir a tradição de colocar nos filhos nomes com a mesma inicial – a letra “S”. Nessa linha, o irmão caçula de Soraya, Saulo e Sara, nascido em abril de 1983, quase ganhou o direito de ter o nome de um craque do futebol da época, o jogador Sócrates. Mas, a leitura de um livro de nomes gregos, ainda na maternidade, trouxe um toque de exclusividade para a família. Ou quase isso, porque, até hoje, Ságares Martins conheceu somente uma pessoa com nome igual ao seu, por meio do Facebook.

Ságares sempre levou piadas na "esportiva" (Foto: Arquivo Pessoal)
Ságares sempre levou piadas na “esportiva” (Foto: Arquivo Pessoal)

Pastor da Aliança das Igrejas Para Restauração (AIR), Ságares diz nunca ter tido problemas por se chamar assim. Pelo contrário: seu nome diferente facilitou a vida dos amigos, que não tiveram o trabalho de pensar num apelido para ele. “Na minha infância, até por causa da minha personalidade, sempre levei as piadinhas na esportiva”, comentou. “Sei que não é um nome comum, mas sempre fui apaixonado pelo meu nome e ele sempre me dá uma oportunidade de conhecer pessoas diferentes”.

Laixa: pronúncia é o que mais atrapalha (Foto: Arquivo Pessoal)
Laixa: pronúncia é o mais complicado (Foto: Arquivo Pessoal)

Também surgiu por intermédio de um livro – desta vez, russo – a ideia de pôr, há 29 anos, o nome de Laixa, na moça que, hoje, é administradora. Quem se apaixonou pelo nome escrito no romance foi a tia de sua avó paterna, que, ao ter uma filha, lhe batizou assim. Às vésperas do casamento de seus pais, enquanto o nome da parente era escrito nos convites para a cerimônia, a mãe de Laixa decretou: quando tivesse uma filha, seguiria o exemplo. O único empecilho para registrar a criança foi comprovar que já havia alguém chamado da mesma forma. “Tiveram que levar a carteira de identidade da Laixa para provar que já havia registro de outra pessoa com esse nome e que o mesmo era um nome de família”, explicou Laixa Soares. Ela diz nunca ter tido vontade de mudar seu nome. “Pelo contrário, adoro. As pessoas erram sempre, nunca conseguem falar certo na primeira vez. A dificuldade é na pronúncia, que tenho que repetir várias vezes para que as pessoas entendam o som do ‘x’, mas nada que venha a me atrapalhar”. Detalhe: é provável que, até aqui, você também tenha errado a pronúncia do nome dela. O “x” não tem som de “ch”, mas é pronunciado como na palavra “táxi”, daí a complicação.

Embora nos últimos anos os cartórios tenham visto uma verdadeira volta ao passado no fato de os pais procurarem registrar seus filhos com nomes tradicionais – que o digam os Joões, Pedros, Marias e Franciscos –, volta e meia o recurso da soletração é acionado para facilitar a escrita e a pronúncia de nomes diferentes, como o de Ságares e Laixa.

“Nosso papel é acatar a vontade dos pais, desde que escolham um nome que não venha a prejudicar a criança no futuro”, explicou o tabelião oficial do Cartório Dunas – Tabelionato de Notas e Registro Civil, Evaldo Afrânio Pereira da Silva. De acordo com o tabelião, a primeira regra que se leva em conta para permitir o registro de nascimento é respeitar a língua oficial de nosso país. Entretanto, os cartórios são flexíveis com as opções por nomes carregados de “k”, “y”, “h” e “w”, letras que lembram estrangeirismos. “Tem gente que vai registrar ‘Tiago’, por exemplo, e prefere colocar com ‘th’. Indicamos que usem a forma aportuguesada, mas, respeitamos costumes de família ou de religião, se não for um nome que vai levar aquela criança que se tornará um adulto ao ridículo. Do contrário, levamos à via judicial e encaminhamos para o Fôro”, comentou Pereira da Silva. “Normalmente, temos poucos casos fora do padrão. É muito tranquilo”.

Made in Brazil

Beriane considera seu nome legitimamente brasileiro (Foto: Arquivo Pessoal)
Beriane considera seu nome legitimamente brasileiro (Foto: Arquivo Pessoal)

Mesmo dona de um nome incomum, a engenheira agrônoma Beriane Veleda, 37, considera que a escolha que seus pais fizeram, inspirados num nome que ouviram durante um programa de rádio, se encaixa perfeitamente na língua portuguesa. “Acho legal e diferente. Sempre gostei do meu nome, que é brasileiro e de escrita simples”, opinou. “As pessoas agora pegaram essa mania de botar nas crianças nomes americanizados que, muitas vezes, não sabem nem escrever muito menos falar. Eu, particularmente, não gosto e não apoio. Somos brasileiros e devemos valorizar isso”.

A técnica em Edificações Aline Vallim, 28, e seu marido, o militar Daniel, 29, haviam pensado em duas opções de registro para o segundo filho do casal: Tito, em referência ao discípulo citado na Bíblia; e Yonathan, cujo significado é bênção, presente dado por Deus. “Concordamos que Yonathan era mais bonito e definimos a grafia com “y” e “th”, mesmo depois de uma enfermeira ter comentado na maternidade que, talvez, tivéssemos problemas para registrá-lo”, relembrou ela. No cartório, entretanto, não houve empecilho algum. Quanto às restrições existentes para o registro de nomes no Brasil, Aline disse acreditar ser importante. Pelo menos, em parte. “Evita que muitos registrem seus filhos com nomes realmente estranhos e que, no futuro, possam causar constrangimentos às crianças. Porém, quando é apenas uma questão quanto à forma escrita, me parece um pouco de exagero”.

Únicos e exclusivos

Nome de Dioglafan foi "sugerido" em sonho (Foto: Arquivo Pessoal)
Nome de Dioglafan foi “sugerido” em sonho (Foto: Arquivo Pessoal)

Pode até haver outra pessoa que se chame assim. Todavia, não que ele saiba. “Sou modelo único. Papai do Céu me fez e jogou a forma fora”, brincou o agente de trânsito Dioglafan Vieira, 35. O nome do qual ele se orgulha e diz nunca ter pensado em trocar surgiu de um sonho que sua mãe teve quando estava grávida de seu irmão mais velho. “No sonho, entregaram para ela um pequeno pedaço de papel em que estava escrito ‘Dioglafan’. A pessoa que entregou o bilhete falou que ela deveria colocar este nome no primeiro filho, pois, se não o fizesse, perderia o segundo que viria a ter. Minha mãe contou para o meu pai, mas ele achou que era bobagem. Em 1974, após o nascimento de meu irmão, meu pai foi ao cartório e registrou-o como Roger. Em 1976, minha mãe engravidou do segundo filho, o qual nasceu após complicações na hora do parto, vindo a falecer algumas horas depois. Dois anos mais tarde, grávida novamente, ela disse a meu pai: ‘Não importa o que tu queiras ou o que aconteça: o nome será Dioglafan”, relatou. E assim foi.

No momento do registro de Dioglafan houve um caso semelhante ao que o tabelião Evaldo mencionou como extremo: a mãe dele teve de pedir ao juiz da comarca de Pedro Osório – município em que a família morava na época – para interceder junto ao cartório em favor dela, já que o escrivão não aceitava registrar um nome tão diferente e inédito. Com a liberação judicial, Dioglafan fez nascer mais um galho na curiosa árvore genealógica que já contava com o avô materno Estelito, a avó paterna Cesaltina e o próprio pai, Orani. Ao colocar o nome em seus filhos, contudo, Dioglafan facilitou o processo: as meninas chamam-se Manuela e Laura. Simplesmente.

Para Lárarson, nome diferente funciona como "cartão de visitas" (Foto: Arquivo Pessoal)
Para Lárarson, nome diferente funciona como “cartão de visitas” (Foto: Arquivo Pessoal)

Além das inspirações incomuns, há, ainda, histórias de nomes que são registrados de forma estranha em função de erros. O do jornalista Lárarson Cortelini, 25, é um exemplo. “Meu pai foi quem escolheu meu nome, mas nunca perguntei para ele o porquê. O que minha mãe conta é que meu pai queria me registrar como Larson, mas não soube explicar para a pessoa que fazia o registro e acabou registrando Lárarson”, afirmou. “Nunca tive vontade de mudar de nome, porque sempre funcionou como um cartão de visitas. Ele faz com que as pessoas lembrem de mim e isso é útil, principalmente na minha profissão” .

Se o leitor considera criativos os nomes citados nessa reportagem, precisa conhecer o livro “Nomes próprios pouco comuns – Contribuição ao estudo da antroponímia brasileira”, escrito pelo etnógrafo Mário Souto Maior e prefaciado por Carlos Drummond de Andrade. Entre os nomes registrados na obra estão Gilete Queiroga de Castro, Magnésia Bisurada do Patrocínio e Naída Navinda Navolta Pereira. A boa notícia para quem não for tão bem-resolvido quanto nossos entrevistados é que existe legislação que protege o direito do cidadão de mudar de nome. De acordo com a Lei de Registros Públicos, é possível solicitar a troca não apenas em caso de exposição ao ridículo, mas quando há nome igual ao de alguém que tenha problemas financeiros; no caso de mudança de sexo; em processo de adoção; em caso de proteção a vítimas e testemunhas e na substituição por apelidos públicos notórios, como o cantor Neguinho da Beija-Flor, que, agora, assina Luiz Antônio Feliciano Neguinho da Beija-Flor Marcondes.

Taís Brem