Sinal de alerta

Provável suicídio de Champignon reacende polêmica sobre o tabu que é questão de saúde pública

Músico estava com 35 anos (Foto: Divulgação)
Músico tinha 35 anos (Foto: Divulgação)


Uma atitude de covardia e egoísmo. Um último pedido de socorro. Ou uma demonstração de desespero cada vez mais comum que sinaliza um grave problema de saúde pública. Seja qual for a definição usada para o ato do suicídio, é sobre ele que recaem as investigações policiais a respeito da morte do ex-baixista da banda Charlie Brown Jr. e vocalista d’A Banca, Luiz Carlos Leão Duarte Júnior, 35, o Champignon, ocorrida no início da semana passada. Por uma triste coincidência, Champignon morreu na madrugada de segunda-feira (09), véspera da data escolhida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para ser o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, 10 de setembro.

Segundo informações fornecidas pela mulher do músico, Cláudia Campos, o casal recém havia chegado de um restaurante, quando ele se trancou no quarto. Ao ouvir o barulho de dois tiros, ela foi pedir ajuda a um vizinho, que o encontrou já sem vida e com o corpo ensanguentado. Cláudia, que está grávida de cinco meses, foi chamada pela polícia para prestar um depoimento mais detalhado sobre o caso, a fim de confirmar se Champignon enfrentava algum problema de depressão nos últimos meses, mas desistiu de fazê-lo em função da movimentação de jornalistas em frente à delegacia. A confirmação serviria para embasar, de forma mais precisa, as investigações. Contudo, a irmã do músico, Elaine Duarte, 37, disse ter certeza de que foi ele mesmo quem se matou. “Tenho total segurança para afirmar que meu irmão estava depressivo”, declarou.

De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em 90% dos casos, as razões que levam ao suicídio estão ligadas a distúrbios mentais, como a depressão, a bipolaridade, a esquizofrenia e a síndrome do pânico. E essa constatação não é apenas teórica. Segundo a psicóloga Lauren Severo, tais ocorrências têm aumentado, justamente, porque as pessoas têm sofrido mais com transtornos emocionais e mentais. “O estresse da vida atual também contribui muito para esse aumento”, comentou a profissional.

Segundo Lauren, entre as técnicas utilizadas no campo da Psicologia para abordar um paciente com risco de suicídio estão internações domiciliares ou em hospitais (gerais ou psiquiátricos), medicação prescrita por psiquiatra e acompanhamento médico, que, em algumas situações, chega a ser diário. “Um minuto de distração pode ser fatal. Muitas vezes, é preciso esconder facas, retirar chaves de banheiros e ocultar qualquer objeto que possa ser letal”, afirmou. “Hoje, trabalho em um hospital e digo que, frequentemente, colaboradores de serviços de saúde chegam a um limite estressor capaz de gerar a tentativa de suicídio. Com certeza, o fato deles trabalharem em um ambiente onde a morte é presença diária, torna mais rotineira essa prática”.

Além da importância de o paciente que apresenta comportamentos suicidas buscar ajuda de psicólogos ou psiquiatras e confiar nesses profissionais, Lauren citou, também, a relevância da crença religiosa no processo de recuperação.

Impacto traumático

Identificar comportamento suicida pode prevenir o problema (Foto: Divulgação)
Identificar comportamento suicida pode prevenir o problema (Foto: Divulgação)

A obreira vocacionada da Igreja Batista da Lagoinha (IBL) Liliane Santos, 32, sofreu a perda de um amigo próximo, há cerca de um ano. “O percalço que ele encontrou em seu caminho foi o álcool, mas lutou contra isso como pode. Porém, em seu tempo de ‘cura’, começou a sofrer perturbações descomunais, ver e ouvir coisas estranhas, entre outros sinais de distúrbios mentais. Num triste dia, após escrever um bilhete rápido e se despedir da família, ele pulou da janela da qual, antecipadamente, havia cerrado a grade de proteção”, relembrou. “Aí, as pessoas podem afirmar: ‘Que cara covarde!’. Não penso dessa forma. Ao contrário, conhecendo-o como conhecíamos, creio que ele não estava em sã consciência ao fazer isso. Mas, penso que a perturbação foi tamanha que o levou a acreditar que, pulando dali, os problemas se resolveriam. Ele amava a família que tinha, fazia tudo por eles e esse amor era recíproco. Ninguém, conscientemente, abre mão de tal coisa. Pra mim, está claro que quem passa por isso, pelo menos em sua maioria, comete tal atrocidade achando estar fazendo uma coisa, quando, na verdade, faz outra. O inimigo das nossas almas é quem faz esse trabalho de enganar e confundir”.

Na opinião de Liliane, a responsabilidade de ajudar a evitar esses casos recai sobre a sociedade, como um todo. “Aqueles que percebem pessoas em situações assim, devem ser capazes de caminhar junto o bastante a fim de aliviar essa bagagem, oferecendo suporte e o que mais seja necessário. Quem já viveu isso e escapou da morte, sabe muito bem que funciona”, apontou.

A bancária Eva Soares já perdeu três conhecidos para o suicídio. Um colega da escola, na infância; e dois de trabalho, já na fase adulta. O primeiro caso foi um menino que se enforcou aos 12, 13 anos. Ele era adotado por uma das vizinhas de Eva e nunca ninguém entendeu o porquê do óbito. Já quanto aos colegas de serviço, ambos os casos foram motivados por situações de depressão, agravadas por separações conjugais e problemas financeiros. Um servidor público que trabalha com jovens, mas preferiu não se identificar para não comprometer a imagem de seus colegas, concorda com Liliane: a ajuda alheia é importante no esforço de diminuir os índices de suicídio. Contudo… “À medida em que a sociedade se afasta do contato pessoal, olho no olho, fica cada vez mais difícil perceber quando uma pessoa, por mais próxima que seja, está chegando em um momento crítico em que chegue a considerar tirar a própria vida”, opinou.

“Só falta você”

Vocalista repudiou comentários maldosos (Foto: Divulgação)
Vocalista repudiou comentários maldosos (Foto: Divulgação)

Colega de profissão de Champignon, o vocalista da banda Detonautas, Tico Santa Cruz, publicou em seu blog pessoal um verdadeiro desabafo sobre a repercussão da notícia. O músico fez duras críticas às insinuações, difundidas, sobretudo, nas redes sociais, de que Champignon teve uma atitude covarde ao se matar. “A Internet e essa possibilidade de fazer contato com o amor e com o ódio das pessoas, pode, sim, catalisar um processo de negação, de dor e de desespero. A exposição é muito grande. Há quem saiba lidar com isso e há quem se sinta atingido”, comentou. “É muito fácil julgar olhando apenas os elementos que lhe rodeiam. Muito fácil falar quando não é sua alma que está sangrando. A pressão que nós [artistas] sofremos é muito grande. Existem muitas inseguranças, muitas lutas, muitas e muitas frustrações. A alma dói”.

No relato, o músico afirmou que já esteve perto de se suicidar, em 2004, quando, durante um processo depressivo, pensou que a morte seria uma boa alternativa para se “vingar” daqueles que estavam lhe machucando. “Quem estava me machucando? Eu acreditava que o mundo todo”, disse. “A terapia me salvou. Foi onde pude colocar pra fora todas as minhas angústias, as ansiedades e as dores da alma. E perceber que eu não era vítima de nada, ou melhor, estava sendo algoz de mim mesmo. Foram muitos anos seguidos de terapia para conseguir perceber que as respostas estavam dentro de mim”.

Logo após saber da morte do colega, Santa Cruz disse ter recebido uma mensagem que dizia: “E agora Tico Santa Cruz, só falta você”. “Num momento de dor e angústia, essas coisas te fazer perder a crença na humanidade”, lamentou.

Todos pela prevenção
Em 2006, quando a OMS elencou a prevenção do suicídio como tema do Dia Mundial da Saúde Mental, o Ministério da Saúde lançou uma série de medidas que compuseram as Diretrizes Nacionais de Prevenção do Suicídio. Entre elas, estava um manual, dirigido a profissionais das equipes de saúde mental, com especial ênfase às equipes dos Centros de Atenção Psicossociais (Caps) e Sistema Único de Saúde (SUS). O foco das ações preventivas está em qualificar a saúde pública permanentemente para facilitar a detecção precoce do problema nas comunidades e, por conseguinte, possibilitar o tratamento apropriado, fundamental para o sucesso da prevenção.

Instituições disponibilizam ajuda via telefone (Foto: Divulgação)
Instituições disponibilizam ajuda via telefone (Foto: Divulgação)

O Centro de Valorização da Vida (CVV), entidade sem fins lucrativos e de atuação voluntária, disponibiliza um número gratuito de telefone para o qual pessoas com problemas emocionais podem ligar. O 141 funciona 24 horas por dia e é uma linha direta com os voluntários do Programa de Apoio Emocional do CVV. O serviço promete atender à comunidade “com respeito, anonimato, não aconselhamento, não julgamento e estrito sigilo sobre tudo que for dito”. Há, também, a possibilidade de contato via chat, skype, e-mail e pessoalmente, nos postos instalados em todo o Brasil. A IBL também trabalha com aconselhamento telefônico, por meio do Telefone da Paz, projeto existente há mais de 20 anos. O atendimento é feito por 220 voluntários que se revezam 24 horas por dia. O Telefone da Paz é o (31) 3429-9550.

O problema do suicídio em números
– O Brasil registra, em média, 24 mortes diárias por suicídio. No mundo inteiro, esse número salta para três mil;
– Quando o assunto se restringe a tentativas de suicídio, o índice é de 60 mil por dia, em todo o planeta;
– Pelo menos dois terços das pessoas que tentam se matar ou que concluem o ato do suicídio, haviam comunicado, de alguma forma, sua intenção para pessoas próximas, o que desmistifica a constatação de que “quem quer se matar, não avisa”;
– O número de casos cresceu 60% nos últimos 45 anos, em função da negligência nos tratamentos de prevenção;
– O Brasil está entre os dez países que mais registros têm nessa área;
– Até 1950, 60% dos suicídios eram observados em pessoas com mais de 45 anos. Em 2000, apenas 45% ocorriam nessa mesma faixa etária. Sinal de que as ocorrências entre os mais jovens passaram a ser mais frequentes;
– Em cada caso de suicídio, em média, seis pessoas próximas ao falecido passam a sofrer consequências emocionais, sociais e econômicas.
(Fontes: ABP, OMS e MS)

Taís Brem