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Consciência capilar

Liso ou crespo: Qual é o estilo de cabelo que mais valoriza a raça negra?

Para além do Dia da Consciência Negra, tema divide opiniões (Foto: Divulgação)
Para além do Dia da Consciência Negra, tema divide opiniões (Foto: Divulgação)

É fácil presumir que o indivíduo está a fim de potencializar sua negritude quando resolve apostar no black power ou nas tradicionais tranças. Mas, e quando a opção de penteado passa pelo alisamento ou, até, pelas colorações nada comuns à pele negra, como os tons de loiros das luzes e mechas californianas? É exagero afirmar que a escolha por modificar a natureza dos crespos afeta a consciência racial?

O debate é polêmico. Contudo, grande parte das pessoas entrevistadas para esta reportagem acha que sim, é precipitado medir a consciência que alguém tem de sua raça a partir do penteado que escolhe para adornar sua cabeça. Trocando em miúdos, a maioria diz acreditar que não é porque alisa, alonga ou pinta as madeixas segundo o “padrão branco de aceitação” da sociedade que um negro está tentando anular suas raízes.

Especialista no tratamento de cabelos afro, a cabeleireira Simone Santiago estima que 80% das clientes do salão Tranças e Td +, do qual é proprietária, preferem alterar a estrutura dos fios alisando-os, seja à base de produtos químicos ou, simplesmente, com chapinha e escova. “20% prefere os crespos, mas não abrem mão de uma escova lisa vez ou outra para algum evento comemorativo. Já as tranças são sempre bem-vindas, em todos os tipos de cabelos”, destacou. Para ela, cada vez mais as mulheres negras têm se permitido mudar a aparência, à medida que vão passando por cada fase da vida. “Fases marcantes, como 15 anos, formaturas, casamentos, começo ou fim de relacionamentos, novo emprego… E usar cabelo liso ou crespo em cada um desses momentos transcende a consciência racial. Há inúmeros recursos que nos permitem mudar a aparência, conservando a saúde dos fios e expressando nossos sentimentos, conquistas e mudanças sem perder a referência ou a consciência”, enumerou. “Particularmente, essa conversa de que ‘em terra de chapinha, quem tem cabelo crespo é rainha’ é conversa de cabeleireiro preguiçoso. Uma escova bem feita tem seu valor”.

Simone, em suas várias versões (Fotos: Arquivo Pessoal)
Simone, em suas várias versões (Fotos: Arquivo Pessoal)

Engana-se quem lê uma declaração dessas e pensa que é papo de quem quer apenas fazer propaganda de seu trabalho usando a cabeça alheia como cobaia. Com a mesma ênfase com que defende o lado artístico do seu ganha-pão, Simone se dispõe a experimentar os mais diversos tipos de penteados na própria cabeça, em seu cotidiano. A mesma mulher que está de longas tranças na segunda-feira, pode lhe surpreender com um chanel desfiado no dia seguinte, com um mega-hair extravagantemente liso na sexta e com um corte curto, crespo, natural e discreto na próxima semana. Até se apaixonar por uma tintura bem puxada para o azul e mudar novamente. Ela é praticamente uma camaleoa, assim como suas clientes. “Somos negras com estilo e personalidade e podemos, sim, nos expressar através de nossos cabelos, sem parecer um batalhão de ‘tudo a mesma coisa'”, sentenciou a cabeleireira.

“Gosto do carapinho”

Atualmente, jornalista tem preferido os crespos (Foto: Arquivo Pessoal)
Atualmente, jornalista tem preferido os crespos (Foto: Arquivo Pessoal)

Dizem que as mulheres “normais” nunca estão plenamente satisfeitas com sua aparência. Para a jornalista Conceição Lourenço, 53, a afirmação é tão verdadeira que serve para explicar a necessidade de mudança de visual que o sexo feminino expressa em suas transformações. O que, por certo, não é diferente com a raça negra. A dona da cabeleira crespa e exuberante costuma chamar atenção por onde passa, ora por despertar preconceito (“Muita gente olha com desdém e risinhos…”), ora por surtir admiração (“Sábado, por exemplo, duas senhoras brancas me chamaram no shopping para dizer que eu deveria ser modelo. Dei risada e disse que era jornalista. Elas ficaram decepcionadas, mas foi bonitinho”). E há, também, os que demonstram curiosidade. “Um dos porteiros do meu prédio, que é negro, perguntou: ‘Seu cabelo é tão fofo… Não dá trabalho?’. Respondi: ‘É igual ao seu… Deixe crescer e descubra!'”,relembrou, às gargalhadas.

Há alguns anos, Conceição tem deixado as madeixas crescerem de forma natural. E o reflexo que vê no espelho muito lhe agrada. “Não acho que a negra que modifica o cabelo está negando nada, absolutamente. Hoje, acho meu cabelo bonito, mas já alisei. Gosto do carapinho, do crespo e ando gostando cada vez mais. Parece que valoriza meu rosto”.

Na contramão

Wilson, em seu tempo de black power (Foto: Arquivo Pessoal)
Wilson, em sua fase “black power” (Foto: Arquivo Pessoal)

O servidor público Carlos Wilson, 38, já conviveu com o visual da própria mulher, cuja pele é mais escura que a dele, com fios alisados e tingidos de loiro. Mas, é publicamente fã de cachos e tranças. “Para mim, alisar o cabelo e pintar de tons que não têm a ver com a natureza da raça é querer se amoldar ao padrão estético que a sociedade impõe, mesmo que inconscientemente. Até, nós, homens, quando rapamos a cabeça para se livrar da dificuldade de pentear o cabelo estamos fazendo isso”, comentou ele, que já cultivou um cabelão black power há uns cinco anos, mas teve de se desfazer do estilo em nome da praticidade e da apresentação necessária na vida profissional. Agora que tudo o que tem são alguns fios que se encontram com a navalha periodicamente para manter o cabelo baixinho, Wilson se diverte penteando o filho, João Esdras, de um ano. “Vou incentivar o ‘negãozinho’ a valorizar seu cabelo natural e suas raízes afrodescendentes. Pelo menos, até que ele tenha idade para decidir que estilo quer adotar”.

Pai penteando o filho (Foto: Arquivo Pessoal)
Pai penteando o filho (Foto: Arquivo Pessoal)

Taís Brem

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