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Obrigada, não sou macaca

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A mania de aproveitar o espaço esportivo para exercitar o preconceito – sobretudo, racial – está em alta. Por isso, dia desses surgiu uma nova vítima, o jogador do Barcelona Daniel Alves, que é negro. Parece que ele estava em campo contra o Villareal e foi atingido por uma banana, lançada por um torcedor numa clara tentativa de chamá-lo de macaco. Eu não sei se Alves, por acaso, já tinha pensado com seus botões que reação teria caso fosse alvo de uma atitude assim. O certo é que ele fez o inusitado: parou a bola, pegou a banana, descascou-a e comeu. Para só depois continuar o jogo. Queria, como declarou depois, “rir dos racistas retardados”.

E foi assim que começou essa enorme campanha com a hashtag #SomosTodosMacacos, que está se espalhando pela Internet e além dela. Os pais da ideia? O também jogador de futebol Neymar e a agência de publicidade Loducca.

Eu não conhecia a história desde o começo. E, sinceramente, quando deparei com ela, pensei que era algo mais profundo – Darwin, evolução, macacos, seres humanos, entende? De qualquer forma, contou com meu repúdio desde o início. Porque acredito no criacionismo. Não me conformaria em ser resumida a uma macaca, mesmo que evoluída.

Contudo, quando soube do que, de fato, se tratava a iniciativa, tentei entender pelo lado positivo. As pessoas que têm aderido à campanha, principalmente as celebridades – de Dilma Rousseff a Michel Teló -, parecem querer apenas mostrar que estão do lado dos negros desprezados, que sofrem preconceito dessa forma tão arcaica e sem criatividade. Mas, esse lema soa aos meus ouvidos como um “tiro no pé”, que estimula a associação entre negros e macacos mascaradamente. Ou seja, dá no mesmo. E nesse circo todo, até os macacos resolveram se defender e dizer que não querem ser comparados aos seres humanos. Certo eles. Cada um na sua.

Como negra, agradeço a solidariedade de todos os que aderiram a essa polêmica campanha em prol do respeito às diferenças raciais. Gosto muito de banana, mas gosto ainda mais de respeito. Muito obrigada, mas eu não sou macaca.

Taís Brem
*Texto publicado originalmente no Clicsul.net.

Mundo paralelo


Particularmente, não lembro disso muito bem. Mas, tenho um amigo que, volta e meia, recorda uma cena que povoou boa parte das manhãs das crianças da década de 1980: a mesa de café da manhã da Rainha dos Baixinhos. Tinha de tudo ali, não só o básico café preto, obviamente. Tinha leite, iogurte e suco. Tinha pão, bolacha e bolo. Tinha geléia, margarina, patê e sabe-se-lá-mais-o-quê! E frutas, muitas frutas. De todas as cores, tamanhos e sabores. Uma mesa farta, de encher os olhos, da qual a apresentadora pegava um grão de alguma coisa e, com o poder de quem pode ignorar toda aquela abundância, seguia o programa, deixando toda a audiência com água na boca. Audiência essa – sempre bom lembrar – que, em sua maioria, não devia ter nem um terço do que estava naquela mesa para provar em sua humilde residência. A mesa de café da manhã da Xuxa era outra realidade. Praticamente, um mundo paralelo. Uma coisa vivida por alguém que parecia estar tão perto, ali, do outro lado da tela, mas, na verdade, estava muito afastada do que ocorre no mundo dos reles mortais.

No dia em que recebeu a atriz Maitê Proença no palco do Video Show, semana que passou, Zeca Camargo bem que podia ter colocado uma trilha da Xuxa de fundo. Talvez os mais espirituosos entendessem o link enquanto o rapaz e sua convidada marcavam num grande mapa-múndi os países que já haviam visitado. Maitê, apresentada como uma viajante nata, jurou nunca ter contado os locais em que já foi durante sua vida inteira, mas fazia ideia de serem umas 70 nações. Camargo se exibiu e foi certeiro: visitou 97 e pretende, em breve, fechar 100. Falou com a naturalidade de quem planeja, depois de amanhã, conhecer o novo minimercado que abriu no bairro vizinho. E isso para um público que, se bobear, não sabe nem que Brasil faz fronteira com o Uruguai.

Daí, o indivíduo que está quebrando a cabeça para ver como vai conseguir completar o dinheiro da passagem do ônibus para o próximo dia de trabalho, se depara com uma notícia-bomba direto do mundo dos esportes: dizem que a fortuna envolvida na compra do Neymar pelo Barcelona não foi “só” de cerca de R$ 188,5 milhões, como o divulgado até então, mas de R$ 284,5 milhões. Um valor que dá nó na cabeça só de tentar contabilizar.

É impossível o cidadão comum não se sentir deslocado com contrastes como esses, que – não é de hoje – pipocam na mídia como se fizessem parte da vida de todos. Para a geral, o jeito é assistir ao lado “vida real” da programação como quem acompanha um programa de ficção. No mínimo, vai doer menos. Para a imprensa, cabe a dica de se adequar melhor à realidade do público que deseja atingir. A menos que os inadequados nessa história toda sejam mesmo os pobres-sonhadores-telespectadores que têm posado de intrusos do outro lado da TV.

Taís Brem

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